O TRABALHADOR E A
CAUSA SOCIAL
A tensão social das relações de trabalho do início do século 20 teve grande
repercussão na cidade de São Paulo, provocada por uma crise econômica intensa,
sendo parte disso a Primeira Grande Guerra na Europa, conflito beligerante que
afetava a economia de vários países.
Em 1916, o custo de vida no Brasil aumentava na ordem de 16% em comparação
ao ano de 1914, enquanto os salários aumentaram apenas em 1%. Em 1917 esses
índices eram de 28% em aumento de preços e apenas 7% para os salários. Havia
denúncias de especuladores que se aproveitavam da crise e subiam os preços dos
produtos de primeira necessidade, do pão em particular.
A luta dos trabalhadores teve primeiramente como intenção primordial a
jornada de oito horas. A greve acontecida em 1917 correspondia às aspirações mais
de caráter social. A partir do mês de abril, foram realizadas várias reuniões,
folhetos distribuídos para uma chamada
popular para combater a crise. Os jornais de grande circulação não divulgaram
como deveriam, ou pouca importância deram aos acontecimentos e algumas redações
emudeceram e somente jornais de caráter informativo dos trabalhadores se
manifestaram como o “A Guerra Social”, “A Plebe”, “Avanti!”, “La Battaglia”, “O
Amigo do Povo” entre outros.
Os efeitos são pontuais do movimento da massa de trabalhadores em São Paulo
e os mesmos foram incentivados a manifestarem seu descontentamento com a
situação de miséria que viviam e as precárias condições de trabalho nas
fábricas.
O informativo jornalístico “A Guerra Social” congratulava-se com este
despertar da consciência da classe operária.
Os trabalhadores de São Paulo estão em pé de guerra, finalmente reivindicam
o seu direito à vida; de se livrar finalmente de apatia que os fez escravos
dóceis, prontos para todas as condições servis, digno de todos os abusos, esquecidos
de si mesmos, sempre humildes e submissos, sob um jugo constante.
Congratulamo-nos com este despertar da consciência proletária que começa com um
ato digno: a abolição do imposto
de guerra
para os trabalhadores das fábricas. O
movimento grevista de 1917 expôs desafios para os italianos de São Paulo em sua
relação com o movimento operário, pois a comunidade de imigrados italianos
estava sujeita às pressões dos comitês locais de arrecadação de fundos para o
Exército italiano em guerra, sem contar que não poucas famílias tinham parentes
na frente na Europa. As sociedades de socorro mútuo italianas no exterior
apoiavam a guerra, em conjunto com toda aquela parte do empresariado imigrado
entusiastas do conflito pelos ideais da pátria.
Para explicar esse despertar, o jornal faz a ligação entre os protestos do
trabalho e a guerra mundial: como um primeiro passo, os trabalhadores aceitaram
as restrições impostas pela crise, especialmente pelo medo do desemprego. Mas
observando que a guerra não impedia que os especuladores prosperassem, pelo
contrário, a massa proletária de São Paulo revoltou-se:
“O aumento do custo de vida e em particular o aumento do preço do pão,
depende na verdade de causas gerais relacionadas com a conduta da grande
conflagração de três anos afetando a humanidade na guerra, para satisfazer o
prazer de um punhado de bandidos imperiais que estabeleceram a lei comum no
privilégio econômico sem interesse de um Estado Social. Mas o efeito destas
causas gerais pode ser encontradas nas atividades especulativas de sete ou oito
ignorantes, que os reis podem fazer de comandantes, mas que não são menos que vulgares
ladrões, bandidos das principais estradas de ferro, que impõem ao povo em
geral, e ao proletariado em particular, o plano da fome.”
As duas maiores empresas de São Paulo são os principais
alvos dos ataques: As Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo, e o Cotonifício Rodolfo
Crespi & Cia, ambos proprietários imigrantes italianos. O Cotonifício Crespi
estava situado na Moóca, no quadrilátero da Rua dos Trilhos, Rua Visconde de
Laguna, Rua Javari (paralela a dos Trilhos) e Rua Taquari, em terreno de 30 mil metros quadrados e 50 mil de construção iniciada em 1898, que em 1917 possuía 2 mil operários distribuídos em vários galpões, sendo o prédio
principal formado em quatro andares com duas torres laterais.
O primeiro recebeu a carga de insultos por deter um monopólio sobre a
farinha em São Paulo, o segundo detentor das empresas do fabrico do maior setor
têxtil da América Latina e onde irá desencadear a primeira greve iniciada com
ressalvas e pouca adesão em maio de 1917. A empresa estava com alta produção abastecendo
até mercados externos naquele momento e havia anunciado que os trabalhadores
teriam que fazer trabalho noturno extra, mas com uma agravante: não iriam
receber nenhuma compensação financeira por isso, além de que, os salários
fossem baixíssimos em relação a “carestia de vida” (hoje denominada inflação). Poderia
disser-se que os salários estavam dentro dos limites mínimos de subsistência da
prole do trabalhador! Era o mote usado pelas maiores empresas fixadas em São
Paulo, isso já havia acontecido na fábrica de bebidas Companhia Antártica Paulista, também situada na
Moóca, no verão quando o consumo de bebidas era maior exigia-se prologamento das
horas trabalhadas sem acréscimos nos proventos.
A reação foi instantânea, algo teria que ser feito em resposta as
arbitrariedades patronais. O movimento culpava os empresários pela teimosia em
se recusar a ceder algumas exigências, ainda modestas e razoáveis, para os trabalhadores
em geral, que continham ideais de anarquistas na maioria italianos e
socialistas (o Partido Comunista Brasileiro só seria fundado em 25 de março de 1922)
que tentavam unir suas forças na luta e de colaborarem entre si.
Poucos possuíam acesso aos artigos dos jornais e apenas algumas centenas de
trabalhadores receberam instrução suficiente para deflagar uma greve pelos
interesses comuns e necessitavam de alguma forma conseguir adeptos pela causa e
procurando obter de alguma de maneira as condições minimas para organizarem-se.
