As guerreiras sobrevivem para sempre!
Hoje faz dois anos que uma das pioneiras do bairro Jardim
São Luiz, região de Santo Amaro, em São Paulo, Elza dos Santos Fatorelli,
partiu.
Poderíamos dizer que a saudade ficou, mas acredito que
mais que tudo ficou o exemplo. Na década de 1950 só a garra de mulheres e
homens conseguiriam lutar para construir o bairro Jardim São Luiz, uns morador
aqui outro ali, casinhas de gente como a gente. Não havia nada, absolutamente
nada, nenhum mercado, nenhuma farmácia, nem ônibus e se quisesse transporte
teria que ir até onde hoje é o Terminal João Dias,
muito barro para amassar, mata fechada, cobras para todos os lugares, mas era
ali que íamos viver e lutar.
Toda mãe tem grande parcela na formação dos filhos e não
podem deixar a “peteca cair”. O dinheiro era pouco, não circulava com tanta
facilidade e os parcos recursos tinham que sustentar a casa de mês a mês e
tinha que dar para o gasto. Em muitas casas haviam hortas para plantas
diversas, verduras, legumes, alguma fruta e era tudo orgânico não havia veneno
e tudo estercado com restos de talos de tudo que não virava alimento.
Quem era a cozinheira? Toda santa mãe, não havia
enlatados disso e daquilo, era tudo na raça, cozer todas sabiam e coser as
roupas também sabiam. O pai estava na labuta diária e a Ministra da Economia
era a mãe e fora isso tinha que trazer água no sarilho, 35 metros cavados bem
fundo na terra, encher as tinas e os baldes que eram os chuveiros pendurados
numa roldana e de água fria fizesse calor ou frio, os braços dela tinham
músculos, eram toras de força, era sua academia diária...
A mãe não batia cartão em empresas, mas trabalhava desde
quando o sol nascia até quando ele descansava no horizonte e a noite ainda
fazia o preparo do jantar e acendia as lamparinas de querosene ao redor da
casa, luz elétrica nem pensar.
Nunca vi minha mãe reclamar de trabalho e pela manhã
fazia o café bem cedinho, fumegante exalando o aroma pela madrugada, para meu
pai sair pedalando pela vida indo de bicicleta pelas margens do Rio Pinheiros
trabalhar no centro de São Paulo. Depois me preparava para ir para a escola e
dizia que era “para eu ser gente”, não sei se consegui, mas se não, não foi
culpa de minha mãe.
Quando meu pai “foi para o Céu” ela assumiu o papel de
homem também e era forte, firme, eu que o diga das pancadas que tomei e nenhuma
foi perdida e ainda era uma administradora de primeira, uma advogada sem
diploma, um rábula.
Domingo era sagrado, todos se arrumavam para ir à missa
agradecer a Deus o pouco que tinham, e mesmo pouco, tínhamos um lar, se não tão bonito
quanto os de hoje era um barracão de madeira muito bem feito e aconchegante.
Era também o dia de festa e de um prato especial saído das criações costumeiras do
terreiro da casa, frangos, galinhas, patos, leitões, alguém iria para panela
fervente.
Enfim era assim minha mãe, nunca vi um lamento, nada que
ela transmitisse fraqueza e foi o braço direito de meu pai e minha maior
Educadora, uma rocha inquebrantável.
Muita coisa poderia ser falada, mas acho que isso recorda
um pouco de sua imagem, deixou frutos... sua benção, descanse em paz mãe!