domingo, 30 de dezembro de 2018

As Crianças da rua amiga (RUA 25): Jardim São Luiz/São Paulo

(História publicada em 09/04/2008 no site da Secretaria da Cultura)
Mergulhando no tempo, recordando as lembranças da meninice vigorosa, aventurada a todo tipo de brincadeiras sadias, foram as primeiras fórmulas de nosso amadurecimento, do saber compartilhar com todos, o pouco que cada um possuía de melhor, e que saía do aprendizado de cada lar: respeito, virtude para formação do caráter, lição primordial de nossos pais, rudes, simples, homens e mulheres unidos pelos laços da família, nossos primeiros e melhores educadores.
A rua era nosso recreio, éramos unidos, uma verdadeira tropa de frente, buscando iniciativas nas investidas de cada projeto novo de ideais mirabolantes e, assim, acontecia tudo ao mesmo tempo. Não era virtual, era real, e as mais fascinantes brincadeiras iam saindo de idéias das “crianças da rua amiga”.
De repente, uma tábua, com três rolimãs, às vezes quatro “rodas alemãs”, conseguidas com muito sacrifício em alguma oficina, tornando-se os mais fantásticos carros de corrida de ladeiras intermináveis, deixando para trás uma poeira de satisfação, que o mais atrasado engolia sem muito prazer. Eram verdadeiras máquinas de fórmula 1 a deslizar em bandos de disputas concorridas, às vezes esfolando o calcanhar em freadas bruscas.
Na época de ventos fortes, que coincidiam com as férias do meio de ano, outro divertimento aparecia nos céus, que ficava colorido com os papagaios, quadrados, raias, pipas e outros tantos sinônimos, evoluindo, desenhando no céu azul toda a felicidade da gurizada. As rabiolas eram feitas de tiras de pano velho de algum lençol roto. A linha era 24 Corrente, que diziam não quebrar, mas quebrava, ou um cordonê, um barbante fino a deslizar numa carretilha. Os pipas eram verdadeiras obras de arte a enfeitar num colorido diferente o descampado, pois fiação elétrica era coisa rara, poucos tinham em suas residências energia eletrificada, era tudo na lamparina.
Não se sabia ao certo quem determinava a ordem das brincadeiras, mas acreditávamos que Deus a transmitia em sonho para cada garoto, ou garota. Assim, a rua enchia de alegria, gritaria, disputas sadias. Começava com o zumbido de pião na cela a “ducar”, furando o pião adversário, que errou sua manobra. Ao lançar o pião na cela (pequeno círculo no chão batido de terra), saía um som vibrante, um zumbido, que depois era recolhido, suspenso na fieira ou na palma da mão, como um troféu.
Campeonatos eletrizantes de futebol de botão mudavam o comportamento, deixando-nos ansiosos por ver nosso time batendo adversários imaginários, onde os grandes vencedores éramos nós mesmos, com nossa felicidade.
Um casal muito simpático, dona Etelvina e seu Batista, como tantos outros patrícios que vieram de Lisboa, Portugal, espreitavam nossas algazarras por entre as frestas do portão. Ela, governanta, ele, fiscal de alfândega, o furador de lingüiças, que procurava contrabando no Porto, nos embutidos caseiros feitos em Portugal, e que vieram no tempo da guerra, pela dificuldade da Europa, tentar a sorte no Brasil e se fixaram primeiramente em Pinheiros e depois conseguiram a “casita” no bairro Jardim São Luiz, em Santo Amaro.
- Ouve lá meninos, não me furem a calçada! - dizia dona Etelvina, ralhando conosco, em tom materno, carinhoso.
Ficavam a espreitar nossa marotagem em sua calçada, ao jogar as burcas (bolinhas coloridas de vidro) nas biroscas, quatro buracos em forma de L. Primeiro, a “arriscança”, depois, a “matança” dos oponentes. Ou então se jogava em triângulos eqüiláteros, desenhados no chão, não tão perfeitos na geometria, a tentar tirar as burcas “celadas” e fazer a “rapela”, que era como falávamos quando se ganhava as burcas dos outros meninos.
Já as meninas brincavam com suas amarelinhas, pulando de encontro ao objetivo, que era o céu, ou então jogavam cinco pedrinhas escolhidas nos montes de pedregulho das construções, pedra lavada de rio, não havia pedra britada, e que sentadas no chão eram lançadas e recolhidas na palma da mão, na “casa do um”, na “casa do dois”, na “casa do três” e, por último, a do quatro, e ali aparecia a campeã toda sorridente.
Havia aquelas que pulavam corda como ninguém. Com um bater constante no chão de terra, duas vigorosas braçadas davam a ordem:
- Fogo, foguinho! - e pulava-se até a exaustão ou demolir no chão com as canelas avermelhadas por alguma chibatada. Por vezes unidas aos meninos, corriam de uma queimada, uma bola de meia, com duas turmas que se digladiavam, separadas por uma risca no chão. E um pega-pega constante, contando até dez e um desembestar em fuga:
– Esteja preso! Esteja solto!
Muitas gargalhadas e zoeiras, como um bando de pardais nas árvores, descansando em suas copas, após nos refugiarmos depois da refrega do “bate-latas” e sermos encontrados no esconderijo. Por vezes aparecia uma rara bolinha de tênis que era judiada por porretes de madeira por duplas separadas por certa distância com objetivo de derrubar as forquilhas da cela defendida com garra pelo detentor dos tacos.
Muitos Pelés e Garrinchas apareciam nos improvisados campinhos do “Arranca Toco”, do Ranulfo, Maracananzinho, e o bem concorrido Campinho do Edson, onde atualmente está a caixa d’água da Sabesp, do bairro Jardim São Luiz. Todos eram bem próximos, pois para crianças não existem distâncias, separações. Éramos todos iguais com nossos sonhos.
Nós capinávamos a vegetação para formar com o roçado nosso campinho de tantas pelejas fascinantes. Construíamos as traves, que de tão “bem” feitas às vezes tinham o cipó que as amarrava desprendido e precipitavam na cabeça de um bom goleiro. Os dedões eram tipicamente sem unha, por tantos entreveros, e o calçado, quando existia, era algum Bamba ou os modernos Kichutes, os primeiros tênis industrializados de lona que vieram substituir as alpargatas de solado de corda trançada e pano. Estes tênis ficavam rotos de tantas batalhas inesquecíveis que calçavam esses atletas anônimos, que mais tarde eram substituídos pelas “chancas”(chuteiras), ou modernamente falando, chuteiras, com cravos fixados por pregos que rasgava toda a meia.
Esses garotos depois se tornaram no futebol de várzea próximos à Ponte João Dias, grandes oponentes, fazendo das manhãs domingueiras encontros de esquadras bem formadas e nomes sugestivos: Vasquinho, Vermelhinho, Esporte São Luiz, Brasília, Grêmio, Portuguesinha, Vila das Belezas, Martinica, Mirim Brasil, Internacional, Benfica, Continental, Estrela do Norte, Rubi, Onze Garotos, Maninhos, Noroeste, Bonsucesso, Macotec, Sete de Setembro, Boca Livre, Bragança e outros tantos celeiros de craques, que colocavam em prática as diabruras aprendidas por todos os recantos, pelas crianças da rua amiga, que existiram em tantos cantos de São Paulo.
Estes feitos de muitas crianças brasileiras, de muitos lugares semelhantes, de poucos recursos na época, que sem dúvida, foram construídos (e nem sabíamos o que era construtivismo) em muitas periferias ao redor da cidade de São Paulo. Essas crianças assim exerciam atividade lúdica sadia, em grupos ordenados e foram felizes ao seu modo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