Antes mesmo de a greve geral se espalhar prevista para julho, as proporções
de uma revolta popular real, insiste
na natureza de modo espontânea do protesto e relativiza a influência que pode
ter ativistas revolucionárias entre os trabalhadores:
Talvez por força da situação de penúria dos trabalhadores de São Paulo por
si mesmos articulam para a greve geral. Uns apelam por um modelo a ser seguido,
com alguma orientação, algo que os reúna, os anime, colocando-os em ação.
Os primeiros movimentos de abril e maio de 1917, são acompanhados
por um novo protesto nos estabelecimentos dos Crespi, com participação dos
anarquistas na organização do proletariado.
A GREVE DE JULHO
A situação endurece na metade do mês de junho de 1917, quando a greve é retomada
nas indústrias Crespi. Neste momento, a recém-nascida imprensa anarquista em
português, “A Plebe”, publica sobre as greves e manifestações de trabalhadores
em São Paulo, onde seus principais editores são Edgard Leuenroth e Florentino
de Carvalho, ambos anarquistas sindicalistas que enxergam condições para
orientação e organização do movimento.
As greves e reuniões de associações trabalhistas são muito mais detalhadas neste
momento, em um novo contexto, pois as fábricas prosperam com o conflito mundial
abastecendo o mercado consumidor. Há, deste modo, maior ênfase na estrutura
organizada e com movimento menos teórico para arregimentar os trabalhadores.
Rodolfo Crespi, insiste em não ceder aos grevistas, não sendo poupado de críticas.
A greve dura vários dias nas fábricas Crespi. Uma manifestação de solidariedade
com os trabalhadores organiza-se em 24 junho.
Quando a greve fica mais forte,
os trabalhadores começam a parar as fábricas de Crespi, e articulam-se para
angariarem alimentos, pois o movimento
se estende a outros setores com prologamento previsto para os meses de junho e
julho.
O governador do Estado, Altino Arantes Marques, do Partido Republicano
Paulista, através do Secretário de Estado dos Negócios da Justiça e
Segurança Pública,, Elói de Miranda
Chaves, convocam o delegado geral Tirso Martins para entrar em ação e reprimir
as primeiras manifestações, enviando destacamento da Força Pública, que de
imediato tenta desmerecer os anarquistas aos olhos dos trabalhadores pelo boato
de que os anarquistas são agitadores e que vivem dependentes dos trabalhadores.
Mas estas tentativas não ficam
apenas no menosprezo por todas as greves ocorridas em São Paulo de julho de
1917 e as ações se tornam mais violentas entre as partes e o confronto é inevitável,
iniciando a repressão sangrenta entre os grevistas do "Cotonifício
Crespi" com as forças policiais.
Os jornais circulantes expõe com condescendência e paternalismo as
"exaltações lamentáveis" dos trabalhadores:
“É compreensível até certo ponto esse espírito exaltado.
Por um lado, a argumentação do aumento dos preços tem consequências terríveis, e por outro lado, parece que os
donos de alguns estabelecimentos industriais procuram se aproveitar da situação,
mas seria razoável aumentar os salários equitativamente. A este estado de coisas,
apesar dos constantes apelos da imprensa, nossos homens públicos, embalados em
seu habitual amor pela tranquilidade e indiferença, não fazem nada para
entender os homens do trabalho e a pobreza, e ninguém se importa com seu
sofrimento. Isto explica, em certa medida, porque os trabalhadores perdem a
paciência e gritam para serem ouvidos.
No entanto, e não muito facilmente, o que é ainda menos justificado, foram os
excessos em que muitos deles estão envolvidos, insultando e atacando os
soldados que protegem os que não obedecem a greve e querem executar seu dever profissional,
tentando evitar que outros trabalhadores exerçam seu direito de trabalhar e,
finalmente, causando ferimentos a si mesmos e também aos outros”.
Durante os confrontos com as forças de segurança, como publicado em matéria
jornalística, "que fazem o seu dever" nestes dias sangrentos há apelo
para não se confrontarem com as mulheres que aderiram a greve geral. Vários
trabalhadores ficaram feridos, mas o mais grave ocorreu no Brás, em frente a
fábrica têxtil Mariângela, de propriedade das Indústrias Reunidas Fábricas
Matarazzo, IRFM, com um jovem espanhol de 21 anos, José Ineguez Martinez,
atingido por projetil de arma de fogo em 9 de julho, morrendo dos ferimentos na
Santa Casa de São Paulo.
A imprensa reproduzia várias vezes a versão policial segundo a qual
Martinez foi atingido "por algo que os agitadores atiravam nas
autoridades", acrescentando também outra versão que o destacamento atirou
para proteger o delegado de polícia.
“Na manhã paulistana de 11 de julho de 1917, sob
intenso frio e chuva fina, uma multidão se formou à frente da casa número 91 da
rua Caetano Pinto, no bairro do Brás. Desde as sete horas, homens, mulheres e
crianças acotovelavam-se e agitavam bandeiras vermelhas à espera do funeral.
Por volta das oito horas e trinta minutos, o corpo de José Ignez Martinez
deixou a casa dos seus familiares. Um imenso cortejo fúnebre pôs-se em
movimento” – jornal Fanfulla de 12/7/1917. Empregado de uma sapataria na rua
Caetano Pinto, o espanhol José Martinez fora baleado no peito, no dia anterior,
na rua Monsenhor Andrade, e não resistiu aos ferimentos.
A morte de Martinez foi o estopim sobre a população de trabalhadores de São
Paulo para começarem a greve geral. Cinco mil pessoas seguiram o cortejo
fúnebre de Martinez em 11 de julho, acompanhado de destacamento policial
coordenado pelo delegado auxiliar Rudge Ramos em direção ao cemitério do Araçá.
