segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico”: Data Vênia

*"Que disse, fiz, portanto feito está."

"Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico", de Ottone Zorlini. Escultura em bronze com coluna romana autêntica em granito rosa doada pelo rei Victor Emanuel atualmente localizada na Praça Nossa Senhora do Brasil, esquina da Avenida Brasil com a Rua Colômbia, Jardim América, com translado definido para orla da Represa Guarapiranga, "Parque Barragem".

1) Monumento ou Estátua
Aos egrégios representantes do poder, há colocações de suma importância histórica quanto ao retorno do “Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico”, que por si já se define como tal, pois “Monumento é Documento” e visto desta maneira pelos historiadores. Monumento é obra ou construção destinada a transmitir à posteridade a memória de fato ou pessoa notável; estátua é escultura em três dimensões, que representa figura humana, ou não, por vezes sem expressão definida de valor histórico, portanto temos diante disto o que representa a obra em homenagem aos aviadores do Atlântico, Francesco Zefinelli, o Marquês De Pinedo e João Ribeiro de Barros, epopéia do pioneirismo heróico da tripulação, pois foi o primeiro feito realizado sem acompanhamento naval, somente realizado com o que havia de melhor em instrumentação à época.

2) Vitória Alada

No topo de um alto pedestal, uma escultura de bronze, chamada de “Vitória Alada”, lembrança do sonho de Ícaro, apontando na direção do Oceano Atlântico. Na face frontal do pedestal de granito, estrelas de bronze compõem a constelação do Cruzeiro do Sul, além de dois fascios que se encontram nas laterais; um deles com a esfera celeste e a inscrição “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira; o outro, o símbolo de Roma: a loba amamentando os irmãos Rômulo e Remo.

3) Autor da Obra: O Italiano Ottone Zorlini

Outro fato relevante é quanto ao autor da obra. Evidentemente que possuímos grandes expressões na arte escultural que engrandece sobremaneira este campo expressivo e de reconhecimento internacional, mas ao dizer que o monumento em questão é obra genuína nacional foge ao contexto e expressa uma inverdade histórica.
O monumento que faz parte de um contexto que recebeu a sensibilidade de Ottone Zorlini, nascido em Treviso, Itália, em 20 de setembro 1891, fixou residência em São Paulo a partir de 1928 aonde veio a falecer em 06 de junho 1967. Inicia sua trajetória profissional, aos 13 anos, quando começa a trabalhar em uma fábrica de cerâmica; em Veneza a partir de 1906, cursa a Academia de Belas Artes, freqüenta os ateliês do escultor Umberto Feltrin e do ceramista Cacciapuoti. Na cidade berço renascentista executa várias obras e em 1927, vem para o Brasil realizar o “Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico” com participação da Sociedade Dante Alighieri, edificado junto à Barragem da Represa de Guarapiranga, próximo ao local das amerissagens, concluído em 1928 e inaugurado no dia 21 de agosto de 1929, definida pelo autor como “a junção ideal da época da Roma Antiga às modernas conquistas que renovam e perpetua a grandeza do passado”, obra realizada quando já possuía 37 anos, Em São Paulo berço da imigração italiana conheceu artistas como Mario Zanini, Francisco Rebolo e Alfredo Volpi, integrantes do “Grupo Santa Helena”, com os quais viajava para pintar os arredores da cidade e trechos do litoral paulista, integrando-se depois na formação do Sindicato dos Artistas Plásticos de São Paulo.
4) Os Fascios

