Uma mudança
sistemática
Em virtude de Lei Provincial de 25 de abril de 1880, houve a concessão por
contrato de 14 de julho de 1883 para construção da Estrada de Ferro de São
Paulo a Santo Amaro, que os antigos "paulistas santamarenses" falavam
com orgulho, pois fizeram parte do financiamento dos Tramway
da “Companhia de Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro”.
Um lugar longínquo,
uma cidadezinha interiorana, caipira no trato, bela no ato, separava os botinas
amarelas em quase vinte quilômetros da capital de uma estrada de ferro construída
por um “visionário” nascido em Bremenhaven, Alemanha, em 31 de julho de 1845,
vindo para o Brasil em 1862, naturalizando-se brasileiro, acreditando na sua
nova pátria.
Georg Albrecht
Hermann Kuhlmann, engenheiro formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro,
trabalhou para o Império em planejamento urbano. Em 1879 veio para São Paulo,
contratado para superar o modelo de cidade do interior existente até então, sem
planejamento e reformular conceitos novos de uma cidade moderna. São Paulo
possuía uma população à época de 30 mil habitantes, sendo quadruplicada no
final do século. Deste modo São Paulo precisa sair de condição da construção do
improviso da taipa de pilão.
O engenheiro
Alberto Kuhlmann construiu a “Ferrovia de Santo Amaro”,
inaugurada em 14 de março de 1886, após ter percorrido 19,1 quilômetros, chegou
a Santo Amaro a primeira composição ferroviária da “Companhia Carris de Ferro
de São Paulo a Santo Amaro” para o transporte de cargas, em uma época em que
Santo Amaro supria a capital de São Paulo com aproximadamente 25 toneladas de
produtos por ano, seguindo o plano de estrutura de abastecimento da cidade de
São Paulo.
Projetou e
construiu também o Matadouro Municipal de Vila Clementino,
oficialmente inaugurado definitivamente em 21 de junho de 1887 após várias pré-inaugurações.
Localiza-se no Largo Senador Raul Cardoso (antigo Largo do Matadouro), nº. 207,
em Villa Marianna, atualmente espaço da Cinemateca Brasileira. Nas paredes do
prédio consta: “Construído no quadriênio de 1883 a 1887. Presidente da Câmara
Dr. Manoel Antonio Dutra Rodrigues. Architecto Alberto Kuhlmann”.
O jornal Correio Paulistano 06 de janeiro de 1887relata a
inauguração:
“Realizou-se ontem a inauguração do novo matadouro, sito
no arrabalde de Villa Marianna. Às duas da tarde, partiu da Rua Vergueiro um
comboio da Companhia Carris de Ferro de Santo Amaro, conduzindo o excelentíssimo
presidente da província, vereadores, representantes da imprensa, outras pessoas
gradas e uma banda de música, chegando todos ao novo matadouro às três horas e
um quarto...”
O abate de gado e
outros animais foi extinto em 1927, pelos mesmos motivos que determinaram o fim
Dio Matadouro da Liberdade.
O Matadouro estava pequeno para atender a demanda da cidade de São Paulo, então
com aproximadamente 600 mil habitantes, e somava a isso o problema de higiene
quando o descarte era feito nas águas do Córrego do Sapateiro (passando pelo
Ibirapuera, descendo para o Itaim Bibi, na atual Avenida Juscelino Kubitschek, desembocando no Rio Pinheiros).
Tanto o Matadouro
quanto a ferrovia obedeciam a um plano diretor de expansão da cidade que estava
em franco crescimento. Depois do abate a carne era transportada de trem até a Estação
São Joaquim, Liberdade, e dali em carroções apropriados para esta finalidade,
indo até o tendal. Ao lado
do matadouro, de instalações modernas para a época, foi construído um curtume,
próximo ao Córrego do Sapateiro, que recebia todos os detritos do abate.
Em 1891, com a República, foi eleito deputado estadual pelo PRP para formar a
Constituinte de São Paulo, em 1891. Faleceu na Alemanha, em 5 de novembro de 1905,
representando o governo brasileiro para fortalecer o intercâmbio teuto-brasileiro
e fazer propaganda do café paulista.
Santo Amaro já
possuía um histórico empreendedor muito anterior a essa expansão, embasada em
parte ao empreendimento assumido pelo empresariado de Santo Amaro, haja vista
que, muito antes do desenvolvimento industrial da segunda metade do século XX,
já havia preocupação de ampliar redes de fornecimento para São Paulo, sendo que
a primeira linha férrea Cia. Carris de Ferro de São Paulo a Santo Amaro, com
locomotivas de fabricação Krauss, BN2, idealizada por Alberto Kuhlmann, alemão
de nascença, naturalizado brasileiro, assumiu o compromisso, em 1883,
depositando 5.000 réis na assinatura de garantias do contrato, com recursos
próprios, e teve a participação de recursos privados de investidores
santamarenses na ordem de 300.000 réis, sem intermediários.
Em 14 de março de 1886, o
Conselheiro João Alfredo, presidente (governador de então) abriu a cerimônia da
nova estrada de ferro dos trens de fabricação alemã TRAMLOK KRAUSS vapor que saiu da estação da Rua São Joaquim
às 11:36 horas da manhã.A linha tinha como trajeto as atuais Rua Vergueiro, Rua
Domingos de Morais, Avenida Jabaquara, até o local da atual Igreja de São Judas
Tadeu. Neste local ficava a Estação do Encontro, onde os trens faziam um
reabastecimento de combustível(lenha) e água(que produzia o vapor da
locomotiva). Seguia depois por vastos campos onde hoje estão os bairros do
Aeroporto e Campo Belo para depois alcançar o Brooklin Paulista, onde havia
curvas acentuadas, sendo o local chamado mais tarde de Volta Redonda. Seguia seu
percurso pela atual Chácara Flora e entrava em Santo Amaro pelas ruas
São José e Nove de Julho.