Operários marcham portando bandeiras negras pela cidade de São Paulo em 1917
Bandeiras tremulam em funeral de operário morto durante a greve geral de 1917
Vinte mil trabalhadores desde este momento conclamam intensificar a greve, e
seu número continua a aumentar nos dias seguintes, alcançando quarenta mil e em
14 julho eram de cem mil, de acordo com o jornal “Fanfulla”
edição de 15 julho.
No dia do
funeral de Martinez, os grevistas novamente enfrentaram as forças policiais,
bem mais numerosas na capital do Estado de São Paulo. Depois do enterro do sapateiro, a multidão
dirigiu-se ao centro da cidade deslocando toda a massa operária para a Praça da
Sé onde seria realizado um grande comício de protesto.
Começou-se com a exigência
a reabertura das ligas operárias, proibidas anteriormente ao crime ocorrido, de
funcionar pelos delegados dos bairro da Moóca e Brás, onde se concentravam o maior
número de fábricas. Além dessa proposta requeria-se também a libertação dos
grevistas presos e a punição dos assassinos de Martinez. Ocorrem então as
reações violentas entre os grevistas e a polícia que se encontrava no local,
sendo que a construção da “nova” Catedral de São Paulo, foi usada como
trincheira.
Com a violência generalizada as respostas dos grevistas recrudescem ficando
mais intensas. Um ataque ao Moinho Santista,
situada na Rua André Leão, no bairro da Moóca, é planejado e saqueado, sendo
levadas 600 sacas de farinha de trigo e inutilizadas outras tantas.
Toda a cidade está paralisada; ficando sem eletricidade, sem gás, sem meios
de transporte e sem pão.
Em 11 de julho, o Comite
de Defesa Proletária
(CDP), ressurgimento de um comitê homônimo que havia sido criado em 1914,
composto por seis pessoas, cinco anarquistas e um socialista, publica as
intenções dos grevistas. Em 13 de julho uma mobilização militar está postada na
cidade com um contingente de 7 mil milicianos, entre cavalaria e infantaria. Em
13 de julho, os confrontos fazem duas novas vítimas, uma menina de doze anos, atingida na cabeça por um projétil e
um pedreiro, Nicola Salerno. O Comitê recusa-se a tratar diretamente com as
autoridades, mas aceita, no entanto, conversar com uma intermediação, no caso
jornalistas. Dez jornalistas manifestam-se em 14 de julho, oferecendo-se para
servir como intermediários entre o CDP, a indústria e o governo. O motivo dessa
intermediação é duplo: há uma simpatia pela causa dos trabalhadores e o desejo
de retornar a normalidade.
As negociações duram vários dias no final dos quais os jornais de São
Paulo publicam o texto dos compromissos da indústria e do governo.
Estes compromissos são consistentes
com as demandas dos grevistas. Estes requerem um aumento de 20% de 25% para
salários de vencimentos baixos, considerando que eles pediram respectivamente
25% e 35%, sendo este último percentual referido aos que recebiam até 5$000 (réis).
Os industriais
prometem-lhes também o pagamento regular dos salários quinzenalmente conforma
apresentada na reivindicação dos trabalhadores. Asseguram ainda que será
respeitado o direito firmado entre as partes e que não haverá nenhuma
retaliação contra os trabalhadores grevistas.
Jorge Luís Gustavo Street, industrial proprietário da Companhia Nacional de Tecidos de Juta, no bairro do Belém, São
Paulo, defendeu as reivindicações operárias junto ao patronato
durante a greve daquele ano na capital paulista, após atendê-las em suas
fábricas concedendo percentual requerido aos trabalhadores, recebendo críticas
do empresariado,
mas seguido por outros que desejavam produzir seus bens de consumo.
Finalmente, alegavam que "com a
melhor boa vontade iria ser tomadas iniciativas para melhorar as condições
morais, materiais e econômicas dos trabalhadores em São Paulo."
Por parte dos representantes do
governo, os grevistas obtém a palavra de que pessoas presas por motivo da greve
seriam soltas com a retomada do trabalho. O direito de reunião é reconhecido
dentro dos limites impostos pela lei.
Sobre o trabalho de menores,
trabalho noturno das mulheres e menores de 18 anos, os preços de produtos de
primeira necessidade, o controle de preços de produtos alimentares, as
autoridades públicas falavam que iriam "redobrar os esforços" e
"estudar medidas viáveis", "interessados no que estivessem ao
seu alcance" para conter os abusos.
Na contra proposta que atendia os
compromissos da indústria e do governo, o CDP reiterava suas reivindicações
sobre esses pontos mas não obteve resposta, e outros pontos que também ficaram
sem resposta, tais como a garantia de emprego, o compromisso das 8 horas diárias
de trabalho e a semana inglesa (, o
aumento de 50% para horas extras e a redução dos preços dos aluguéis de
habitação.
Em 16 de julho de 1917, várias reuniões são organizadas no decurso da qual
os membros CDP formularam o texto redigidos das propostas dos grevistas. O
Comitê propõe-se a retomar o trabalho e se caso os compromissos não fossem assumidos
iriam retomar a greve. O movimento é aplaudido por milhares de pessoas. Embora
reconhecendo que todas as reivindicações não foram satisfeitas, o Comitê
considerou uma vitória grandiosa, principalmente em relação ao direito dos
trabalhadores, e que está vitória seria o ponto de partida para novas
conquistas.
Deste modo o Comitê
anunciou o fim da greve!
O DESCUMPRIMENTO DO
ACORDO
Os jornais “A Guerra Social” e “A Plebe” fazem o balanço da greve. Os
jornais consideram falhas no processo em relação ao balanço do Comitê.
“A Guerra Social” publicou um artigo com o sugestivo título: "Vittoria"?
O proletariado de São Paulo não havia conseguido tudo o que pretendia,
longe disso. No entanto, ele obteve uma vitória contra o Estado, que a greve
geral obrigou-o a fazer concessões ante a pressão dos grevistas.
