sábado, 5 de janeiro de 2013

Os azulejos portugueses da Igreja dos Remédios e a Biblioteca Municipal de Santo Amaro

ENIGMA - OS AZULEJOS DA ANTIGA IGREJA DOS REMÉDIOS

A palavra azulejo tem origem no árabe azzelij (ou al zuleycha, al zuléija, al zulaiju, al zulaco), que significa “pequena pedra polida” usada para designar o mosaico bizantino do Oriente Próximo, ficando relacionada com a palavra azul onde grande parte da produção portuguesa era desta cor. A representação árabe esta ligada a geometria, não se representando figuras nas artes, este detalhe não era essencial na Península Ibérica.
 Azulejos no frontispício da Igreja Matriz de Cambra, Vouzela, Portugal 
 (ref.-http://pt.wikipedia.org/wiki/Cambra)

No ano de 1498, o Rei de Portugal Dom Manuel I viajando para a Espanha fica impressionado com a exuberância dos interiores mouros, com a proliferação cromática nos revestimentos das paredes. Com o desejo de edificar a sua residência à semelhança dos edifícios visitados nas cidades de Espanha, faz com que o azulejo hispano-mourisco tenha sua primeira aparição em Portugal. O Palácio Nacional de Sintra, residência do rei, é um dos melhores e mais originais exemplos desse azulejo “importado” das oficinas de Sevilha em 1503, que à época já forneciam para outras regiões, como o sul de Itália.

TRADICIONAIS MODELOS DE AZULEJOS PORTUGUESES

Sendo o Azulejo um fenômeno urbano a cidade de Lisboa foi o maior mercado de azulejaria de interiores e de fachada. No século XVII, a azulejaria artística viria afirmar-se como arte da identidade da cultura portuguesa. 

O Azulejo português tornou-se parte da arquitetura. Na mesma época, a Igreja e a Nobreza passam a se interessar por esse estilo arquitetônico para o revestimento de igrejas, conventos, casas de campo e palácios, azulejos figurativos com nítida idéia de afirmação política e social, ostentação dos novos-ricos e, mais tarde, pela classe média.
Igreja de São Martinho Revestimento a azulejo estampilhado oitocentista, Argoncilhe.PORTUGAL 
(ref.- http://pt.wikipedia.org/wiki/Azulejo)

Além de um padrão de cor o azulejo precisou ter um padrão dimensional, sendo que a partir do século 16, em Portugal, passou a ter uma medida quadrada variável entre 13,5 e 14,5 cm, como consequência do aumento de produção pelo maior número de encomendas. Essa situação perdurou até o século 19. O emprego de uma só cor, azul, sobre com fundo branco permitia uma maior concentração na pintura, facilitando em muito a produção.

Nas igrejas o azulejo passa a revestir paredes, tetos e abóbadas, frontispício, enfim, todas as superfícies são azulejadas. Com a corte portuguesa refugiando-se no Brasil, após a invasão francesa em Portugal no final de 1807, o emprego do azulejo teve um desenvolvimento através de mestres e artesãos vindos na esquadra da comitiva, desenvolvendo a aplicação do azulejo como revestimento de fachadas de edifícios.



As primeiras fachadas azulejadas no Brasil tiveram azulejos portugueses e depois começou a surgir à influência inglesa, francesa, dos países baixos e espanhola. Talvez por alta demanda de produção do azulejo em Portugal foi que sucedeu a procura brasileira, até porque as primeiras fachadas principais brasileiras totalmente revestidas com azulejos lusitanos foram feitas por encomendas, sobretudo de imigrantes portugueses, recorrendo à produção das fábricas portuguesas.

Azulejos produzidos por novos métodos de produção semi-industriais e industriais (denominada de “estampilhagem”, pela impressão em um molde onde se abriram letras, desenhos, figuras, para estampar) provocaram mudanças nas fachadas revestidas, reconhecendo-se a estética dos exteriores da arquitetura urbana.

A IGREJA DOS REMÉDIOS

Em São Paulo, na Capital, a igreja dos Remédios[1], possuía em seu frontispício azulejos portugueses, e a mesma estava situada na Praça João Mendes, no antigo Largo da Cadeia. Era refúgio de escravos perseguidos e, nos últimos tempos do Império, tornou-se reduto preferido dos abolicionistas. Em 1942 foi iniciada sua demolição para o alargamento da praça, conhecida antigamente também por referência à igreja como Largo dos Remédios.
 Praça João Mendes, antigo Largo de São Gonçalo, 1862.  Igreja de Nsa  Sra dos Remédios demolida em 1943e pátio da cadeia. No lugar da igreja está  o Fórum João Mendes. Militão Augusto de Azevedo
Igreja de Nossa Senhora dos Remédios e Pátio da Cadeia - 1862. Benedito Calixto