ÍNDICE MATRIZ DE SANTO AMARO, SÃO PAULO

A PRESENÇA RELIGIOSA: A MATRIZ, O MARCO PRINCIPAL DE SANTO AMARO

SANTO AMARO E SUA MATRIZ

CATEDRAL DE SANTO AMARO/SP E A RESTAURADORA ANA LÚCIA DA SILVA SANTOS


O Carrilhão ainda vai repicar os sinos no Campanário da Matriz de Santo Amaro!


ALTARES DE SANTO AMARO e o MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO PAULO


A CATEDRAL DE SANTO AMARO-REABERTURA 8 DE DEZEMBRO DE 2012


Transição de Paróquia à Catedral de Santo Amaro / São Paulo

sábado, 16 de junho de 2018

O peixeiro Amaro “Macuco”: Jardim São Luiz / São Paulo



Seu Macuco veio de Alagoas para São Paulo na década de 1950, para dar: "jeito à vida", como o mesmo dizia, rumou de pau de arara para o sul, uma "judiaria de lascar" que arrebentava corpo de qualquer cristão. Hoje ele daria muitas risadas do fato de apenas subimos e descemos do avião, sem passar dias nas estradas, verdadeiras "desgraceiras".

Seu nome verdadeiro era Amaro Hilário de Souza, que juntou os "trapos" e rumou para ajudar São Paulo a crescer. Como tantos outros, sentou praça na capital paulista e foi "cair" lá para as bandas de Santo Amaro, acredito que atraído pelo nome, igualzinho ao seu.

O seu primeiro passo na jornada foi agradecer pela viagem, dura, mas com final feliz, sem acidentes. Recolheu o chapéu da cabeça, bateu o pó da estrada nas calças, entrou na antiga igreja da Matriz, rumou ao altar e ajoelhou-se, seguido de Cícera Maria de Souza, sua companheira de labuta pela vida.

Tinha uns conterrâneos, uns "primos" que já estavam adaptados depois do Rio Pinheiros, ainda de águas límpidas, que vinham á Represa de Guarapiranga, um lugar de peixe, que poderia ser apanhado e vendido pelas redondezas. As economias miúdas do pouco que tinha amealhado com a venda do que lhe pertencia no Nordeste, eram seu maior tesouro.

Então "apeou o pé", um pleonasmo verdadeiro, na terra vermelha do bairro "muito longe da capital", descendo de uma carroça que o trouxe para a redondeza do bairro Jardim São Luiz e ali mesmo fez seu primeiro contato comercial, querendo saber onde poderia adquirir um cavalo bom de sela e uma carroça para começar a nova vida.

Foi ali mesmo, na baixada do Jardim Brasília, outro bairro vizinho incipiente, nascido do desmembramento da granja da família japonesa de Yoshimara Minamoto (que foi loteado) que Amaro Macuco descobriu o que queria fazer: iria comercializar peixes, conhecer os rios e juntar-se a outros que conheciam onde estavam os melhores locais para "mariscar", termo para sua pescaria, como comumente dizia.

Com um pouco de tino, foi ter com os exímios pescadores japoneses que iam quase sempre para a Barragem da Represa, lá pras bandas da Colônia, onde o trem passava pela manhã na "estação" da Ponte João Dias, que não tinha nada de estação era apenas uma plataforma, beirando o rio, do lado da firma de rádios Semp (empresa ainda existente e pertencente na atualidade à Toshiba), e só voltava à tarde, descia em barranco subia em balsa, mas chegava, recolhia todo fruto do trabalho num samburá rudimentar, voltava feliz, embora estafado.

Durante a semana lá vinha ele, com umas bacias de alumínio, repletas de peixes, vez ou outra, não sei se por milagre, coisa que não se explica, apareciam umas sardinhas, coisas do mar, que não perguntem de onde saiam, não sei se vinham da entrega de algum mercado. A mercadoria era pesada em uma balança de pêndulo duvidoso, onde Macuco batia o dedo dobrado no peso, aprumando a bacia e dizendo:
- “Um quilo! Bem pesado!”

O local tinha uns matreiros da Península Ibérica que não engoliam o termo "Um quilo bem pesado", e ali mesmo decidiam contando as sardinhas, que eram sempre em número de 13, e este era o acerto de "bem pesado", até hoje não sei se era ou não "bem pesado", mas era com se acertava o pagamento das graúdas ou miúdas, e saiam ambos sorrindo, tanto o vendedor quanto o comprador, sem saber quem havia perdido.

O cavalo "Orelhinha" já sabia o caminho, nem mesmo o chicote esfarrapado era usado no lombo do animal, que era seguido sempre de um cão fiel. Às vezes subiam na carroça duas ou três crianças para passear pelas ruas, afinal era esse um momento de descontração para aqueles que pouco ou nada possuíam de diversão.

A família de seu Amaro crescia num total de oito filhos, a saber: Wolfran, Nado, Neném, Noé, Zeca, Edite, Edileusa e Edineusa, ele não sabia quem havia chegado lá de "riba" e quem era paulistano e muito menos se lembrava o nome verdadeiro dos filhos, só chamava pelo apelido. Os nomes das cachaças ele não esquecia: 3 Chaves, Tatuzinho, 3 Fazendas, Ouro Fino, Rio Pedrense, Velho Barreiro, Pirassununga.

Ele também foi mudando, pois o peixe ficou escasso, a água ficou "estragada" e assim, sem se despedir, um dia foi embora para nunca mais voltar, deixando apenas um rastro de saudade!!!

Padre Edmundo da Mata e o Bairro Jardim São Luiz - São Paulo

História publicada em 18/11/2013: enviado à Secretaria da Cultura do Município de São Paulo e publicado em site.


Natural da Ilha da Madeira, possessão de Portugal, Pérola do Atlântico, o menino Edmundo da Mata veio ao mundo em 15 de fevereiro de 1935, através de duas famílias portuguesas tradicionais, sendo irmão gêmeo de Feliciano da Mata; esse tinha juízo, pois no Brasil se tornou corintiano, e, como ninguém neste mundo é perfeito, o menino Edmundo foi tomado por uma “enfermidade terrível” que afetou seu sistema nervoso, fazendo-o apaixonar-se perdidamente pelo São Paulo Futebol Clube, se tornando amigo do governador Laudo Natel.

