Oralidade dos Fatos: SUJEITO E OBJETO
Numa linha de investigação cientifica debatemos com obstáculos que escondem reais momentos históricos. A oralidade permanente transmitida por gerações, sendo o primeiro modelo de conservação da história, evidentemente anterior a escrita, passando através de gerações, recolhida do fato pela tradição no tempo e no espaço. Muito hoje é refletido como fonte de pesquisa acadêmica entre povos autóctones que não conheceram a escrita, mas mantiveram vivas suas raízes originais.
Quando buscamos o saber deste conhecimento histórico, e somente o homem detém este legado, recolhem-se fragmentos dos fatos úteis da existência humana. Há em tudo isto o sujeito e o objeto a ser estudado que compete ao agente investigador recolher as “tragédias ou farsas” que culminaram com o processo. Este agente não tem a competência do julgamento, mas sim recolher o maior número de sucedâneos que originou uma transformação; não se reserva na busca do furo jornalístico, formalismo momentâneo e impactante, da ansiedade dos bastidores do imediatismo, mas um incessante compromisso que denota algo duradouro perpetuado na história humana.
Há nisto um comprometimento de ações, por vezes, não verdades absolutas onde o sujeito e o objeto se confundem, e requer pesquisa metodológica, buscando considerações do porquê de determinado momento histórico. Um critério é se aproximar das raízes da oralidade e de seus conhecedores. Evidente que a ação do tempo pode deixar vestígios mínimos que uma “arqueologia” histórica deve delinear os fatos por suas camadas existentes.
No hodierno estamos diante de recolhimento da oralidade da Capela do Socorro, parte da estrutura geográfica de um antigo município de São Paulo, hoje um distrito populoso, Santo Amaro
[1]. Na década de 20, do século 20, ainda era um local insipiente, mas que foi aos poucos cativando pelas suas belezas naturais de verdadeiras “praias” costeiras e turísticas, a Riviera Paulista, onde se construiu as represas Billings e Guarapiranga, esta última antes denominada Represa Velha ou Represa de Santo Amaro. Um local pontuado no mapa de São Paulo de relevância geradora de energia elétrica e depois, a partir de 1928, servindo de abastecimento hídrico para a cidade. Evidentemente que com a expansão da cidade abriu suas margens a ocupação sem um plano diretor distinto as importância requerida de preservação e a ocupação territorial que não respeitou critérios por muito tempo denunciados. Muitos depoentes são críticos quanto a fato, e parece existir unanimidade em demonstrar a falta de saneamento básico para conservação local.
A represa de Guarapiranga dividida por lagos originado pelo represamento do rio que lhe originou o nome, foi elaborado pela empresa canadense Light de 1906 a 1909. Possui(a) uma área de 34 mil quilômetros quadrados e um perímetro de 85 quilômetros com variações de profundidades chegando próximo dos 15 metros, que devido ao assoreamento constante de suas margens, por perda de matas nativas, estão diluindo esta margem às condições gritantes quanto a sua capacidade de reservatório.
Muitas veias de irrigação deste local são abastecidos por mais de 30 pequenos e médios córregos como o Guavirutuba, M’Boi Mirim e Guaçu, Rio Bonito, Rio das Pedras, Tanquinho, Itupu, Parelheiros, enfim tantos quanto fazem parte constante da manutenção da beleza natural e artificial do lugar, que também atraíram praticantes esportistas e um laser que refletiu no cotidiano local, uma “praia” de encantos.
Já em sua conclusão aficionados a náutica deslocavam-se para a prática de vela, como BERT GREENWOOD,
superindendente da Mappin Stores, depois comodoro do Sailing Club, clube da comunidade britânica fundado em 1917, que com barco artesanal das estruturados encaixotamentos de madeira de mercadorias importadas fabricou seu barco com dois mastros e seis metros de comprimento e iniciava desta modo o velejar no São Paulo Yacht Club, tornou-se, mais tarde, primeiro presidente da Federação de Vela do Estado de São Paulo. Grandes campeões do iatismo se serviram do local para treinamentos e ganharam projeção internacional como JOERG BRUDER, muitas vezes campeão brasileiro e sul-americano pelo Yatch Club Paulista, velejador da Represa de Guarapiranga, sendo perpetuado seu nome no Centro esportivo Municipal de Santo Amaro e ROBERT SCHEIDT, que pelo Yacht Club Santo Amaro tornou-se campeão olímpico a partir de 1968.