Outra questão a elucidar é quanto à representação dos adornos laterais que causam polêmicas, apresentados e definidos na mídia como símbolo do fascismo:
“Dois fascios (feixes de lenha, que sustentam machados) de bronze nas laterais também ajudaram a apimentar a polêmica. Na época da primeira transferência, o passado controverso não foi esquecido: "Acaba hoje instalação do monumento fascista nos Jardins" e "Monumento ostenta símbolo fascista" foram títulos de reportagens na época da transferência da obra para os Jardins. A justificativa do prefeito Jânio Quadros era que a escultura estava "escondida" na zona sul”.
Primeiramente não é lenha, ou qualquer madeira tosca, para usar como combustível, mas forma a representação das varas de jurisdição a cargo da justiça. O termo latino “fasces”, na expressão fasces lictoris "feixe de lictor", era simbologia de origem etrusca incorporada pelo Império Romano, associado ao poder e à autoridade, denominado fasces lictoriae, por ser carregado pelo “lictor”, o qual na Roma Antiga, em cerimônias oficiais (jurídicas, militares e outras de poder) precedia a passagem de figuras da suprema magistratura, abrindo caminho em meio ao povo. O lictor era encarregado de convocar o réu, quando fosse solicitado pelo magistrado.
O Ícaro de asas abertas como que a fitar a imensidão do espaço e a sobrevoar a rota escolhida desponta o Cruzeiro do Sul, que são as cinco estrelas fixadas na base de sustentação. Na parte frontal do monumento apresenta-se a coluna romana que demonstra a beleza do “capitel” que remete o homem na busca incessante da perfeição. Em ambos os lados estão à representação da aplicação da lei, um molho de varas que era levado pelo “lictor”, o magistrado romano, e ao centro do fascio a “franquisque”. Um deles no Monumento tem a esfera celeste e a inscrição “Ordem e Progresso” da bandeira brasileira; o outro, o símbolo de Roma: uma loba alimentando os irmãos Rômulo e Remo. Durante a Segunda Guerra Mundial, os fascios de bronze do monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico foram retirados, pois diziam que refletia alusão ao fascismo, e toda simbologia que lembrasse os movimentos nacionalistas do Eixo, Itália, Alemanha e Japão foram proibidos, inclusive a língua.

5) Franquisque

Quanto a “machadinha” trata-se realmente de um “machado de guerra” de nome “franquisque” que foi utilizado durante os anos iniciais da Idade Média pelos francos, de onde extraiu-se o nome. Esta arma tornou-se característica desse povo, em especial durante os anos de 500 a 750 d.C. Apesar de ser mais comumente associada aos francos, por sua notória utilização durante o reino de Carlos Magno (768-814 d.C.), era também utilizada por outros povos germânicos, incluindo os anglo-saxões. A primeira referência ao termo francisque surge no livro "Ethymologiarum sive originum, libri XVIII", de Isidore de Sevilha (c. 560 - 636 d.C.), como o nome utilizado entre os espanhóis referia-se aos francos para se referir a estas armas, provavelmente porque eram utilizados pelos povos além dos Pirineus, para penetrar atacando e rasgando com puxão brusco e cortante o corpo do combatente inimigo.

6) Coluna Romana:

A Sociedade Dante Alighieri propôs a construção de um monumento “Aos Heróis da Travessia do Atlântico” junto à barragem do Guarapiranga, próximo ao local das amerissagens, inaugurado no dia 21 de agosto de 1929.
Escultura de bronze sobre pedestal de granito com fustel romana autêntica de granito rosa, doada pelo rei Victor Emanuel, retirada em escavação arqueológica milenar recém-descoberta no Monte Capitólio, em Roma. Em “Inventário de Obras de Arte em Logradouros Públicos da Cidade de São Paulo” tem citação como jônica, mas suas características são uma somatória junto ao estilo coríntio, valendo-se da união das duas para formar a ordem compósita. Para celebrar a aventura dos compatriotas, Benito Mussolini, primeiro-ministro da Itália, pelo reinado de Victor Emanuel, entre 1922 e 1943, enviou a São Paulo a coluna que foi incorporada à parte inferior do monumento pelo autor da obra.
A cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, também recebeu uma coluna romana do Monte Capitólio, doada em 1931. Implantada no Pátio do Instituto Histórico e Geográfico, na Cidade Alta, era conhecida como “Coluna Capitolina” ou “Coluna Del Prete”. Comemora a travessia em linha reta e vôo direto, sem escalas, de Roma à praia de Touros, realizada pelos aviadores Carlo Del Prete e Arturo Ferrarin em 1928. Associada à figura de Mussolini, a coluna foi derrubada em 1935, durante a Intentona Comunista.

7) Mussolini

Mussolini, primeiro-ministro da Itália entre 1922 e 1943, buscava interesses estratégicos nos vôos pioneiros e queria criar pontos de apoio para sua frota aérea. O tenente-coronel Francesco De Pinedo assumiu a direção do Estado Maior da Aeronáutica e era chamado por Mussolini de “Senhor das Distâncias” por causa da viagem pelo Atlântico e pelas duas Américas. O hidroavião Savóia Marchetti S-55, com amerissagem estilo catamarã e com características militares, recebeu o nome de “Santa Maria”, lembrando a descoberta da América pelo navegador genovês Colombo, nome de uma de suas caravelas. No livro “Il Mio Volo Attraverso l’Atlantico e le Due Americhe”, De Pinedo relata que, durante sua permanência no Rio de Janeiro, foi convencido por “oriundi” de São Paulo, onde a colônia italiana era numerosa, a desviar sua rota e pousar na Represa de Guarapiranga em Santo Amaro, quando sua rota previa parar apenas em Santos. Assim o hidroavião chegaria à Represa de Guarapiranga, com efusão da multidão às margens da represa aclamando o feito do sucesso. Deste modo abriram-se novos horizontes para implantação da aviação comercial unindo continentes distantes.