Sua mãe, Angelina Jorge, possuía fervorosa devoção e intensa religiosidade. Seu pai, homem prático, vivia na lida diária. Deste modo o casal constituiu uma família numerosa com vários filhos: Feliciano, Helder, Lucinda, Antonio, Mafalda, Alda e Orlando.

A conturbada situação econômica da Europa, prestes a eclodir a 2ª Guerra Mundial, fez com que a família decidisse rumar ao Brasil, onde aportou em 1939, indo residir na Vila Gumercindo, em São Paulo.
Seu pai, Antônio da Mata Júnior, além da grande jornada de trabalho era homem presente em relação à família. Nas madrugadas paulistanas dirigia-se ao Mercado Municipal da Cantareira, distribuição do celeiro alimentar de São Paulo, margeado pelo Tamanduateí, e onde, o Antonio “Botinudo”, este era seu apelido, transportava hortaliças, frutas e produtos dos mais variados segmentos.

Dona Angelina cuidava para que seus “anjinhos” não voassem mais que o permitido. Inclusive o Edmundo, “um peralta” que fugia para pular dos “bondes” e degustar frutas de árvores alheias. Os irmãos gêmeos trabalharam no Largo Paissandu, em frente à igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário, com tabuleiro de frutas, mas ambos quase faliram o pai: comiam mais do que vendiam!

O “degas” foi enviado para o Seminário Menor Metropolitano do Imaculado Coração de Maria, em São Roque, estado de São Paulo. Começava ali a árdua caminhada de serviço religioso para servir a Deus juntamente com outros rapazes que formaram através dos anos as amizades que se eternizaram, e, registraram para sempre o “Morro do Ibaté”, em “ECHUS” inesquecíveis de lembranças memoráveis.

Essa criança “traquina” é a prova incondicional que Deus escreve certo por linhas tortas, pois se tornou o nosso estimado Padre Edmundo da Mata, ordenado em 08 de dezembro de 1963, em Pleno Concílio Vaticano II, iniciado pelo Papa João XXIII e terminado em 1965, pelo Papa Paulo VI. O seu derradeiro aprendizado ainda seria completado no Seminário do Ipiranga, na Avenida Nazaré, preparando-se para sua longa jornada.
Sua primeira missão religiosa como sacerdote foi na Freguesia do Ó, na atual Matriz de Nossa Senhora da Expectação, local de grande entusiasmo religioso e onde ainda na atualidade se apresenta a bonita Festa do Divino. O padre Edmundo deixou um dia de ser “óiense” para fazer parte da caipiragem “jardinense” e foi transferido para o bairro do Jardim São Luiz, lugar afastado nos arrabaldes da antiga cidade de Santo Amaro, mata fechada, verdadeira “boca de sertão”, e que aparecia nos mapas com o nome de “Coruroca”, trajeto indígena. Ainda no hodierno há resquício deste tempo no nome indígena na Rua Nova do Tuparoquera, reminiscência deste passado. O referido bairro nasceu pelo decreto nº 3.079, em 15 de setembro de 1938, sendo o 30º subdistrito de Santo Amaro, primeiro bairro do lado oposto ao Rio Pinheiros, em relação a Santo Amaro, atrás do “Morro da Barra”, onde a historiografia registrou ter sido edificada neste local, em 1607, a primeira Usina de Ferro das Américas.

No final da década de 1950, a imagem de São Luís Gonzaga, padroeiro da juventude, vinha em procissão do Seminário da Rua Verbo Divino, na Chácara Santo Antonio, em Santo Amaro, para as capoeiras do Jardim São Luiz em um andor enfeitado. São Luís Gonzaga, pertenceu à família tradicional da Itália e resolveu bem cedo tornar-se jesuíta, não chegou a ordenar-se, sendo contaminado pela peste bubônica contraída de vítimas a quem amparou. Foi canonizado pelo Papa Bento XII, em 1726.
Uma curiosidade: o santo, com todas as suas virtudes, foi registrado “Luís” com “S” e o bairro com todos os seus pecados, foi registrado “Luiz” com “Z”!

Neste local iniciou-se o maior desafio do jovem Padre Edmundo, a partir de 25 de outubro de 1964, quando chegou, tendo ajuda de alguns fiéis, na consolidada Paróquia São Luís Gonzaga pelo Decreto de Criação de 21 de abril de 1960 por providência do arcebispo metropolitano Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta. Assim unia-se a juventude e a força da gente jardinense para edificar o maior projeto comunitário, quando pouco ou nada se falavam de ações sociais. Deste modo surgia as Associações Amigos de Bairros, para reivindicações de bem feitorias locais. Nascia para o bairro Jardim São Luiz, aquele que tomaria à frente das causas inerentes da Comunidade, somando nesta trajetória incomum de meio século de vida religiosa e atuação no bairro.

O antigo bairro Jardim São Luiz, situado na região do extremo sul de São Paulo, era um bairro relativamente pequeno, desmembrado de uma fazenda de 35 alqueires, hoje abrangente, com área distrital de 25 quilômetros quadrados, e que faz parte da Diocese Campo Limpo, idealizada em 1989, tendo à frente da mesma, o bispo Dom Luís Antônio Guedes, sendo que a referida diocese foi edificada ao mesmo tempo da formação da Diocese de Santo Amaro, juntamente com Osasco e São Miguel Paulista.
Padre Edmundo da Mata acreditou na região e aceitou o desafio de ser, além de sacerdote, o “delegado e o prefeito” das ações jamais impetradas aos órgãos competentes pelas necessidades locais. Nascia, também, deste modo, nas dependências da Igreja, a “Escola Madureza São Luiz”, que mais tarde deu origem ao Colégio São Luís de Gonzaga.

Em 04 de maio de 1974, padre Edmundo edificou a associação “Juventude Amor União-JAU”, com estatuto voltado as causas sociais e esportivas criando a quadra de futebol de salão ao lado da Paróquia, com a participação da juventude. Esta entidade é ainda atuante diante dos egrégios representantes do Estado, nas exigências comunitárias que a ela compete.

O desenvolvimento chegava ao Jardim São Luiz e as ruas ganhavam nomes próprios de antigos moradores, sendo que a Rua da Paróquia São Luís Gonzaga, antiga Rua 4, receberia o nome em homenagem ao pai do reverendo, sendo denominada Rua Antonio da Mata Junior. Na metade da década de 1970 foi implantado no “Morro do Eliseu” o Centro Empresarial de São Paulo, um marco paulistano de empresas de vários setores.

O setor imobiliário expande-se rapidamente pela região no hodierno que assiste as transformações imobiliárias abarcadas daquilo que representou o orgulho caipira da cidade de Santo Amaro de modo a não deixar vestígios de suas glórias de pertencimento e identidade.

Hoje a Paróquia São Luís Gonzaga, localiza-se em local privilegiado, sobre uma área construída de aproximadamente mil e quinhentos metros quadrados. Padre Edmundo sempre esteve à frente das festas patrocinadas pela colônia portuguesa, tanto as do Continente quanto das Ilhas, sendo sempre convidado em muitas cerimônias lusitanas.