De acordo com “A Plebe”, os trabalhadores não estavam unidos ou não se motivaram
suficientemente, pois não impuseram completamente sua direitos básicos. Em
cidades do Interior do Estado de São Paulo, greves também foram realizadas,
acontecidas mais tarde em comparação com os eventos de São Paulo, como em 15 de
julho, em Santos, mas especialmente em 16 e 17. O jornal “A Guerra Social” expôs
que devido a este atraso entre o interior e a capital a decisão do Comitê de
Defesa Proletária, aconselhava o fim da greve e a aceitação da compromissos com
os patrões e o Estado, com a intermediação dos jornalistas da grande imprensa.
De fato, em 13 de julho, depois de anunciada o final da greve as forças
policiais de todo o Estado de São Paulo concentraram-se na capital. Se os
movimentos tivessem sidos solidários e mais rápidos anteriormente, os grevistas
de São
Paulo
poderia resistir muito mais.
Neste momento os ventos favoráveis aos trabalhadores mudaram, porque
baixaram a guarda e tiveram que enfrentar as evidências da articulação imediata
do Estado. O equilíbrio de poder agora era desfavorável pois deixaram o Estado
reorganizar suas forças com a conivência dos industriais atingidos:
Na noite de 13 para 14 de julho, todas as forças policias estadual e federal,
que estavam estacionadas em cidades próximas, foram remanejadas e concentradas
em São Paulo. Em todas as ruas foram posicionadas metralhadoras para
“restabelecerem a ordem”.
Se o governo não poderia ter outras forças que aquelas do início do
confronto, agora todo contingente
possível de agrupar-se estavam baseadas na capital. Se os trabalhadores de São
Paulo recebessem apoio do Interior do Estado, ter-se-ia evitado que outras
forças policiais deslocassem de todos os lados da cidade e poderia supor-se,
não que uma Revolução Social eclodisse por completo, mas teria sido uma vitória
considerável dos trabalhadores e seus pedidos seriam cumpridos na integra pelo
governo e pelos industriais.
A COLHEITA GERMINA
Neste momento o proletariado de São Paulo era composto em sua grande
maioria de imigrantes italianos, especialmente no setor têxtil, onde a greve
começou, embora houvesse pequenos focos em pequenas indústrias.
Houve na análise do movimento maus profetas e psicólogos, pois não
compreenderam as classes trabalhadoras, e que a fome transbordou além dos
limites suportáveis, pois as famílias reclamavam unicamente o alimento
indispensável.
Embora o movimento popular de julho de 1917 foi "uma greve pela fome
em vez de uma greve pelo trabalho",
a grande imprensa de São Paulo atribui a greve a influência dos líderes
estrangeiros, principalmente os anarquistas e sua propaganda, mas outros acreditavam
no desencadeamento espontâneo da greve:
“Não negamos a nossa responsabilidade em todos estes movimentos de
trabalhadores. Pelo contrário, estamos orgulhosos disso. Mas é uma
responsabilidade indireta. Por muitos anos, nós nos esforçamos para sair desta
apatia do proletariado, para dar-lhe unidade. O trabalho foi feito em todos os lugares
e parece que agora os primeiros frutos do trabalho amadureceram, embora em
muitas comunidades remotas a propaganda infelizmente não penetrasse com
facilidade”.
Se a crise econômica e os baixos salários e preços excessivos dos produtos
básicos são as principais causas da greve geral de julho de 1917, não se pode negligenciar
a mudança psicológica que ocorreu entre os imigrantes, agora instalados no
Brasil por muitos anos (60% de estrangeiros e 80% dos italianos, chegaram no
Brasil antes de 1905) e, que sabem que não voltarão para seu país de origem e
que assim sendo estão dispostos a defender seus interesses em seu novo país, o
Brasil! Os trabalhadores estrangeiros foram aos poucos se adaptando,
constituindo famílias, alguns conseguiram a nacionalidade brasileira e tendo
perdido a esperança de retornar à sua terra natal, eles começaram a se
preocupar seriamente com seus salários e condições de vida na nova Pátria.
O mês de julho de 1917 marcou a história do movimento social no Brasil. O
movimento resultou em uma vitória, embora parcial, da vontade de trabalhadores,
mas os acontecimentos pós greve vai expor uma derrota inesperada pela ação
direta do governo.
O Estado e patrões não cumpririam as reivindicações assumidas no fervor do
momento das paralisações!
Um mês depois da greve, o aumento de 20% prometido pelos empresários não foi
cumprida. Além disso, no final de julho, pessoas presas durante a greve ainda
não haviam sido libertadas, contrariando os compromissos assumidos pelas
autoridades ao Comitê dos jornalistas:
A conduta das autoridades não podia surpreender a ponto do
Secretário da Justiça desmerecer o pacto do Governo com os trabalhadores e os
jornais não tratarem o caso com o devido merecimento em respeito ao trabalhadores
que ficaram a mercê da retaliação vinda dos industriais, que não cumpririam o
acordo e do governo que promoveria deportação da liderança grevista.
Somente a imprensa anarquista deu ênfase a este momento crucial revivendo a
organização do trabalho, em consequência da greve de julho.
Os grevistas que
lideraram o movimento começaram a ser ameaçados de retaliação por parte das
autoridades policiais, presos, processados e expulsos do Brasil, usando-se para
isso a Lei Adolfo Gordo
que formulava as providências para expulsão de estrangeiros.
Havia no meio dos ativistas alguns infiltrados que se venderam. Deste modo o movimento foi
perdendo sua liderança e até uma falsa carta incriminadora era enviada a membros
da liderança para impedi-los de aparecer em público e serem presos até com
risco de deportação, se fossem estrangeiros. Havia agentes secretos por toda
parte e a repressão recrudesceu.
As perseguições são iminentes e vão acontecendo por todos os redutos que se
possa encontrar a liderança do movimento.
A retaliação começou verdadeiramente a menos de dois meses após a greve
geral. A tipografia onde era impresso o jornal anarquista “A Plebe” foi cercada
pela polícia, bem como o Centro Libertário de São Paulo. Edgard Leuenroth,
acusado de ser o mentor ao ataque em 11 de junho ao Moinho Santista durante a
greve geral, sendo aprisionado, e muitos ativistas são espancados ou aprisionados
e ameaçados com a deportação.