Por déficit de demanda a linha
funcionou com prejuízos, até que em março de 1900 a Companhia foi a leilão,
sendo arrematada pela “São Paulo Tramway Light and Power Company”, pelo preço
de 155:000$000, sendo a respectiva escritura lavrada em 17 de março desse mesmo
ano e em dezembro de 1902, a nova proprietária celebrou com o Governo de Estado
a renovação de seus contratos, com as seguintes observações à época:
1- As linhas concedidas
nos contratos anteriores ficam reduzidas, para efeito dos mesmos, ao trecho da
Vila Mariana a Santo Amaro.
2- A nova proprietária
manterá o trafego com regularidade até 1908, ano em que findo seu privilégio,
não podendo haver alteração dos preços existente para todos os transportes de procedência
dos pontos situados de São Joaquim a Vila Mariana e Ramal do Matadouro, de modo
que os fretes e passageiros antigos não são modificados pela incorporação
desses trechos à rede urbana elétrica.
3- Fará os
melhoramentos que forem indicados na linha e no material rodante.
4- As fiscalizações
das linhas urbanas e suburbanas caberá à Câmara Municipal, embora verificados
os caracteres das linhas estaduais, conforme Lei de Concessão nº 30, de 13 de
junho de 1892.
A Estação da Ferrovia de Santo
Amaro tinha parada obrigatória onde hoje se situa o colégio Linneu Prestes, e
que mais tarde foi também utilizada pelo Bonde elétrico da Linha 101, com
extensão de 31,0 km, inaugurada em 07 de julho de 1913 sobre a administração da
"The São Paulo Railway Light and Power Company Ltd.", que havia
adquirido a Carris, as locomotivas a vapor foram substituídas pelas Puffing
Billy e que depois foram desativadas definitivamente em 1914. Um ciclo se
fechava para iniciar os bondes elétricos.
Dos trens, aos bondes e ao Metrô
O bonde servia o Itinerário
desde o Largo da Sé, Rua Marechal Deodoro, Praça João Mendes, Rua Liberdade,
Domingos de Morais, Jabaquara, Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, que atingia
até a atual Avenida Adolfo Pinheiro (ainda não existia a Avenida Ibirapuera com
seu traçado atual e muito menos a avenida vereador Jose Diniz, que era bem
atuante com sua especialidade farmacológica), seguindo para a várzea de Santo
Amaro, com ponto final no Largo Treze de Maio, onde era feito o balão de
retorno. Em 23 de dezembro de 1920, foi inaugurado o trecho de 1600 m de
extensão à represa de Guarapiranga, que pretendia ligar do Largo Treze de Maio
à Capela do Socorro. Em 27 de março de 1968, São Paulo dava adeus a última
linha da cidade que percorreu do Biológico a Santo Amaro.
O que foi o Caminho do Carro
de Boi, ligando Santo Amaro à capital paulista, para abastecimento de produtos,
na atualidade tem novos trilhos no caminho, através do prolongamento da
"Linha 5 do Metrô", e podem estar certo que desde a Linha do Trem a
Vapor ao Bonde, mudou-se o modelo do transporte o trajeto é semelhante,
seguindo para a Vila Mariana até atingir a Chácara Klabin.
A crítica é salutar
para aprimorar o conhecimento do objeto estudado. Buscamos o entendimento da
disputa de poder industrial entre ingleses e alemães pela hegemonia de
tecnologia das ferrovias, além de saber mais do trem a vapor da empresa alemã
Krauss ou os Kastenloks da "Companhia de Carris de Ferro de São Paulo a
Santo Amaro”.
Vide para
complemento:
“Santo Amaro Sobre
Trilhos: do trem a vapor, ao bonde e ao metrô”
Referências:
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Depoimento Dna. Adozina
Caracciolo de Azevedo Kuhlmann, sobrinha-neta do Engº Alberto Kuhlmann, quando
das festividades dos 457 anos,em 15 de fevereiro de 2009, em Santo Amaro, na
Associação Comercial de São Paulo, Distrital Santo Amaro
O termo “tramway” em inglês corresponde
ao “Strassenbahn”, que pode ser traduzido como “trem de rua”, ou seja, uma via férrea,
assentada em uma estrada ou rua, por meio de trilhos de aço sobre o qual transitam
veículos preparados para essa finalidade. Os “tramway” no Brasil foram chamados
de bondes (bonds) bilhetes usados por esses veículos. O tramway, que era semi-urbano, levou o desenvolvimento para o lado sul
da Cidade entre a Vila Mariana e Santo Amaro. O Tramway partia de uma estação existente
à rua Vergueiro, próxima à São Joaquim, e seguia por esta até a Vila Mariana,
depois ao Jabaquara, Vila do Encontro, chegando a Santo Amaro na parte final da
atual avenida Adolfo Pinheiro.
Em São Paulo O Engenheiro Carlos
Abrahan Bresser projetou o primeiro matadouro que foi construído em 1852
sob a direção de Achilies Martin d'Estadens e localizava-se nas cabeceiras do
córrego do Anhangabaú, onde hoje é a Avenida 23 de Maio, próximo a rua Humaitá,
no Bairro da Liberdade. Naquela
época, São Paulo tinha 40 mil habitantes um matadouro pequeno na Liberdade, que
surgira quando apenas 10 mil pessoas moravam na capital. Além da defasagem, a
localização atrapalhava a movimentação no local com a chegada das boiadas que
tumultuava as ruas da região central, sem contar que os dejetos despejados no
Rio Anhangabaú levavam mau cheiro para o vale, proveniente da atividade de
abate.