Em 2004, a Câmara Municipal de São Paulo, Palácio Anchieta, outorgou-lhe o “Titulo de Cidadão Paulistano” e em 2011 a mesma Casa, homenageava-lhe com a honraria “Salva de Prata”, por serviços prestados à comunidade jardinense. O Centro das Tradições de Santo Amaro, Cetrasa, outorgou-lhe o “Troféu Botina Amarela” em 2012.
Essa trajetória foi coroada com o reconhecimento da Igreja e Padre Edmundo foi recebido pelo Papa João Paulo II, em Roma.

Pertence a Venerável Irmandade de São Pedro dos Clérigos da Arquidiocese de São Paulo. Padre Edmundo da Mata e a Paróquia São Luís Gonzaga confundem-se com toda a história do bairro Jardim São Luiz, sendo que irá completar bodas de ouro de sua ordenação em festa programada para 07 de dezembro de 2013, às 19h na Paróquia São Luís Gonzaga, sito à Rua Antonio da Mata Junior, número 80, Jardim São Luiz, onde devem estar presentes representantes eclesiásticos e autoridades governamentais, além, evidentemente, da população que o saudará. Deveria entrar para o livro dos recordes, pois permanecer meio século em uma paróquia é algo “sui generis”!
Parabéns Bita!

Hoje, 15 de julho de 2022, com pesar comunicou-se o passamento pela vida terrena, do pároco e vigário da Paróquia São Luiz Gonzaga, padre Edmundo da Mata. Que Deus lhe acolha, com o toque das trombetas, anunciando um justo em nome da ressurreição, em Jesus Cristo, Filho do Deus Supremo. 


sexta-feira, 15 de junho de 2018

Geraldo Maier, o Mecenas do Atletismo: Santo Amaro e Jardim São Luiz

História publicada, em 27/03/2013, REVISADA 


Houve um tempo, que na região de Santo Amaro existiram mecenas no atletismo. Em Santo Amaro, no Jardim São Luiz, houve um homem, que aparentemente não parecia ter os dotes de um verdadeiro esportista: era meio atarracado com um bigode bem aparelhado e emparelhado com lâmina de barbear Gilette azul, com se falava antes, mas que possuía o tino para incentivar o esporte, mais precisamente o atletismo, em uma época em que não era moda este tipo de esporte.

Seu nome era Geraldo Maier, possuía uma pequena fábrica de tubos de concreto, uma novidade à época, pois muitos possuíam poços que eram perfurados por posseiros e para não desbarrancar, ou a pessoa "entijolava" o poço até a metade, ou colocava esses tubos quando possuía "posses", para evitar desbarrancar quando a á água era muita e aflorava subindo em direção à superfície.

Hoje virou uma febre participar de eventos incentivados pelas várias federações, empresas ou por governos de todas as esferas e tem até calendário anual deste tipo de prova, mediante uma taxa de inscrição, parecendo entre muitas a Corrida do Trabalhador, o Circuito Corujão, Meia Maratona, Maratona São Paulo, Sargento Gonzaguinha, Troféu Cidade de São Paulo, Troféu da Independência, Corrida de Natal, somada a tantas outras e a mais famosa que fecha o ano, e foi instituída pela Fundação Cásper Líbero, proprietária da rede de rádio, televisão e jornal, em São Paulo: a São Silvestre.

Naquele tempo existiam esporádicas corridas por São Paulo e uma delas era patrocinada pelo senhor Geraldo Maier, no bairro do Jardim São Luiz, em Santo Amaro. Estas provas eram denominadas "Prova de Pedestres Geraldo Maier" e eram convidados grandes agremiações do gênero como o Clube de Regatas Tietê, o Esperia, Pinheiros, Corinthians além de haver a participação assídua de muitos atletas locais que afluíam de todos os recantos de Santo Amaro para participarem do evento aguardado no início do mês de dezembro de cada ano e sem adesão obrigatória através de pecúlio por parte do atleta, bastava dar o nome.

Era uma festa anunciada nos jornais locais e o bairro ficava repleto de bandeirolas coloridas enfeitando a partida onde se dava o "tiro" de início das competições em categorias distintas, infantil, juvenil e adultos. O palanque era todo em madeira, sem muita pompa, e faziam arcos do bambu nos quatro cantos, onde ficavam os troféus e eram tocadas marchinhas por uma banda.

Certa vez, com todos esses convidados presentes ao evento participou o jovem Macalé muito conhecida do Jardim São Luiz; bem folclórico, possuía porte atlético, muita ginga e muita pilantragem, e deste modo foi recebido entusiasticamente pelos presentes.

Começando a disputa ele ficou na "rabeira" e na Estrada de Itapecerica pegou uma carona em uma "Lambretta", o motociclo italiano "sensação" da época. Evidente que passou todos que estavam à sua frente e chegando à bifurcação da Capela Nossa Senhora da Penha o jovem Macalé "apeou" da moto que seguiu seu trajeto para Santo Amaro e ele descansado do "passeio" continuou a correr pala antiga Avenida São Luiz, hoje Avenida Maria Coelho Aguiar, onde se localiza o Centro Empresarial de São Paulo, subindo em direção ao antigo ponto final do ônibus do Jardim São Luiz, chegou em primeiro lugar ovacionado pela multidão. Muito malandro subiu no palanque e ousou erguer a taça de primeiro lugar, a de campeão. Os primeiros colocados foram chegando um a um e desmascararam o "vencedor", dizendo tê-lo visto passar em uma lambreta! Naquele tempo ainda não havia os pontos de registro, chips, mas o idealizador da prova o desclassificou por usar meios ilícitos.

Pode-se iludir alguém por algum tempo, mas não por todo o tempo! 

A festa era de todos que tinham pertencimento e identidade com o lugar, todos os vizinhos se conheciam e participavam dos eventos. Um dia a fábrica fechou, os tubos não foram mais produzidos e as provas pioneiras de atletismo da região partiram com o senhor Geraldo Maier.


O Coreto da Praça de Santo Amaro, São Paulo

História publicada em 20/09/2012 link:


Santo Amaro expande-se, mas o que é feito de sua história? O coreto de Santo Amaro na Praça Floriano Peixoto está em "obras" e com as devidas proporções fui rever em outras paragens aquilo que demarca (ou demarcava) as cidades do interior paulista: o coreto na praça!