Nove pessoas foram deportadas a bordo do navio "Curvello" em rota para a Europa, e 15 outros são investigadas, entre eles, Gigi (Luigi)
Damiani,
que a nova equipe de elaboração do jornal “A Guerra Social” lamenta a ausência:
“Estamos perdendo, é verdade, a ajuda de Gigi Damiani procurado com ordem
de expulsão do país e que se refugia no interior do estado, vítima de uma
perseguição implacável”.
Damiani sabendo que estava sendo procurado refugia-se em local ignorado e
em 3 de setembro de 1917 vê através do
jornal “O Combate”, que ele está ameaçado de expulsão do território nacional. A
justiça o procura até 15 de setembro. O advogado Evaristo de Morais, em 29 de
outubro de 1917, entra com um pedido de habeas corpus em seu nome. Para
demonstrar a ilegalidade da expulsão de Damiani, o advogado baseou-se na
Constituição Federal que promulgava a não expulsão a quem tivesse residência
fixa por mais de dois anos, demonstrando que Damiani possuía uma propriedade no
Estado do Paraná, onde participou da implantação da Colônia Cecília, fundada por Giovanni
Rossi, pagando os impostos, e que permaneceu neste local até 1912 residindo em
uma propriedade de um “bem conhecido capitalista, que nem se pode ter suspeita
de ter ideias contrárias à ordem pública", possuindo também uma carta de
apresentação de uma das empresas Matarazzo "também acima de suspeita”. Ele
contava ainda com várias ocupações profissionais, que no final do ano de 1913,
exerceu sua profissão de decorador para a Câmara Municipal de Poços de Caldas e
a Companhia Teatral de Jundiaí, em fevereiro de 1914. Finalmente, o advogado
denunciou a perseguição a seu cliente, que era membro da comissão de trabalho e
que integrou sim a greve de julho de 1917, acusando o governo de ter quebrado sua palavra de não abrir processo contra os
grevistas.
Em contraste, ao habeas corpus pedido ao mesmo tempo para Gigi Damiani, foi
concedido sem demora ao chapeleiro José Sarmento Marques, ex-empregado da
Estrada de Ferro Central, responsável pelo jornal “O Baluarte”, já possuindo
sentença em Portugal, e que havia sido colocado junto com outros a bordo do navio
Curvello. Neste caso específico havia a alegação que após a decisão do Supremo
Tribunal Federal não se podia expulsar uma pessoa que havia completado um
serviço público (José Sarmento Marques havia trabalhado em ferrovias
brasileiras) e que estava de posse de um cartão de eleitor do Brasil.
EXPULSÕES DO ANO DE
1917
Muitos outros ativistas foram ameaçados de expulsão em retaliação a greve
de 1917. Os registros são muito semelhantes entre si e denotam a procura de um
pretexto para justificar a expulsão. Este pretexto encontrou-se rapidamente em
todos os casos, usando um modelo padrão, onde o acusado admitisse ter
participado da greve de 1917 e expressasse ser um anarquista ou socialista. Se
alguém se expressasse ser socialista havia certa confusão com o testemunho dos interrogatórios daqueles que
se pronunciassem como anarquista. Deste modo as autoridades buscava concluir um
dossiê que foi
criado pela justiça brasileira para estes casos específicos. (Neste momento ambos
grupos possuíam os mesmos ideais, embora diferenciassem em suas ideologias,
separando suas convicções somente a partir da década de 1920).
As armas mais utilizadas pela repressão do Estado brasileiro,
no período pós greve de 1917, foi a expulsão sumária dos militantes
estrangeiros, só diminuindo a partir de 1921. Naquele momento, as lideranças
sindicais e políticas de trabalhadores paulistanos eram na maioria dos casos estrangeiras
e era necessário, por parte do poder, enfraquecer quaisquer focos de futuros movimentos
e torná-los acéfalos.
Os processos de expulsão foram acompanhados de declaração de
estado de sítio, com o fechamento dos comitês, das federações, dos socorros
mútuos, dos
grupos políticos e dos jornais operários.
Este “modus operandi” ocorreu entre 1917 e 1921, como
resposta a um momento de organização da atividade político-sindical.
Mesmo pessoas próximas dos acusados ameaçados de expulsão os oprimiam com os
piores adjetivos circulantes nas ruas como anarquistas reacionários,
incorrigíveis anarquistas, libertários e perigosos, sendo estas expressões
colocadas como parte dos registros para especificar a expulsão do país. Torna-se
verdadeira “caça as bruxas”, no caso, caça aos líderes do movimento grevista!
O caso do colaborador do jornal Avanti!,
Teodoro Monicelli, é o melhor exemplo da incapacidade das autoridades de São
Paulo em acompanhar os casos de expulsões. Com efeito, de acordo com o estabelecido
em 1917, Monicelli conforme o processo deveria ser deportado em 11 de setembro
de 1917, o que não aconteceu. O caso só voltou a
ser analisado, após uma viagem que fez à Itália realizado três anos mais tarde,
onde desejando retornar ao Brasil, foi impedido pelas autoridades brasileiras.
No auge dos acontecimentos, os jornais anarquistas sofrem o contragolpe da
repressão. Edgard Leuenroth foi preso, e Francisco Azevedo Lomônaco passa então a ser responsável pela direção do jornal “A
Plebe” que cessou sua publicação em 30 de outubro de 1917, por força da
repressão violenta afetando a situação financeira do jornal. O jornal “A Guerra
Social” sofreu também uma interrupção de um mês e meio, enquanto Gigi Damiani
foi forçado a se esconder e um novo grupo foi criado para reativar e
organizar o jornal em outubro. Este grupo, que
publicou apenas o jornal número 56, era composto por Francesco Cianci, o
diretor além de João
da Costa Pimenta, Francisco Azevedo, Cleto Trombetti, Francisco Scudelario,
Maria A. Soares e José Cardoso de Almeida. Se esta lista contém muito poucos
nomes italianos, é provavelmente porque os operários brasileiros talvez não
colaborassem até aquele momento para um jornal anarquista pelo pouco
intendimento ideológico de contexto social. Note-se, pela primeira vez na
equipe o nome de uma mulher, Maria A. Soares.
