Crônica
original no site São Paulo Minha Cidade, Secret. Cultura Municipal em 18/10/2011
As
coisas não eram conseguidas com grande facilidade, afinal o país era
essencialmente agrícola, todo mundo plantava alguma coisa antes do advento das
indústrias de transformação em São Paulo. Tudo era conseguido com muita
dificuldade, e sempre tínhamos que nos contentar com o mínimo necessário de
subsistência da prole, que não era, na maioria das vezes, pequena.
Todos
trabalhavam com alguma atividade do campo, embora estivéssemos próximos à
capital paulista, tudo parecia direcionado para uma agricultura diversificada
de sustentação, ofertada pelas benesses do solo. Possuíamos o essencial para a
subsistência: umas vagens estendidas em taquaral em "xis" pendiam
seus ramos, alguns legumes, tomates avermelhados fáceis de cultivar, e uma
criação pequena de galinhas, patos, leitões, que uma vez ou outra
"enfeitava" um panelaço de uma grandiosa refeição, coisa de festa
domingueira.
Em
pequenos pés de café, amadureciam as "sementes cerejas" que a
criançada adorava degustar como balas quando o fruto estava avermelhado e meio
adocicado. Eram recolhidos em cestos e levados para secar e torrar, em uma
panela que rodava no fogo a lenha constantemente para não "tostar" no
fundo, para não ficar "amargo", essência que dava um aroma especial e
perfumava o ambiente.
Os
armazéns de abastecimento, por sua vez, possuíam baias feitas de tábuas de
madeira, onde eram depositados os produtos a granel, como açúcar cristal,
arroz, feijão, farinha, milho e quirela, estes últimos serviam de alimentação
para a criação. E também bolos e polentas amarelinhas, e algumas espigas eram
adquiridas por troca ou venda, por quem não havia providenciado uma
"carreira de milharal" em suas hortas, modelo frequentemente usado
pela escassez do dinheiro, por isso havia pequenos escambos entre os moradores
locais.
As
gorduras vinham das barrigadas das leitoas, abatidas depois de intermináveis
crias paridas nos chiqueiros. Estes eram abastecidos com parte de abóboras,
legumes, melancias, os suínos possuíam grande apetite e tudo que encontravam
pela frente era devorado, e de tempos em tempos era necessário lavar os
estábulos, para evitar o odor desagradável, principalmente em tempo de calor.
Com
o advento das primeiras indústrias a banha da barrigada dos suínos (que não se
sabia em que nível elevava o colesterol, às vezes era consumida "in
natura" com o sal grosso da conservação) foi substituída pela banha
Matarazzo, embrulhada em um papel oleado, em um cubo, como um tijolo pequeno,
vendida no "empório" do Pedro Ferreira, atualmente o local é um posto
de gasolina em frente ao Centro Empresarial de São Paulo e o hipermercado que
surgiu para "exterminar" aos poucos as pequenas mercearias desse
intercambio pessoal vendedor-comprador se misturavam a todo tipo de sacarias
repletas de produtos da roça, onde a venda era na maioria das vezes composta
por batatas e cebolas, abundantes na região. Muitos mercadores não suportaram a
concorrência destes investimentos aportados das grandes lojas de departamentos
e dos grandes mercados e sucumbiram, beirando a falência.
Tudo chegava atrelado em carroças, no "lombo dos burros" que possuíam a velocidade que merecia o seu trote, não a velocidade requerida pelo seu dono!
As frutas eram recolhidas e até ofertadas de tanta fartura, onde no final do ano pendiam dos pés, as primeiras mangas que alimentavam humanos e animais e caiam no chão forrando o terreiro. Um dia destes "tropiquei" na feira em uma "seriguela", vendida embalada em saco plástico, pensei que jamais fosse ver este fruto que as sementes serviam para as estilingadas no meio das matas. Se os pássaros comiam, comeríamos também, era uma teoria repassada sem muita confirmação científica, o que valia era empanturrar de "frutas selvagens".