 A Praça João Mendes, durante a gestão do nomeado interventor do Estado Adhemar de Barros, foi nomeado para assumir a prefeitura da Capital paulista de 1938 a 1945, o engenheiro civil e arquiteto Francisco Prestes Maia, passando a cidade por uma completa transformação.
Praça João Mendes em 1936 e o prédio onde funcionou a Assembleia Legislativa do Estado até 1937. Também abrigou a Cadeia Pública, transferida para a avenida Tiradentes depois da inauguração da Casa de Correção
CADEIA E SALA DA CAMARA 1862.Militão Augusto de Azevedo
Paço Municipal, Fórum e Cadeia de São Paulo (1862), 1918, óleo 50x64,5 cm, BENEDITO CALIXTO -Acervo do Museu Paulista

Foram demolidos prédios das repartições administrativas do Estado e transferidas para outras áreas por um novo modelo de zoneamento urbano. (na atualidade ocorre esta mesma configuração de espaço da Nova Luz!) 
ASSEMBLEIA PROVINCIAL EM 1887 
Nestas circunstâncias foi também demolida a Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, entre outras construções locais. No lugar da igreja está atualmente o Fórum João Mendes.

Praça João Mendes, com herma vista à direita, em 1914, ao fundo a igreja,  Nossa Senhora dos Remédios (demolida)

 
HERMA EM HOMENAGEM A JOÃO MENDES DE ALMEIDA-AUTOR WILLIAM ZADIC


OS AZULEJOS DO SAGUÃO DA BIBLIOTECA MUNICIPAL PREFEITO PRESTES MAIA

A Biblioteca Municipal Prefeito Prestes Maia, antiga Presidente Kennedy, recebeu o nome do presidente americano por ter recebido verba do programa dos Estados Unidos da América conhecido como “Aliança para o Progresso”, subsídio para fomentar o desenvolvimento econômico da América Latina. 

No segundo mandato de Prestes Maia assumido de 1961 a 1965, na transição conturbada do governo João Goulart e o regime de exceção, foi quando se inaugurou em 4 de abril de 1965, a Biblioteca de Santo Amaro, localizada na Avenida João Dias, nº 822, Santo Amaro, São Paulo.

A referida biblioteca foi inaugurada pela esposa do prefeito, Maria Prestes Maia, recebendo o nome de Biblioteca Presidente Kennedy. Foi o senador Robert Kennedy, irmão Presidente americano, assassinado em 1963, no Texas, em visita ao Brasil, que descerrou a placa comemorativa com os seguintes dizeres: 

A JOHN F. KENNEDY PELOS SEUS ESFORÇOS EM FAVOR DA EDUCAÇÃO E CULTURA DA HUMANIDADE.


Através do prefeito da cidade de São Paulo, Prestes Maia e do secretário da Educação Carlos Rizzini, em setembro de 1963 começaram as obras, finalizadas em dezoito meses.
O prédio de sete andares, com 7 mil metros quadrados de área construída, com dependências temáticas, abriga também o acervo com mais de 12 mil livros além de comendas e documentos, além da mobília do prefeito Prestes Maia.


A Biblioteca Municipal teve seu nome alterado para Biblioteca Prefeito Prestes Maia pelo decreto 46.434, de 6 outubro de 2005,  pela criação do Sistema Municipal de Bibliotecas.



A “NOVA” BIBLIOTECA MUNICIPAL PREFEITO PRESTES MAIA

 

Após a apresentação do projeto ocorrido nas dependências da Biblioteca Prefeito Prestes Maia em 2 de dezembro de 2010 foi entregue a reforma “parcial” equipamento municipal situado à Avenida João Dias, 822, em 27 de dezembro de 2012, às 10:30 horas. Toda obra foi orçada em R$ 6.208.467,80 e empreitada ficou a cargo da Construtora Progredior. Houve algumas intervenções de peso estrutural como a inauguração do Teatro Leopoldo Froes, além de outras setoriais como sala de acervo em Braille, acervo temático, laboratórios multimídias, e o que dá o nome ao equipamento todo, que é o acervo pessoal do Prefeito Prestes Maia. Deixa-se registrado que no 1º andar foi construído deck de arquitetura moderna com jardins e espelhos d’água. 

Entretanto a obra ocasionou infiltrações de água no térreo, em sala ampla, onde há acervo catalogado de assuntos correlatos. Urge conter estas infiltrações com impermeabilização estanque definitiva a cargo da engenharia civil contratada, para não ocasionar dissabores futuros. 