A MULHER E OS ANARQUISTAS ITALIANOS DE SÃO PAULO
As mulheres são efetivamente em menor número no movimento anarquista de
1917 em São Paulo, mas sua importância é considerável no trabalho do momento da
greve, pois representava o maior contingente de mão de obra do setor têxtil. As
italianas em particular são uma parte significativa desta mão de obra operária.
Sua presença no movimento trabalhista está muitas vezes ligada à atividade
cultural. As mulheres participam nas celebrações para a imprensa anarquista,
nas trupes de teatro, quer representando nessas ocasiões, quer idealizando
metas de ação. Sua participação ativa no movimento trabalhista em São Paulo
aparece às vezes nos jornais, como em 1906, quando três mulheres lançam apelo
aos trabalhadores na importância feminina em várias profissões, embora com
maior ênfase na indústria têxtil. O objetivo maior é fomentar o interesse dos
trabalhadores e tirá-los da "apatia dominante” o que os impediu de
interessar-se pela greve geral de 1907 e defenderem interesses de condições
básicas de subsistência da família, direitos e deveres que também pertencem as
mulheres.
MULHERES ORADORAS
As mulheres muitas vezes preferiam o anonimato e apareciam pouco na
imprensa anarquista. Houve alguns nomes que se sobressaíram como Emma Mennocchi (Ballerini?)
Companheira de Gigi Damiani, integrante da
Associazione Femminile, associação de mulheres anarquistas italianas e Matilde Magrassi,
esposa de Luigi Magrassi, ou Ines Betelli e Éster Marucci. Em alguns artigos do
La Battaglia são assinados D. Giannini, ou "Uma jovem liberal". Enfim,
alguns editores podem sentir a falta de nomes femininos no movimento, pois as
mesmas escolhiam pseudônimos por vezes masculinos para serem aceitas sem restrições.
Jornais anarquistas referem-se a Ernestina Lesina,
a Giuseppina Stefani Bertacchi, professora de letras e de pedagogia, que fazia
conferências sobre o tema do feminismo. Isabel Cerruti,
Teresa Rocchi, Teresa Maria Carini.
Era muito raro
que, nos textos que escreviam, mulheres darem seu ponto de vista sobre uma
situação global, como faziamm os editores masculinos. Parece não haver essa conotação em citar os temas: as
mulheres e a guerra, mulheres e o antimilitarismo, mulheres e a religião, o
trabalho das mulheres, entre outros tantos assuntos. De acordo com as palavras
dos editores femininos e masculinos da imprensa anarquista, a mulher é igual ao
homem, mas, ao mesmo tempo, a mulher ainda são consideradas submissas em
relação ao marido, ao filho, ao irmão.
No campo do trabalho, seus direitos são defendidos da mesma forma como os
direitos dos homens, embora os salários não sejam de mesma proporção com atividades
até semelhantes. Todas as reivindicações dos trabalhadores, em especial aqueles
da greve de 1917, destinava-se a aliviar o trabalho das mulheres, proibindo o
trabalho noturno e reduzindo carga horária. A igualdade de gênero deve ser para
todos os humanos, deste modo não haverá mais um motivo para sujeição qualquer de
pessoa. As projeções para o futuro, é este, dignidade de viver em um mundo
melhor!
CONSIDERAÇÕES
Somente em 1º
de maio de 1943 foi assinada pelo
Ministro
do Trabalho, Indústria e Comércio, Alexandre Marcondes Machado Filho, as reformas das relações de trabalho daquilo que era pauta
imediata em 1917 como proibição do trabalho de menores e o pagamento de 50% de
horas extras, itens consagrados com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Reivindicações
pautadas de 1917 só foram concluídas, em partes,
por ironia, pelo autoritarismo do Estado Novo de Getúlio Dorneles Vargas, de
1937 a 1946, na época da Segunda Guerra Mundial ocorrido de 1939 a 1945. Este
conflito foi a continuação do capítulo de Primeira Guerra mal terminada como
ocorrido com a greve geral do movimento operário no Brasil de 1917!
Em 1917 ninguém acreditava, ninguém esperava, desde o
governo como até os líderes do movimento, todo mundo estava convencido de que
nada poderia vir desta amálgama de migração de resíduos, se não a demissão
ou até mesmo covardia.
Os trabalhadores não conseguiram tudo o que queriam, mas
eles tiveram uma grande vitória, não só contra o Estado, não só contra a
indústria, mas especialmente sobre si mesmos.
Espera-se a crítica ou informações que
venham acrescentar valores nesta crônica!
Bibliografia
FELICI, Isabelle. "Os italianos
no movimento anarquista no Brasil, 1890-1920"
Todas as versões deste artigo:francês
SANTOS, Kauan Willian dos. Derrubando Fronteiras: A Construção do Jornal
A Plebe e o Internacionalismo Operário em São Paulo (1917-1920) História e Cultura, Franca, v. 4, n.
1, p. 122-139, mar. 2015.
Lopreato,
Christina Roquette.O Espírito da Revolta: A GREVE Geral de 1917. São Paulo:
ANNABLUME, 2000
FAUSTO, Boris.
Trabalho urbano e conflito social : 1890-1920 2ª - ed. São Paulo: Companhia das
Letras, 2016.
DULLES, John E. F.