Tudo chegava atrelado em carroças, no "lombo dos burros" que possuíam a velocidade que merecia o seu trote, não a velocidade requerida pelo seu dono!
As frutas eram recolhidas e até ofertadas de tanta fartura, onde no final do ano pendiam dos pés, as primeiras mangas que alimentavam humanos e animais e caiam no chão forrando o terreiro. Um dia destes "tropiquei" na feira em uma "seriguela", vendida embalada em saco plástico, pensei que jamais fosse ver este fruto que as sementes serviam para as estilingadas no meio das matas. Se os pássaros comiam, comeríamos também, era uma teoria repassada sem muita confirmação científica, o que valia era empanturrar de "frutas selvagens".
Na
horta de casa havia um pé de amoras que "forrava" na estação, repleta
de generosidade que não tinha fim, mas havia finalidade. Todos retiravam o
fruto, havia até quem "fabricava" geleia, que era o recheio de uma
broa de casca grossa cozida em uma cúpula com abóboda, que chamavam de forno, e
que servia para os assados gerais e para as pururucas dos couros das leitoas.
Mandioca
era provento para as farinhas junto com o milho, socado por cacetadas
constantes dos pilões, que deixavam braços moídos, não havia mecanismo
engrenado, era tudo no porrete. Ate a água era a granel,
"ensarilhada" dos poços dos "veios de água" puxado por um
sarilho de madeira para a rotação, que quando escapava até zunia e caiamos de
lado esperando somente o "baque do balde" no fundo para recuperar os
movimentos.
O "industrial artesanal" fabricava sabão em pedra, deixando ferver em fogo brando por horas uma gordura de restos que se misturavam soda em mexidas constantes e que depois eram derramadas em caixotes e cortados em barras menores. A roupa ficava branquinha com o uso da pedra de anil nos tanques ou em pequenas minas d'água, quaradas em grama natural, que depois preparados por um ferro em brasas eram engomados todos os colarinhos das "camisas de missa", que, aliás, não eram muitas, e eram guardadas para o evento dominical.
O "industrial artesanal" fabricava sabão em pedra, deixando ferver em fogo brando por horas uma gordura de restos que se misturavam soda em mexidas constantes e que depois eram derramadas em caixotes e cortados em barras menores. A roupa ficava branquinha com o uso da pedra de anil nos tanques ou em pequenas minas d'água, quaradas em grama natural, que depois preparados por um ferro em brasas eram engomados todos os colarinhos das "camisas de missa", que, aliás, não eram muitas, e eram guardadas para o evento dominical.
Sapato
era artigo de luxo, os japoneses inventaram as "havaianas de capim"
que depois a Alpargatas abocanhou a ideia e deste produto e o mercado a chamou
de “Alpargatas Rodas”, acredito que foi pelo movimento circular da corda do
solado e o complemento do calçado era de pano "cor de burro quando
foge", com dizia o povo que usava.
Havia
quem vendesse leite de vacas e de cabras, falavam que o das cabras era remédio,
não entendia o que curava, somente era obrigado a beber e "ponto
final". Inventaram o refrigerante Cerejinha, mais barato que o "guaraná
champagne", depois a tubaína, e "dávamos a vida" para
consumi-los no lugar dos sucos das frutas, chamados hoje de sucos naturais.
Nós éramos crianças, não se falava que as coisas faziam mal, e nem sabíamos diferenciar as qualidades terapêuticas.
Nós éramos crianças, não se falava que as coisas faziam mal, e nem sabíamos diferenciar as qualidades terapêuticas.
A
balança mecânica "Filizzola" era o controle dos pesos dos produtos
comercializados, daquilo que um dia a eletrônica mandaria para os museus,
"lugar das coisas belas", das “Musas”.
