A PERIFERIA DE SÃO PAULO NÃO POSSUI
MONUMENTO SOBRE SUA ORIGEM!
Há de se notar que em muitos dos recantos longínquos do país onde foram
idealizados bairros por deslocamento de população não há um marco referente
aquele lugar, o local nasce de um “parto forçado, sem história e sem rosto”.
Santo Amaro, em São Paulo talvez seja um dos poucos bairros da cidade de
São Paulo que graças ao artista Julio Guerra possui muitas obras em referência
ao lugar em que o artista nasceu e morou.
De resto, há poucos bairros que podem se beneficiar desses marcos
histórico que deveriam ser “pedras fundamentais” do início de quaisquer
epopéias populares de migração.
Há grande dificuldade de existirem esses pontos marcantes para confirmar
o lugar na metrópole de São Paulo, transformada a cada instante com destruições
constantes de antigos redutos onde se uniram famílias de regiões diferentes e
que criaram uma identidade, mas sem o reconhecimento das autoridades vigentes.
Torna-se um “local” em que as pessoas não possuem passado, ou pelo menos
não aparece explicitamente, e o futuro está à mercê da vontade das benesses do
Estado que não fornece perspectivas de um futuro.
DOIS EXPOENTES DA
HISTÓRIA REUNIDOS NO JARDIM SÃO LUIZ
Talvez a percepção do sagrado, ou a luta ardua
contra o “regime de exceção”, ou quem sabe a arte em si uniu dois polos que se
completavam nas ideias de buscar soluções para as causas sociais tanto na
Argentina quanto no Brasil: o argentino León Ferrari e o brasileiro Alceu Amoroso Lima
De um lado León Ferrari, nasceu na Argentina, Buenos
Aires a 3 de setembro de 1920 tendo
seu passamento em 25 de julho de 2013 em
sua cidade-natal. Formou-se engenheiro sabendo utilizar e conhecendo a
propriedade cada material. trabalhando com metal trefilado, com cimento, com
madeira enfim uma gama de materiais nas oficinas onde passou como Roma, Milão,
São Paulo, e logicamente m Buenos Aires em sua oficina na rua Reconquista. Foi
um artista completo. Sua arte
começou em 1954, criando algumas esculturas de cerâmica. Em 1955, trabalhou com
diferentes materiais: fios de cerâmica, gesso, cimento, madeira e aço em suas
mais variadas formas. Em 2007, ele foi eleito o melhor artista na 52ª edição da
Arte Internacional da Bienal de Veneza, sendo premiado com o "Leão de
ouro" e considerado pelo New York Times como um dos cinco artistas mais
importantes no mundo. Um de seus três filhos desapareceu devido a
repressão do regime militar imposto na Argentina partir de 1976.
Do
outro lado
Alceu Amoroso Lima nascido
na cidade do
Rio de Janeiro, no
dia 11 de dezembro de 1893. Formado em direito pela Faculdade do Rio de Janeiro
em 1913.Como crítico de “O Jornal” em 1919, adota o pseudônimo Tristão de
Ataíde. Influenciado por Jackson de Figueiredo, Alceu converte-se ao
catolicismo em 1928, tornando-se uma das influências católicas do Brasil. O
crítico literário, professor, pensador, escritor de várias obras, publicando
dezenas de livros e intensa atividade intelectual. Alceu teve uma grande
produção jornalística em sua trajetória profissional destacando-se imensamente
no combate ao regime militar no Brasil. Faleceu em 14 de agosto de 1983 na
cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro.
A
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS TANTO NA ARGENTINA COMO NO BRASIL
León
Ferrari viveu no Brasil, estabelecendo-se em São Paulo de 1976 a 1991 onde se
exiliou durante a ditadura militar Argentina nos anos críticos do regime. Neste
período retomou
seu trabalho em esculturas de metal nascendo deste modo sua obra em homenagem a
Alceu Amoroso Lima. Em 1982 com a distensão do regime militar pode
viajar para a Argentina, regressando definitivamente ao seu país em 1991.
León Ferrari sintetizou
o momento entre seu trabalho e a repressão na Argentina:
“Eu não sei nada a nível expressivo que
tem a força da repressão na Argentina”.
Seu amigo Alceu Amoroso Lima a quem León Ferrari dedicou a obra “Homenagem a Alceu Amoroso Lima” em outras palavras expressou seu
sentimento da repressão no Brasil:
“A liberdade
não deve ser apenas um fim a atingir, mas ainda, um método de ação”.
Marco aos Desaparecidos no Regime Militar - Monumento delapidado atualmente
O legado de ambos foi
lutar sempre contra ditaduras impostas na America Latina com
convicções firmes demonstraram seu apreço pelas liberdades humanas,
independente de seus credos e usaram suas forças mesmo na fragilidade humana
impondo realidades dos acontecimentos sombrios na busca das liberdades dos
povos.
UM MARCO IMPORTANTE QUE NÃO EXISTE MAIS NO JARDIM SÃO LUIZ: A ESCULTURA EM “HOMENAGEM
A ALCEU AMOROSO LIMA”
Fotos acima: crédito Clarindo Alves Pereira (Katito Alves)
Foto atual da Praça Alceu Amoroso Lima em comparação com as antigas fotos no mesmo espaço
A escultura “Homenagem
a Alceu Amoroso Lima” foi originalmente instalada em uma praça na
entrada do Bairro do Jardim São Luiz no cruzamento com a Avenida João Dias, em
1983 e era formada por 59 tubos metálicos de 6 metros de altura cada uma com
cores variadas em tons claros. Em 1990 a prefeitura alegando a necessidade de precisou
remoção da obra para a construção nova ponte no local removeu as peças para seu
depósito de materiais e a escultura jamais retornou ao local de origem.