Anarchists and Communists in Brazil, 1900-1935. University of Texas Press, 1973
Alves, Paulo.A Verdade da
Repressão: Práticas Penais e Outras Estratégias na Ordem Pública: 1890-1921,
São Paulo: Editora Artes & Ciência/ unip, 1977
GONÇALVES,
Caroline. Alma e Vida: Os Deslocamentos de Ernestina Lesina, O Cotidiano e a
Luta das Mulheres Operárias
Exposição permanente
do Museu da Casa Brasileira, Avenida Brig. Faria Lima, São Paulo, nº 2705
A greve de 1917 possuía a
característica de forte etnicidade, com grande presença de trabalhadores
italianos, imigrantes de uma nação atuante na Primeira Guerra Global. Os
empresários emergentes imigrados no Brasil, como fortes tendências nacionalistas
pró Itália, possuíam interesses envolvidos no conflito e exigiam a contribuição
mensal, por vezes até semanalmente para os comitês paulistanos que arrecadavam
verbas para o Estado italiano, agravando condições precárias de vida e de
trabalho desse momento conflitante na Europa, mas que afetava o trabalhador
deste período e criando insatisfação dos operários destas empresas.
“A
notícia da morte de um operário, assassinado nas imediações de uma fábrica de
tecidos do Brás, divulgou-se como um desafio à dignidade do proletariado.
Caracterizou-se como um violento impacto emocional sacudindo todas as energias.
O enterro dessa vitima da reação foi uma das mais impressionantes demonstrações
populares até então verificadas em São Paulo. Partindo o feretro da Rua Caetano
Pinto, no Brás, estendeu-se o cortejo, como um oceano humano, por toda a
avenida Rangel Pestana até a então Ladeira do Carmo em caminho da Cidade, sob
um silencio impressionante, que assumiu o aspecto de uma advertencia. Foram
percorridas as principais ruas do centro. Debalde a Policia cercava os
encontros de ruas. A multidão ia rompendo todos os cordões, prosseguindo sua
impetuosa marca até o cemitério. À beira da sepultura revezaram os oradores, em
indignadas manifestações de repulsa à reação. No regresso do cemitério,
uma parte da multidão reuniu-se em comicio na Praça da Sé; a outra parte desceu
para o Brás, até à rua Caetano Pinto, onde, em frente à casa da familia do
operario assassinado, foi realizado outro comicio. Sem que se possa precisar
detalhes, verificou-se uma agitação entre a multidão estacionada nas imediações
da avenida Rangel Pestana. Havia sido assaltada uma carrocinha de pão. Essa
ocorrencia teve o efeito da chispa lançada ao rastilho de polvora. Parece ter
servido ela de exemplo e estimulo para que a mesma ação fosse praticada em
muitas partes da cidade. Feito que aconteceu com rapidez fulminante, como se um
veiculo de comunicação de excepcional capacidade pusesse em contato todo o
elemento popular paulistano. As fábricas e oficinas esvaziavam-se, enquanto as
ruas se povoavam de multidões, movimentando-se agitadas em todos os sentidos.”
(Fragmento, conforme original publicado, da carta de Edgard Leunroth enviada ao
jornal O Estado de São Paulo que havia sido citado em matéria de 2
de junho de 1917 como responsável pelo início das manifestações de greve)
Originalmente o Fanfulla era um jornal editado por italianos,
predominantemente em língua italiana, com a sua distribuição principalmente na
cidade de São Paulo. O FANFULLA começou a circular a partir de 1893 recebendo
outras denominações ao longo do tempo. O jornal impresso deixou de circular em
2014 e é apresentado em portal eletrônico www.jornalfanfulla.com
Diversas categorias cruzaram os braços em solidariedade as greves de julho de
1917, a saber: marceneiros, pedreiros, tecelões, sapateiros, costureiras,
cozinheiras, chapeleiros e outras tantas que colaboraram no processo
reivindicatório contribuindo com propostas. Desse momento surgiu o Comitê de
Defesa Proletária, CPD, para articulações em prol dos trabalhadores, tendo em
suas fileiras os anarquistas Edgard Leunroth e Gigi Damiani.
Idealizou também em 1912 a primeira vila operária do Brasil, a Vila
Operária Maria Zélia.
Providencia sobre a expulsão de estrangeiros do territorio nacional.
O Presidente da Republica dos Estados Unidos do
Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional
decretou e eu sancciono a seguinte resolução :
Art. 1º O estrangeiro que, por qualquer motivo,
comprometter a segurança nacional ou a tranquillidade publica, póde ser expulso
de parte ou de todo o territorio nacional.
Art. 2º São tambem causas bastantes para a
expulsão:
1ª, a condemnação ou processo pelos tribunaes
estrangeiros por crimes ou delictos de natureza commum;
2ª, duas condemnações, pelo menos, pelos
tribunaes brazileiros, por crimes ou delictos de natureza commum;
3ª, a vagabundagem, a mendicidade e o lenocinio
competentemente verificados.
Art. 3º Não póde ser expulso o estrangeiro
que residir no territorio da Republica por dous annos continuos, ou por menos tempo,
quando:
|
a)
|
casado
com brazileira;
|
|
b)
|
viuvo
com filho brazileiro.
|
Art. 4º O Poder Executivo póde impedir a entrada no territorio da
Republica a todo estrangeiro cujos antecedentes autorizem incluil-o entre
aquelles a que se referem os arts. 1º e 2º.
Paragrapho unico. A entrada não póde ser vedada
ao estrangeiro nas condições do art. 3º, si tiver se retirado da Republica
temporariamente.
Art. 5º A expulsão será individual e em
fórma de acto, que será expedido pelo Ministro da Justiça e Negocios
Interiores.
Art. 6º O Poder Executivo dará annualmente conta
ao Congresso da execução da presente lei, remettendo-lhe os nomes de cada um
dos expulsos, com a indicação de sua nacionalidade, e relatando igualmente os
casos em que deixou de attender á requisição das autoridades estadoaes e os
motivos da recusa.
Art. 7º O Poder Executivo fará notificar em
nota official ao estrangeiro que resolver expulsar, os motivos da deliberação,
concedendo-lhe o prazo de tres a trinta dias para se retirar, e podendo, como
medida de segurança publica, ordenar a sua detenção até o momento da partida.