Até
pouco tempo a senhora Rosa e o senhor Agostinho, feirantes na região de Santo
Amaro, possuíam algumas vacas, mas o progresso e o serviço de vigilância
sanitária obrigaram o final das atividades. Hoje ainda vendem parte do que
plantam, com licença de feirante datada de 1959, não sei qual é a fonte da
juventude octogenária desses dois símbolos das duas feiras semanais do Jardim
São Luiz, em Santo Amaro. Quiseram acabar de uma hora para outra, sem muita
explicação razoável com a atividade depois de destruírem a Cobertura do Feirão,
que fora construída, em 1968, para ser entreposto sem atrapalhar a circulação
de ruas paulistanas; os dois assumiram a luta para a sua preservação e
conseguiram sua permanência, e ali continuam ainda na lida diária.
Depois inventaram uma bomba fixada em tambor de 180 litros para vender óleo de amendoim ou de algodão; soja era coisa que ninguém queria, aliás, nem se sabia o que era. A coisa estava ficando moderna e uma máquina "apareceu" moendo café, que saía mais barato do que manter alguns pés para uso familiar, o que acabava com as nossas balas naturais, mas já apareciam as "toffees" da Fábrica de Doces “Bela Vista”, seguida pela sua concorrente “Confiança”. Substituíram também os pirulitos açucarados, vendidos em um tabuleiro furado, ou dos doces mais sofisticados, que eram caros para nosso poder aquisitivo, que era nulo. Era isso o que pensávamos do produto bem embaladinho que o vendedor passava a bater uma tramela e dizendo: "Olha o Biju"!
Depois inventaram uma bomba fixada em tambor de 180 litros para vender óleo de amendoim ou de algodão; soja era coisa que ninguém queria, aliás, nem se sabia o que era. A coisa estava ficando moderna e uma máquina "apareceu" moendo café, que saía mais barato do que manter alguns pés para uso familiar, o que acabava com as nossas balas naturais, mas já apareciam as "toffees" da Fábrica de Doces “Bela Vista”, seguida pela sua concorrente “Confiança”. Substituíram também os pirulitos açucarados, vendidos em um tabuleiro furado, ou dos doces mais sofisticados, que eram caros para nosso poder aquisitivo, que era nulo. Era isso o que pensávamos do produto bem embaladinho que o vendedor passava a bater uma tramela e dizendo: "Olha o Biju"!
Chocolate
era artigo de luxo, e ganhar um "Diamante Negro", da Lacta, fábrica
demolida há pouco na Avenida Vereador José Diniz, era um "regalo"
cobiçado.
O
leite tornou-se pasteurizado, não tinha mais o "perigo do leite cru"
das vacas e cabras, e que foi disputado pela Paulista e Vigor engarrafando o
leite em litros de vidro “gordinhos", para diferenciar das garrafas
"envasilhadas" pelos produtores artesanais. Depois começaram a
ensacar tudo em plástico: arroz, feijão e farinha. O açúcar ficou refinado com
a Pérola e a União, e o pó de café modernizou-se com embalagem a vácuo.
Seu Antônio Oliveira dono de armazém, que muito vendeu na caderneta, acabou com as baias, os regadores de plantas não pendiam mais no armazém do Abraão, não se salgava mais a carne, ela se tornou refrigerada em câmaras frigorificas.
Seu Antônio Oliveira dono de armazém, que muito vendeu na caderneta, acabou com as baias, os regadores de plantas não pendiam mais no armazém do Abraão, não se salgava mais a carne, ela se tornou refrigerada em câmaras frigorificas.
Diziam
que isso se chamava "progresso" e nós ficamos dependentes do controle
da bolsa de valores e de mercadorias, e a tal de "intempérie",
controlada por São Pedro lá do céu, aumentando o valor dos preços pela oferta e
procura, e deste modo mudamos também e aceitamos o novo sistema de adquirir até
o que não necessitávamos na antiga cidade rural de São Paulo. O gás foi
engarrafado e distribuído em cotas para alimentar os fornos modernos em
substituição aos de lenha que "enfumaçavam” as panelas de ferro, a Light
"chegou" e tudo passou a ser elétrico, até as nossas vidas tornaram-se
fluídas!