Deparei-me com um coreto acolhendo músicos das bandas tradicionais do local e a praça repleta de pessoas em um caminhar dos antigos "footing" das praças, um vai e vem dos enamorados, de repente, caí na real sobre a Praça de Santo Amaro: está toda gradeada, tem um monumento ao poeta Paulo Eiró, idealizado pelo artista Julio Guerra, que é cercado por um espelho d'água, que não tem água e um coreto com tapume reformando para quê? Há muito não tem banda, nem uma música sequer ecoa do coreto, até os sonoros pássaros não gorjeiam mais ali, mudaram para algum outro lugar e que não é mais em Santo Amaro. Os administradores não "vivem" Santo Amaro sabem por quê? Porque eles não são de Santo Amaro, como podem ter pertencimento e identidade com o local! Não há sentido ter coreto sem apresentação de música e "eles" estão reformando para quê?
Fica a sugestão: acabem de vez com aquilo que restou de Santo Amaro, desliguem os aparelhos deste doente terminal, falta pouco para tudo acabar! Ah, ia esquecendo: aproveitem derrubem também a Matriz, ela é um estorvo para o "progresso" e a expansão imobiliária local, aliás, ela não tem nenhuma função religiosa na atualidade e ela é "simplesmente" a Catedral oficial de Santo Amaro e está prestes a cair por si mesma, será um grande tombamento! (O contexto  acima exposto foi escrito no ano de  de 2012 e deve ser entendido  como tal e hoje a Matriz é o "marco zero de Santo Amaro" e está totalmente recuperado esse patrimônio histórico!!!)

O Carrilhão ainda vai repicar os sinos no Campanário da Matriz de Santo Amaro!

História publicada em 13/12/2012 link:


Faz um bom tempo que os paroquianos da diocese de Santo Amaro ficaram alijados de seu símbolo religioso, por vários motivos aquela que foi elevada a Catedral em 1989, por intermédio das atribuições competentes do representante máximo da igreja à época, Papa João Paulo II, juntamente com as Dioceses de Campo Limpo, Osasco e São Miguel Paulista, desmembradas da Arquidiocese de São Paulo.

Necessitava a Catedral de Santo Amaro de reparação urgente em sua estrutura física, cabendo antes uma interferência em sua cobertura, para evitar maiores estragos por infiltrações de umidade que deterioraria um conjunto ainda sustentado por uma tecnologia do século 19.

Urgia interferência, tanto porque Santo Amaro desde muito comporta uma demanda de veículos ao redor do Largo 13 de Maio, no coração de seu eixo histórico, que, aos poucos foi abalando o entorno que não suportava essa enorme afluência veicular e as escavações metroviárias. Mas a matriz galhardamente resistiu ao tempo, suportou uma série de transformações ao seu redor até a chegada da linha Lilás - 5 do metrô de São Paulo. Muita tecnologia de ponta foi usada para essa interferência de modernidade e com a chegada do metrô foram feitos estudo de solo, encontrando-se os trilhos da antiga linha de bonde de Santo Amaro, finda em 27 de março de 1968. O setor de arqueologia diante das circunstâncias fez prospecção das várias camadas de solo em conjunto com um departamento terceirizado pelo metrô incumbido da historiografia local, embora requerido estes estudos finais, jamais foram disponibilizados estas ações pelo metrô.

A Matriz de Santo Amaro é um símbolo com todo seu arcabouço religioso através destas estruturas que foram reforçadas pelo contexto de participação na região de Santo Amaro. Muitos vinham de outras regiões participarem das festas de fervor, como do Divino Espírito Santo, da Santa Cruz, Natividade e outras mais.

O frontispício da matriz volta-se imponente a olhar de sua altura o local de Jurubatiba ou Geribatiba, donde as primeiras canoas afluíram e aportaram nas margens do rio Pinheiros, em 1552, indo depois mais à frente fundar uma das maiores metrópoles do mundo moderno: São Paulo. Por ordem de El Rey com aval religioso do jesuíta Manoel da Nóbrega, confirmado por José de Anchieta e com primeira missa feita por Padre Manoel de Paiva. Um dia volta José de Anchieta aos campos da Vila de Santo Amaro e assim "batiza" e oficializa a primeira missa de Santo Amaro em 15 de janeiro de 1560!

Uma pequena vila local de passagem de quem subia a Serra do Mar ou por ela voltava ao litoral, no seu elevado mais baixo, de aproximados 400 metros, foi parte de um estilo próprio de um caipirismo enraizado do abandono do caboclo nas matas, do matreiro desconfiado, matuto da labuta da enxada, mas que não deixava de caminhar com sua mula e prole "embornada" nos jacás das mulas para orar ao pé dos retábulos referidos por Miguelzinho Dutra, retábulos esses que um dia tomou o rumo da capital por ordem de Dom Duarte Leopoldo e Silva para fazerem parte do acervo religioso e hoje conservado no espaço do Museu de Arte Sacra de São Paulo, na "Sala Santo Amaro", na Avenida Tiradentes, 676, Luz.

Os vários órgãos governamentais de preservação precisam olhar todo acervo ainda existente, antes que os mesmos se tornem lembranças de uma época, e, que o "tombo" não seja mera referência documental de secretarias, que tenham atribuições de conservação!

Era anunciado no jornal "Polyanthéa", em 01 de novembro de 1924, as obras da Matriz de Santo Amaro: número consagrado as festas da inauguração da Nova Matriz, dando por completado os esforços de uma comissão que "representa o maior monumento de nossa terra, estão concentrados os sentimentos mais íntimos e puros da população". Muitos elogios se poderiam elencar neste espaço, mas não cometendo injustiças da falta de evocação de um ou outro que muito contribuiu para que pelas portas novamente entrasse "A Luz", fazemos aqui uma menção de agradecimento aos santamarenses natos e aqueles que são de coração e que encontraram neste rincão, de boca de sertão, primeira entrada do "sertão paulista", um acolhimento digno onde o pertencimento é marca registrada e deve ser mote de quem em Santo Amaro vive!

As duas obras de vulto no restauro da Matriz de Santo Amaro foram feitas com datas definidas em 1924 (documentos da época) e agora em 2012, no dia da Imaculada Conceição, em uma distância de 88 anos e que ainda há de ser completada com o carrilhão repicar os sinos no campanário em sinal da presença da fé dos botinas amarelas!

Vide fotos em:

Caipira de Taquaritinga para Santo Amaro, São Paulo

História publicada em 17/03/2009


Taquaritinga, antiga Ribeirãozinho, é uma bela cidade do interior paulista, que fazia parte do circuito da produção de café de São Paulo e se ligava à cidade de Araraquara pela Estrada de Ferro Araraquara S.A., E.F.A., e a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, C.P.E.F.

Uma coisa curiosa eram as bitolas; a Paulista tinha 1,60 metros entre trilhos, denominada bitola larga, e a ferrovia Araraquarense tinha 1,00 metro, denominada bitola métrica, o que era dificultoso, pois no encontro das composições em Araraquara era necessária baldeação de pessoas e carga! Foi baldeando novamente em Jundiaí, que voltava a ser bitola de 1,00 metro, que a família chegou em São Paulo.*

Para chegar ao destino, Santo Amaro foi completado pelo bonde 101, lugar tão próximo nos costumes e semelhanças ao interior do Oeste Paulista. Se houve baldeação foi por logística do sistema com a linha do bonde 102, Indianópolis, auxiliar da linha de Santo Amaro, mas não foi por culpa de bitola dos bondes, pois ela possuía 1,435 metros, denominada bitola internacional.