Art. 8º Dentro do prazo que fôr concedido,
póde o estrangeiro recorrer para o proprio Poder que ordenou a expulsão, si
ella se fundou na disposição do art. 1º, ou para o Poder Judiciario Federal,
quando proceder do disposto no art. 2º. Sómente neste ultimo caso o recurso
terá effeito suspensivo.
Paragrapho unico. O recurso ao Poder Judiciario
Federal consistirá na justificação da falsidade do motivo allegado, feita
perante o juizo seccional, com audiencia do ministerio publico.
Art. 9º O estrangeiro que regressar ao
territorio de onde tiver sido expulso será punido com a pena de um a tres annos
de prisão, em processo preparado e julgado pelo juiz seccional e, depois de
cumprida a pena, novamente expulso.
Art. 10º. O Poder Executivo póde revogar a
expulsão, si cessarem as causas que a determinaram.
Art. 11º. Revogam-se as disposições em
contrario.
Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1907, 19º da
Republica.
AFFONSO AUGUSTO MOREIRA PENNA.
Augusto Tavares de Lyra.
Este texto não substitui o original publicado no Diário Official de
09/01/1907
Publicação: Diário Official - 9/1/1907, Página 194 (Publicação Original)
Edgard Frederico Leuenroth nasceu em Mogi Mirim, São Paulo, em 31 de outubro de
1881, filho do imigrante austríaco e farmacêutico Valdemar Eugênio Leuenroth e
de Amélia de Oliveira Brito. Utilizou pseudônimos como Demócrito, Frederico
Brito, Palmiro Leão, Len e Leão Vermelho. Perdeu o pai aos cinco anos de idade,
mudando-se para a cidade de São Paulo com a família, instalando-se no bairro do
Brás. Aos 15 anos tornou-se tirador de provas do jornal O Comércio de São
Paulo. Em setembro de 1887 concluiu seu primeiro periódico, o jornal “O Boi”,
em pequena tipografia que comprara. Em 1899, lançou “A Folha do Brás”, que
circulou até 1901. Nas páginas do jornal, fazia a denúncia da politicagem e da
“falsidade do voto”. Começava deste modo sua atividade pelos direitos básicos
do trabalhador.
O problema fundamental era o da
naturalização, onde os grupos italianos de socorro mútuo e os republicanos
italianos de São Paulo queriam que o governo italiano permitisse a obtenção da
dupla cidadania possibilitando, desta forma, a participação dos imigrantes
italianos nas eleições. As respostas foram sempre negativas. Foram obrigados a
optar pela naturalização adquirindo a cidadania brasileira e contribuindo,
desta forma, para as eleições na política brasileira.
Sociedade de socorro mútuo é uma associação de caráter
não-lucrativo, formada voluntariamente com o objetivo de prover auxílio a seus
membros, em caso de necessidade, baseado no mutualismo. Junto com as
corporações de ofício, teria dado origem aos sindicatos.
Os processos de expulsão de
imigrantes italianos, a partir dos documentos do Ministério da Justiça e
Negócios Interiores depositados no Arquivo Nacional (Rio de Janeiro), no
período 1917-1921 consta que houve proporcionalmente mais expulsões neste tempo
(40) que os 10 anos anteriores, 1907-1916 (86), com picos em 1917 e 1919. Do
ponto de vista das lideranças sindicais e políticas, no período anterior a 1916
destaca-se somente a expulsão do socialista Vincenzo Vacirca, diretor do Avanti!, em 1908, ainda que
se tentou expulsar o secretário da Federação Operária de São Paulo, Giulio
Sorelli e os redatores do jornal anarquista La
Battaglia. Depois de 1917, ao contrário, os líderes socialistas,
anarquistas e sindicalistas de origem italiana em São Paulo, foram dizimados.
Segundo o Anuário Estatístico
do Brasil, Ano V, citado por Sheldon Leslie Maram, op. cit., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p.
43, somente no quinquênio 1917-1921 houve 205 expulsões de estrangeiros do
Brasil (36,8% do total), enquanto nos 10 anos precedentes foram 351. Segundo
esta fonte, as porcentagens não mudam para o caso específico dos italianos (79
expulsões entre 1907 e 1916 e 42 - 34,7% do total dos italianos expulsos –,
entre 1916 e 1921). https://nuevomundo.revues.org/3720
Ernestina
Lesina, anarquista, dedicada à defesa das mulheres operárias do começo do
século, foi uma das fundadoras do jornal operário “Anima Vita” em São Paulo. Foi
brilhante oradora em manifestações de trabalhadores, defendendo a emancipação
das mulheres e da classe operária. Participou da formação da Associação de
Costureiras de Sacos, em 1906, lutando pela redução da jornada de trabalho e
pela organização sindical. As mulheres
trabalhadoras tiveram papel decisivo na greve geral 1917, denunciando
maus-tratos e exploração, sobretudo das costureiras e têxteis.
Isabel
Cerruti veio bem jovem ao Brasil, e, interessada desde cedo
pelas ideais anarquistas, participou
intensamente e de forma duradoura do movimento libertário Isabel escreveu
em jornais anarquistas, proferiu conferências, falava em comícios públicos,
de comemoração e protesto, e tomou parte no Centro Educativo Feminino
e na Liga Feminina Internacional. Colaborou na imprensa anarquista,
em periódicos como “A Plebe”, com
seu próprio nome e com os pseudônimos Isa, Ruti e Isabel Silva.
Teresa Maria Carini (1863-1951): Ativista
política, natural da Itália, veio para o Brasil em 1890, fixando-se em São
Paulo (SP), onde se participou na luta dos trabalhadores, o movimento anarquista
e a defesa da emancipação feminina. Elaborou o Manifesto às Trabalhadoras de
São Paulo, publicado no jornal anarquista “A Terra Livre”, incentivando as
costureiras a denunciarem as condições degradantes de vida, as longas jornadas
de trabalho e os baixos salários.