A "PRAÇA ALCEU DE AMOROSO LIMA" FOI TOTALMENTE DESFIGURADA
Como
tantas obras peregrinas de São Paulo, estava fadada a ser um que cairia no
esquecimento ate que a arquiteta Anna Ferrari neta de León Ferrari
“redescobriu” a obra de seu avô e a trouxe ao lume, participando ativamente do
processo de reconstrução. Recuperou-se o projeto original da escultura com as cores
utilizada pelo artista na concepção do projeto, na década de 1980. O próprio
León Ferrari, assistido pela neta Anna, participou ativamente da reconstrução
da obra “escondida nos galpões municipais”.
Alceu Amoroso Lima Filho e este missivista na (re)inauguração da obra de León Ferrari
Em 25 de setembro de
2009 a escultura “Homenagem
a Alceu Amoroso Lima” foi definitivamente instalada com presença de
familiares e autoridades
no jardim da Biblioteca Alceu Amoroso Lima, situada à rua Henrique Schaumann, próximo da praça
Benedito Calixto.
Hoje há ainda a Praça
Alceu Amoroso Lima, desfigurada e esquecida, recortada pelo “progresso” de vias
que se comunicam no espaço com veículos circulando velozmente e de gente que
não se comunica na arte de León Ferrari e nas linhas escritas que representa a
Praça Alceu de Amoroso Lima, só desliza a Linha 5 do metrô paulistano.
Referências:
Revista Brasileira do
Aço - Ano 18 - Edição 116 - Outubro de 2009
Centro Alceu Amoroso Lima Para a Liberdade - Caall
Fundación Augusto y León Ferrari Arte y Acervo
Biblioteca Alceu de Amoroso Lima: Rua Henrique Schaumann, 777; Pinheiros, São Paulo, SP
ALCEU AMOROSO LIMA: uma vida dedicada ao
trabalho
Foi eleito para a cadeira 40 da
Academia Brasileira de Letras em 29 de agosto de 1935. Foi catedrático de
literatura brasileira na Faculdade Nacional de Filosofia, um dos fundadores da
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e diretor de assuntos
culturais da Organização dos Estados Americanos. Foi responsável por ministrar
cursos sobre civilização brasileira em muitas universidades no exterior,
inclusive na Sorbonne e nos Estados Unidos.
Foi exatamente no Brasil da ditadura militar que
Alceu, tomando a necessidade da denúncia como missão cristã, consolidou sua
renovada imagem de católico liberal. Nas colunas assinadas em jornal, em
entrevistas e como professor universitário pediu o fim da censura, a volta das
eleições livres, anistia para opositores e o retorno dos exilados pelo regime.
Publicou artigos de
muita coragem contra o regime militar como exemplo:
“Há neste momento, no
Brasil, sem que sequer se possa citar-lhes os nomes, ao lado de nós, dezenas de
lares e neles centenas de corações, que sofrem em silêncio a tragédia da
espera, da dúvida sobre a vida ou a morte dos seus mais queridos (…) passam os
dias, passam os meses, passam os anos talvez, e a espera continua vã. As
promessas [das autoridades] continuam vãs. O destino dos desaparecidos continua
envolto no mistério. (…) Até quando haverá, no Brasil, mulheres que não sabem
se são viúvas; filhos que não sabem se são órfãos (...)?”.
Além de professor, advogado e pensador católico, atuou
como jornalista, editor, tradutor, crítico literário, crítico político,
administrador e escritor. Colaborou com diversos jornais, entre os quais A
Manhã e o Jornal do Comércio, no Rio, e o La Prensa, de Buenos Aires. O jornal
integralista “A Ofensiva” também teve sua participação. Em 1947, foi chamado
por Orlando Dantas para colaborar no Diário de Notícias inaugurando então,
nesse jornal, a seção “Letras universais” transcrita na Folha da Manhã, de São
Paulo, em O Diário, de Belo Horizonte, em A Tribuna, do Recife, no Correio do
Povo, de Porto Alegre, e no Diário Ilustrado, de Lisboa. Tornou-se colaborador
permanente do Jornal do Brasil e da Folha de São Paulo até o final de sua vida.
Sua produção jornalística, ao longo do regime militar, espelhou um
direcionamento cada vez mais crítico em relação aos rumos do modelo econômico
imposto ao país e às suas consequências no âmbito social, político e cultural.
Foi vencedor em 1969 do prêmio Moors Cabot, láurea mais antiga do jornalismo
internacional. Recebeu ainda os prêmios Moinho Santista, Luísa Cláudio de
Souza, Juca Pato, Sierra Award, Nacional de Literatura e Junípero Serra, além
de ter sido agraciado com os títulos de comendador da Legião de Honra (França),
da Ordem do Condor (Chile), da Ordem de Santiago da Espada (Portugal), da Ordem
Nacional do Mérito e Ordem de São Gregório Magno da Santa Fé. (Vide referências
nos links expostos na crônica)
À cerimônia esteve
presente Alceu Amoroso Lima Filho, filho do homenageado; as netas do
escultor, Anna e Florencia Ferrari, e a bisneta Violeta; Teresita Silva
Gonzales Dias, cônsul-geral da Argentina em São Paulo; o subprefeito de
Pinheiros, Nevoral Bucheroni, e o secretário-adjunto de Relações
Internacionais.