A nossa primeira casa foi construída, pelo "véio" de "tauba"**, no Jardim São Luiz, sub-distrito de Santo Amaro. Eram somente dois cômodos: uma cozinha bem pequena que "mar" cabia "trêis" pessoas, e o chão era todo de terra batida. O dormitório ficava elevado da cozinha uns trinta centímetros, bem forrado com piso assoalhado.

O pai "durmia" cedo e acordava com o "baruio" dum galo escandaloso, que era o dono do terreiro, mas que funcionava como um despertador. Quando clareava já sentia o "chero" do Moquinha, um café que perfumava a casa toda, entrando pelas narinas, "num dava pra resisti", "sartava" rápido da cama de pau roliço e colchão de capim, que era conformado pelo corpo, e de vez em quando "sentava a ripa" nele pra "indireitá", mas não tinha conserto, pois o danado tinha uns arames montados que não tinha jeito de acertar.

Corria pra cozinha pra modo de "iscutá o véio". Em cima da mesa emparelhada com duas "tauba" bem plaininha que sustentava dum lado um rádio americano de marca "Bell", enorme e cheinho de umas "varvula", com um som que ia e "vortava", um chiado danado, que já tava viciado na estação em que tocava direto música caipira, de viola, umas mais bonitas que outras.

Hoje em dia tem dupla de tudo quanto é jeito, um monte que se intitula sertaneja, de boca de sertão, mais é outro tipo, não nasceu de roça, nasceu em estúdio. Naquele tempo a música de som era de viola chorada, o pai ficava paralisado, quase nem piscava, olhava num sei pra onde, esboçava "cantá", mais num era o forte dele. Tinha uma predileção por Tônico e Tinoco, quando era os dois, ele prestava mais atenção.

Com a luz saindo dum candeeiro, com um pavio sobre um copo d'água aceso formava a lamparina que "alumiava" a cozinha com uma penumbra, e o pai juntava as mãos formando uns "par" de bicho na parede, que tinha movimento e ficava perfeito, muito bonito, na minha imaginação eles eram reais. Uma toalha de algodão forrava a mesa, sobre ela uma broa de casca dura, regado a goles do café, às vezes com leite, entregue em carroça por algum vaqueiro que fornecia de porta em porta, quebrava o desjejum.

Depois disso, o pai se dirigia pra pegar sua bicicleta no barracão de ferramentas. Eu o seguia de perto com o nosso cão de raça "vira lata" de nome "Flai". O pai colocava nas pernas das "carça" umas presilhas pra num "prende" na corrente; um chapéu de palha surrado completava a vestimenta. Dirigia-se até o portão que estava abaixo do barranco uns três metros da rua de terra, que virava barro nos dias de chuva. Despedia, sumia no "finar" da rua.

Soube, com o tempo, que o "véio" foi um grande "construto", ajudou São Paulo a crescer, levantou a igreja do Brooklin, do Socorro, espremida na atual Robert Kennedy, que já teve o nome bonito de Atlântica, subiu alguns arranha-céus na Avenida Paulista, fez junto com um montão de amigo dele o Círculo Militar do Ibirapuera. Naquele tempo o crescimento da cidade também derrubava as construções antigas, às vezes umas taperas, às vezes prédios grandes, nunca entendi muito bem sobre esse "tar" de progresso, que destrói e reconstrói.

Depois eu era aprumado pra ir pro grupo escolar, a mãe alinhava pra eu um dia "ser gente" outra dificuldade, e perguntava se eu não era quando seria?

Saía eu num sereno danado, uma neblina que fazia "fumacinha" ao respirar. Na "volta do estudo", ensarilhava uns baldes de água tirada do poço, para encher a moringa de barro pra água ficar fresquinha. Depois saía pro campos, no meio do mato, "sorto" como passarinho, cruzando às vezes com um gato do mato, "bravo toda vida", que mais tarde eu aprendi que tinha um nome mais bonito, jaguatirica, que quando acuado "trepava" nas galhadas das árvores, ou sumia no mato.

Certa vez vínhamos subindo no morro que cortava caminho, vindos de feira livre, tropiquei numa cobra de vidro. No grito a mãe soltou a sacola de lona, rolando legumes morro abaixo, saindo na disparada, a "bicha" nem ligou pra "nóis" e saiu rastejando pras moitas de sapé.

Outro bicho meio danado era o teiú, que gostava de invadir galinheiro e chupar ovo. Às vezes dava de cara com um "bitelo", bem grande, que saía chicoteando o rabo pro meio da horta, sumia. Servia para alguma panelada de fim de semana, hoje "nóis" ia tudo preso.

Eram os dois, cobra e teiú, reconhecidos como grandes predadores de roedores, que por vezes serviam-se num paiol com a reserva de milho para a criação. A palha de "mio" seca servia pra ser alisada por algum "cutelo", que com o fumo de corda dava um "pito" de primeira.

Certa vez furei o pé correndo descalço no meio de madeiras velhas, atravessou de fora a fora, uma dor "danada". O remédio foi o sumo amarelinho do fumo de corda, pilado e esparramado num paninho alvo e amarrado bem firme, pra puxar o "veneno" da ferrugem. Sarei, não morri, senão não iria "escrivinhá" estas asneiras.

Neste "linguajar" popular, aprendido entre o povo, saído devido ao descaso com o sistema educacional abandonado à própria sorte, foi aprendido por aqueles que tinham somente a obrigação de trabalhar sem mais nenhum direito. Disto advindo uma expressão linguística que se não reconhecida entre catedráticos, era bem realista e de maior respeito. Carregam a letra "r" ou faz a troca do "l" pelo "r", ou a supressão do dígrafo em que milho é "mio", que ele planta com sua ciência que jamais foi aprendida, mas observada no "silêncio caipira" de como se faz, e se repete a ação de jeito simples, sem muito rodeio. Tenho muita saudade do caipira do pai, o "veio" Ernesto.

Recolhi depoimentos de familiares, li e reli textos muito bem elaborados, escritos em "www.saopaulominhacidade.com.br". Relatos de viagens e paisagens existentes que se vislumbrava pela janela pela beleza da natureza local, e a distância a ser vencida entre São Paulo e Santo Amaro, palco de dois momentos significativos, interior e capital. Qual a relação há entre estes dois momentos?

Nossas vidas!

* Registra-se que o metrô linha 4, amarela, entre Luz e Vila Sônia, terá bitola padrão internacional, de 1,435 metros, como os antigos bondes, sendo que as demais são de 1,60 metros, bitola larga. "Vamos baldear" nos 70 quilômetros do metrô! Acabaram as ferrovias de transporte de passageiros, faliu-se a Mafersa e Cobrasma, importaram trilhos poloneses, quem sabe os trens de alta velocidade, mais de 300 quilômetros por hora, construídos pela Alstom francesa, com bitola ibérica, de 1,674 metros, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, seja a solução dos transportes para o progresso das cidades!