Em 1985, o Instituto Cultural Umbro-Toscano de São Paulo solicitou a readequação do local de implantação do monumento à Prefeitura. A entidade temia pela integridade da obra, e o translado foi realizado pelo governo municipal em 1987, cujo resgate histórico ocorrerá no ano de 2010, com seu retorno ao local de onde nunca deveria ter saído; às margens da Represa de Guarapiranga, São Paulo.

*"Cui dixit, fecit, autem factum est."

VIDE:
Federico, Maria Elvira Bonavita. Meio Ambiente e Degradação Cultural. São Paulo: FAPESP, 2005

1 comentário:

Anónimo disse...

O ANJO DA AVENIDA DE PINEDO
Cheguei em São Paulo em 1972 vinda do interior da Capital.
Depois de uma longa viagem de Presidente Prudente para cá, despertei exatamente no momento em que passávamos em frente a uma grande estátua que ficava no final da Avenida de Pinedo, próxima à Represa Guarapiranga. Fiquei em estado de êxtase diante daquele anjo com grandes asas. A minha primeira Lembrança de São Paulo foi aquele anjo. Muleca, sempre que me metia em confusões, era para ele que eu corria, como se pudesse ser ouvida ou abrigada em suas asas.
O tempo passou, mudei de bairro e anos depois retornei ao Socorro.
Agora um bairro infestado de camelôs, boates de quinta categoria e calçadas tortuosas, "Com certeza as da Avenida de Pinedo são uma das piores de São Paulo". Procurei o anjo e ninguém sabia me informar do seu paradeiro, passei anos tentando encontrá-lo, como quem procura por um parente distante e desaparecido. Certa vez uma conhecida minha que mora nos Jardins me perguntou onde eu morava, e eu disse que morava no Socorro, ela me indagou: - onde é ísso? É na periferia? Por mais que eu tentasse explicar onde, para ela o Socorro é periferia. E para mim é simplesmente o bairro em que eu cresci e amo muito... Apesar de tudo...
Anos atrás esta mesma conhecida me perguntou em quem eu iria votar para prefeito, e ela mesma, antes que eu pudesse responder, me saiu com essa: - Há, porque eu pergunto?! É claro que você vai votar no PT, você mora na periferia, né? Vez ou outra ela sempre me lembrava que eu morava na periferia, até para terceiros que me indagavam onde eu morava, ela se adiantava e dizia com um ar de comiseração calculada: “ela mora na periferia".
O tempo passou e um dia saindo de uma exposição do Museu da Imagem e do Som, na Avenida Europa, eu estava prestes a atravessar a rua em frente à Igreja Nossa Senhora do Brasil, acompanhada de uns amigos, quando de repente eu o vi e comecei a gritar feito louca:
- O meu anjo! É o meu anjo. E sem ligar para os carros que passavam atravessei a Avenida de baixo de xingos e buzinas.
Era ele mesmo, e a placa aos seus pés não deixava dúvidas.
Era o Anjo da Avenida de Pinedo. Chorei abraçada a ele como uma criança que encontra seu tesouro perdido. Era como estar abraçada à minha infância. Dias depois, ao encontrar "aquela" conhecida, perguntei a ela se ainda fazia suas caminhadas matinais pelos Jardins, indaguei se ela já havia notado o anjo na pracinha em frente à igreja Nossa Senhora do Brasil. Ela começou a se desvelar em elogios a tal estátua, dizendo ser uma coisa linda, uma verdadeira obra de arte e etc... Ao que eu com uma ponta de orgulho, ainda que ferido, alfinetei: pois é, amiga! Aquele anjo que enfeita suas caminhadas pelas manhãs é importado lá da minha periferia.
Como assim? Não entendi! - disse ela fazendo cara de paisagem.
Amiga, - disse eu - quando passar por lá outra vez, leia a placa aos pés do anjo. Pois até os anjos não ignoram suas origens.

PS: ESPEREI 23 ANOS. GRAÇAS A DEUS A JUSTIÇA FOI FEITA.
e-mail da autora:
alicestein22@yahoo.com.br