Outros se serviram da represa para modalidades aéreas como BABY PIGNATARI, da família Matarazzo, proprietário da Chácara Tangará, hoje parque municipal Burle Marx, com administração privada, aproveitava-se do espaço aéreo da década de 40 para os seus aviões Paulistinhas, um sucesso comercial de então. As atrações sucedâneas atraíram adeptos que se serviam da represa com hidroaviões para pouso e decolagem. Assim em 1927 dois aviadores amerissaram na represa de Guarapiranga, o tenente-coronel e chefe do Estado Maior do Comando Geral da Aeronáutica da Itália, Francesco De Pinedo com seu hidroavião “Santa Maria”, e o comandante aviador brasileiro João Ribeiro de Barros, com o antigo “Alcione”, rebatizado JAHÚ, homenageando sua terra natal, independentes com tripulação de navegação aérea, completavam o sonho de muitos outros renomados aviadores (Gago Coutinho e Sacadura Cabral, lograram êxito parcial em 1922 com suporte naval de apoio) e aportaram deste modo na represa de Guarapiranga.
Há nesta citação o fato histórico incontestável e expressivo que foi considerado o marco da aviação comercial entre dois continentes separados pelo Mar Tenebroso, o Oceano Atlântico e esta as urdiduras do tecido histórico na Represa de Santo Amaro.
(Na foto o comandante Joaõ Ribeiro de Barros é o 6º da esquerda para a direita e logo em seguida o prefeito anfitrião Isaías Branco de Araujo)
Em depoimento ao jornal Gazeta de Santo Amaro, de 10 de novembro de 1960, Isaias Branco de Araujo, prefeito de Santo Amaro de 1917 a 1928, na época município do estado de São Paulo declarava no subtítulo “De Pinedo e Conde Matarazzo”:
“Recepcionei De Pinedo quando desceu com o Jaú na represa. Em homenagem ao grande aviador, dei o nome à avenida do bairro do Socorro. Quando o Conde Matarazzo, em nome da colônia italiana, veio a esta cidade tratar do monumento na represa em honra ao aviador, foi por mim recebido. Inicialmente a Light deu contra; a meu pedido consentiu que a estátua fosse colocada onde está, até hoje”
Faz-se jus louvores ao digníssimo homem público de realizações inestimáveis a Santo Amaro, mas quando do depoimento jornalístico, ele já estava afastado da vida pública e cometeu-se neste fragmento jornalístico alguns deslizes que parecem necessários citar:
Os dois aviões semelhantes na forma pertenciam a mesma empresa construtora da aeronave e era ambos Savoia Marchetti, com algumas ressalvas de potência nos motores duplos, em V, de 12 cilindros, Isotta Fraschini, ambos eram, pela óptica do leigo, o mesmo hidroavião, logo foi recepcionado o comandante João Ribeiro de Barros, proprietário do hidroavião Jahú e não (Francesco) De Pinedo.
O fato tem sua relevância quanto às questões da vinda do ilustre industrial Francesco Matarazzo a Santo Amaro conversar sobre o monumento aos aviadores da travessia do Atlântico, e a surpresa da negação, a principio, da empresa canadense “Light & Power”, que o vulto do maior empresário de então reforçado com o pedido do prefeito Isaias Branco de Araujo, convenceu-se da importância histórica do Monumento.
Logicamente, quando do depoimento, o "Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico" ainda não havia sofrido o esbulho[2] de 1987, por parte do governo municipal, que em 2010 recupera-se ao local da Represa de Guarapiranga, através de reintegração de posse, o que sempre foi por direito objeto do litígio e indignação popular antiga, agora reparado.
[1] SUPERFÍCIES COMPARATIVAS:
*MUNICIPIO DE SÃO PAULO SEC.21: 1523 QUILOMETROS QUADRADOS
*MUNICIPIO DE SANTO AMARO ATÉ 1935: 640 QUILOMETROS QUADRADOS COM ABRANGÊNCIA DESDE O CORREGO DA TRAIÇÃO (HOJE APROX. RUA TEXAS, BROOKLIN) ATÉ DIVISA COM ITANHAÉM, MONGANGUÁ E SÃO VICENTE (Serra do Mar)*DISTRITO DE SANTO AMARO SEC.21: 15,60 QUILOMETROS QUADRADOS
[2] Esbulho: Retirada forçada do bem de seu legítimo possuidor, que pode se dar violenta ou clandestinamente. O possuidor esbulhado tem o direito de ter a posse de seu bem restituída utilizando-se, de atos de defesa que não transcendam o indispensável à restituição. O possuidor também poderá valer-se da ação de reintegração de posse para ter seu bem restituído.