** As expressões tratam-se de um modo corriqueiro do falar caipira, trata-se de uma variação do dialeto da língua portuguesa fortemente influenciada pelo nheengatu, ou língua geral, do tempo da colônia, perdurando até hoje.

Um meteorito caiu em São Paulo e meu amigo do Navio Windhuk

História publicada em 09/04/2009 link:


Meu amigo Bubele, apelido carinhoso de criança, era um alemão pesquisador da natureza, que fez parte da tripulação do navio Windhuk, que no auge da Segunda Guerra Mundial aportou em Santos, sendo a embarcação confiscada pelo governo de Getúlio Vargas.

Morava em Parelheiros e sua sala era composta por uma biblioteca com algumas preciosidades, em que ele, na sua vontade em aprender cada vez mais, extraía informações de seus livros. Falava que ali perto havia a Cratera de Colônia, nome de uma cidade da Alemanha, nome dado pelos imigrantes alemães também neste local em São Paulo, que os acolheu em 1827, quando tudo isto era Santo Amaro. Parelheiros está localizado entre o bairro do Grajaú e Marsilac, já próximo da encosta do litoral paulista. A cratera tinha sido resultado de um impacto raro há alguns milhões de anos, feito por um meteorito, caso "sui generis", talvez único até no continente sulamericano.

Suas cercanias atualmente estão voltadas a estudos de preservação do meio ambiente e a condição da habitação, afinal os pássaros têm ninhos, as raposas têm tocas e o homem também necessita de moradia. Esta área foi gradativamente assumindo características de um bairro de quarenta mil habitantes, que vivem na cratera formada pelo impacto deste meteorito, possuindo dimensões de mais de três quilômetros de diâmetro com profundidade máxima de quatrocentos metros, com características do solo de terra escurecida diferenciada de toda existente em toda região, que atraiu a pesquisa científica, recolhendo amostras para análise do local e retirar alguma conclusão do fenômeno.

Neste local, nas proximidades referidas, fomos trabalhar para a indústria fabricante de bicicletas "Caloi", no Centro de Detenção Provisória de Parelheiros, ladeado pela mata, cercado por altas muralhas, com arame farpado e corredor de vigia. Fazíamos manutenção de mesas para montagem de raios em seus respectivos aros das rodas, que eram recolhidos por caminhão baú, no fim da tarde. Grandes portões separavam os pátios, onde no primeiro havia pequena criação de carneiros de lã marrom, e num segundo portão, depois de passar por detectores de metais, entrávamos na área de trabalho do presídio. Era uma verdadeira produção planejada, dando aos detentos o direito de cada três dias trabalhados recuperarem um dia da penalidade.

Tudo isto estava ali aos nossos olhos, próximo daquela bela vista verdejante, observávamos o local desta peculiaridade de proporções gigantescas do impacto, que nos tornávamos tão pequenos no espaço de onde surgiu o fenômeno.

Os projetos de preservação para este lugar natural, que os moradores possuem carinho todo especial pelo local, está fazendo parte da rotina de muitas pessoas que sabem, inclusive, da real importância e da necessidade de preservação ambiental e do seu valor histórico do local, denominado condomínio Vargem Grande; podendo ser área turística sem acarretar prejuízos futuros aos moradores e fomentar o potencial econômico com desenvolvimento sustentável, habitado por trabalhadores paulistanos.

Meu amigo foi embora para o céu, de onde veio o meteorito, lá ele deve estar contando estas belas histórias da Terra, inclusive da Cratera da Colônia!

Benzedeiras, Criações e Parteiras: Bairro Jardim São Luiz, São Paulo

História publicada em 23/07/2008 link:


Naquelas paragens do bairro incipiente, com ar interiorano do Jardim São Luiz, no final da década de 50, médico era artigo de luxo e criança era tratada com chás de mato herbário, que curava muitos males, amém!

Nas hortas, comuns em todas as casas, haviam couves, cenouras, pimentões e amoras pretas que não davam tempo de madurar, pois "zóio de criança é maior que a barriga", práticas comuns para o básico familiar de verduras e legumes, também eram cultivadas plantas de medicina caseira, erva cidreira, mato santo, hortelã, arruda, carqueja e tantos outros quanto necessários que foge o nome. O amargo boldo, ruim que nem fel expulsava e purgava toda bicha intestinal. O moleque, meio amarelo, magrela era logo empanzinado de uma pancada de coquetel de ervas, que nem se sabia qual curava.

Era no meio de tudo isso que estava outro segredo escondido: a cura das benzedeiras, criaturas que viviam a fazer o bem ao seu modo.
Dizia toda mãe: “Dona Maria benzedeira, veja lá esse rebento mirrado.” A velha senhora com toda sua sabedoria, ao redor dela, mãe e cria, ou melhor, uma “renca de fios", que mãe de hoje, em cidade grande, não agüentaria. Sentava o “bichinho” no colo materno e benzia, em frente ao moleque meio moribundo, proferindo uma reza incompreensível, que curava porque somente Deus entendia e escutava as benzedeiras de uma maneira que só vendo pra crer.

Ela recorria àquela ladainha, com muito santo ao redor, a segurar na fronte da criança a imagem da Virgem Maria, e, de repente o conforto para a criatura era tanto que se largava nos braços da mãe, aliviada calmamente dormia. Depois a benzedeira se despedia mãe e filho, cumprimentando com a mão calejada pelo trabalho e pelo tempo, dizendo: “Vai pra casa, Deus acompanhe!”.
Essas rezas salvaram crianças e alentaram muitos pais, quebraram muito mau-olhado, quebrante e bucho virado. Onde quer que estes bem feitores estejam hoje, pelo bem transmitido sem cobrar um centavo se quer, acreditamos que tenha sido reservado por Deus, um bom olhado!

Seguindo a ladainha de cria, criava-se tudo: pato, galinha, marreco, porco e tinha até animais que precisavam de grande espaço, como vaca e cavalo, que viviam soltos, assim como eram soltas, mas responsável, nossas vidas.

Porca era coisa de engordar para a festa de Natal, no fim do ano. Precisava cuidar fazer a bicho ficar "taluda", gorda, bonita. Tinha porca que nem se mexia de tão "parruda", por só mastigar, comendo milho, abóbora, as folhas e legumes que o pai plantava. E tudo quanto lá se "punha" a bicha engolia.

Num dia de festa trouxeram a maior porca que tinha no chiqueiro. Chamou-se no morro um especialista em "furar porco", que veio com uma faca bem comprida e pontuda, um punhal, e o ritual começou. Um corre-corre de homens e mulheres, aquecer água, preparar uma prancha de madeira para deitar a bicha, e um só golpe, debaixo do sovaco da coitadinha, de quem, diga-se de passagem, não se podia ter dó, pois senão não morria. Um grito de porca estridente, água quente preparada e um “depelar” de couro com navalha, ficava bonita, toda branquinha.