A Biblioteca de Santo Amaro demorou 18 meses para ser construída no século 20, sendo iniciada em setembro de 1963 e entregue em 4 de abril de 1965. Para a reforma do século 21 foi apresentada a reforma em 2 de dezembro de 2010 e entregue em 27 de dezembro de 2012, ou seja, 24 meses para ser reformada!


RELAÇÃO DA IGREJA DOS REMÉDIOS COM A BIBLIOTECA DE SANTO AMARO

SAGUÃO DA BIBLIOTECA, AO FUNDO VÊ-SE OS AZULEJOS

Há na Biblioteca Prefeito Prestes Maia algumas peças da azulejaria portuguesa, fragmento(s) do que um dia fizeram parte da Igreja dos Remédios, que estava situada na Praça João Mendes. Estão instalados no saguão da entrada principal da citada biblioteca sobre a escadaria de acesso ao nível do terreno.

AZULEJOS ORIGINÁRIOS DA ANTIGA IGREJA DOS REMÉDIOS, CONSTRUÍDA NO SÉC. XVII E QUE, EM 1825, SOFREU UMA REFORMA, SENDO, ENTÃO, NA FACHADA COBERTA DESSE MATERIAL. A IGREJA FOI DEMOLIDA PARA DAR LUGAR À PRAÇA JOÃO MENDES. (Restaurado em 1973-A.L. GAGNI)

Por motivos inerentes a pesquisa do fato descrito e buscando pistas que possam fornecer subsídios investigativos, paira a dúvida quanto a este modelo de readequação do espaço urbano e da demolição completa da Igreja dos Remédios e sua consequência na década de 1940. 
PRAÇA JOÃO MENDES, durante a gestão do prefeito nomeado Prestes Maia (1938-1945), passou por uma total transformação.

Qual foi seu impacto na população naquele momento, e, se este modelo de “readequação da cidade” já era um fato consumado nos planos urbanos e foi colocado como prioridade naquele momento para criar nova ótica que buscava um modelo “ideal” de ocupação do espaço. 

Havia, naquele momento, um projeto de arquitetura e da planificação urbana elaborada em busca de novo modelo para a parte central de São Paulo e as construções “antigas” estavam obstruindo esse novo perfil de cidade? 

Há algo que nos prende a atenção em dois momentos:

A demolição da Igreja dos Remédios ocorreu na primeira gestão municipal de Prestes Maia, de 1938 a 1945.

A construção da Biblioteca Municipal Presidente Kennedy, ocorreu na segunda gestão municipal de Prestes Maia, de 1961 a 1965.

Há nisso alguma relação dos fatos ou mera coincidência. Onde foram colocadas outras partes da demolição da Igreja dos Remédios, inclusive seu acervo religioso?

Por que um fragmento da Igreja dos Remédios, ou seja, os azulejos fazem parte do espaço da Biblioteca Municipal Prefeito Prestes Maia?

Onde ficaram estas peças (azulejos) durante estas duas décadas, entre a demolição da Igreja dos Remédios e a construção da Biblioteca Municipal de Santo Amaro? Em algum depósito de “obras da prefeitura” com catalogação de acervo? 

Enigmas do “produto da cidade” a serem decifrados com pesquisa de documentos produzidos pelo poder do Estado e pela Igreja!

Referências:
MOREIRA,  Francisco Adail Martins. Festas Litúrgicas de Jesus e Maria. São Paulo: Edições Loyola, 2003.

DOMINGUES, Ana Margarida Portela - A ornamentação cerâmica na arquitetura do Romantismo em Portugal. Tese de Doutoramento em História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Porto, 2009, 2 volumes.

LYNCH, Kevin. Tradução: Maria Cristina Tavares Afonso. A Imagem da Cidade. Lisboa/Portugal,: Edições 70, 1982.

SELIGMANN SILVA, M. Walter Benjamin: o Estado de Exceção entre o político e o estético in: Cadernos Benjaminianos, Volume 1 - Número 1 - Junho/2009.

Fotos de Militão Augusto de Azevedo, da Exposição ocorrida na Casa da Imagem, (antiga Casa nº1) no Pátio do Colégio, centro da capital à Rua Roberto Simonsen, 136-B.  Mostra A Cidade Desaparecida de Militão Augusto de Azevedo”, fotos entre os anos de 1862 e 1887. Curadoria: Henrique Siqueira e Monica Caldiron,ocorrida no período de 22 de setembro a 24 de novembro de 2012.


[1] No Cambuci, surgiu à Rua Tenente Azevedo, nº 182, um novo templo dedicado em devoção à Mãe de Deus, a Igreja Nossa Senhora dos Remédios, que se transferiu para novo espaço sagrado projetado e construído pelo engenheiro Malfati Buchigmani, baseado no estilo colonial franciscano.

1 comentário:

eduardo verderame disse...

parabéns pelo trabalho investigativo