Corta pra cá, corta pra lá, separa a banha pra fritura, o “fato pro sarrabulho” dos portugueses, ou o sarapatel dos baianos, o pernil pra assar, o carrê pra costelinha. E, com todo o cuidado, a bichinha foi sendo esquartejada ou "debulhada", como alguns comentavam.
Depois de tanto esforço os homens brindavam com uma "cachacinha madurada” d’um barril de carvalho. Era festa simples e pura, na ajuda mútua de um bem que não tem preço.
O chiqueiro era lavado de tempos em tempos, mas mesmo assim exalava cheiro forte e a política da boa vizinhança era o melhor remédio. O que não serve para você não serve para o outro, e como dizia o velho: “quem gosta de sujeira é o homem”. Com o tempo o chiqueiro foi desativado.

Num belo domingo, nossa casa estava uma bagunça. No poço d'água o pai colocou uma bomba enorme, antes das famosas bombas Rymer. Com um motor e uma polia de transmissão acionava umas varetas grossas de aço, de seis metros cada uma, rosqueadas entre si por luvas de latão e que trabalhavam internamente em tubos, acionando uma peça de couro dentro de outra chamada cebola. Esse vai e vem da vareta dentro do tubo fazendo a sucção da lingueta de couro na cebola submersa na água, com o movimento do motor no volante, trazia água para cima. Era um mecanismo moderno e dispensava o esforço de tirar água no sarilho, que cansava os braços de tanto puxar água de poço com trinta e cinco metros de fundura. A modernidade chegava aos lares com a água encanada.

De tempos em tempos essas varetas enferrujavam e quebravam, não acionando a água para a superfície das caixas impermeabilizadas com piche e feitas de tijolo de barro. Por esse motivo estavam lá alguns homens para ajudar o pai a tirar para fora os tubos e varetas, e trocar a peça avariada. Puxa com o grifo, segura, puxa de novo, trava com a morsa, puxa mais uma vez e assim iam saindo, uma a uma, as barras de cano galvanizadas.

Naquele mesmo dia, corriam para cima e para baixo as mulheres com panos alvos, bacia e água de outro lugar, pois a bomba estava sendo arrumada e, naquela agitação toda, confundiam-se as vozes. Minha curiosidade voltou-se para o barracão das comadres e, na ousadia típica da criança, entrei na cozinha, que possuía um piso mais baixo que o quarto. Meus olhos arregalados se assustaram com um ritual jamais imaginável. Parecia que iam, naquela festa toda, matar a mulher que estava deitada na cama com as mãos agarradas a estrutura roliça da cabeceira, com uma toalha próxima a boca, uma bacia de água fervendo do lado e de pernas bem abertas, nua. Uma tal de parteira, especialista no caso, como o homem da faca que, no caso, era o especialista em porco, iria lhe arrancar o fato, quem sabe pro “sarapatel de gente”.

Nunca imaginaria que isso pudesse acontecer: de repente um choro de criança, a parteira segurando o feto (e não o fato) embrulhado numa toalha, e a mãe soando aliviada. Olharam pra mim, tão assustadas e espantadas quanto eu, que me pus a correr sem saber pra onde. Atravessei o canteiro onde os homens estavam consertando a bomba e suas varetas, sumi pelo terreno afora, atravessando a horta familiar e até hoje não voltei pra saber se arrumaram ou não a bendita bomba.

O que fiquei sabendo é que nasceu o Tonho, um menino forte e robusto, e que tudo aquilo era para alegria de sua querida mãe, pois, como sabemos, mãe é um bem-querer sagrado pelo dom de dar a luz a uma criança, mais especificamente um jardinense.

180 anos de Imigração Alemã em Santo Amaro, São Paulo

História publicada em 04/11/2009 link:

Freguesia de Santo Amaro e a Colônia Paulista: Núcleo Colonial Imperial
Um projeto do império português para povoar áreas desabitadas passou a ser prioridade, ligada ao desenvolvimento convidava-se outros países a apoiar a imigração para o Brasil, na tentativa de formar as bases para uma imigração organizada. Deste modo daria início à imigração alemã, movimento migratório ocorrido nos século dezenove para várias regiões do Brasil. Em 1828, por meio de uma portaria do ministro do Império José Feliciano Fernandes Pinheiro, visconde de São Leopoldo, originário de Santos, a Província de São Paulo recebia os primeiros colonos estrangeiros vindos da Alemanha para a Colônia de Santo Amaro. As causas deste processo podem ser encontradas nos freqüentes problemas sociais que ocorriam na Europa e a fartura de terras no Brasil.

A Freguesia de Santo Amaro já possuía uma economia de consumo local, e era formada por chácaras como de Francisco Antonio Chagas o Chico Doce, pai de Paulo Francisco Emílio de Sales, nome do grande poeta santamarense Paulo Eiró, do Fidelão, do Nardy e do pai do futuro barão de Tietê, José Manuel da Silva, primeiro e único barão do Tietê, que foi presidente interino da Província de São Paulo. Por ordem do Imperador D. Pedro I, o presidente da Província de São Paulo recebeu a incumbência por intermédio do decreto ministerial de 8 de novembro de 1827, de tomar todas as providências necessárias afim de poder abrigar um número considerável de colonos alemães, os quais chegariam, efetivamente, no ano seguinte à capital da Província. Tiveram que se adaptar na região numa característica tropical com os naturais que já possuíam desde tempos memoráveis aldeias indígenas e que ainda são denominações de referência local como as tribos Krukutu e a Tenonde Porá, localizadas na Estrada de Barragem e Morro da Saudade, incrustados como protetores de patrimônios ambientais da cidade, nos distritos de Parelheiros e Marsilac.

Os alemães chegaram a Santo Amaro por meio de embarcações. 149 famílias alemãs em direção ao Brasil, compreendendo 926 indivíduos, incluindo 72 não casados. Na Colônia de Santo Amaro, foram localizadas 336 pessoas. Na vila de Conceição de Itanhaém ficaram 39 pessoas, e 57 em Cubatão de Santos e algumas foram para outras regiões ou permaneceram na cidade e dedicaram-se a diversos trabalhos. Parte deles aceitou as propostas do Governo, acordados entre os dois países para acolhimento inicial antes do embarque na Alemanha, que eram as seguintes:

1) Cada família receberia uma doação de 150 morgen, medida de área tradicional alemã, onde um morgen era a área para trabalho de um homem em um dia. Um morgen correspondia a 400 braças quadradas, sendo uma braça quadrada correspondente a 4,84m2, logo um morgen seria equivalente a 1936 m2 medida antiga romana, a quantidade de terra que um homem podia arar em um dia com uma junta de bois atrelados ao arado.

Do exposto podemos definir que o acerto contratual entre os governos da Alemanha e Brasil à época, foi definido em 150 morgen, ou seja, 290.400 m2 o que representava 29 hectares de terra a cada qual disposto a vir arar terras virgens na região de Santo Amaro.

2) Cada pessoa adulta receberia ainda, durante um ano e meio, 160 réis diários em moeda e cada criança receberiam metade dessa quantia;

3) Bois, cavalos, ovelhas seriam fornecidos pelo Governo, devendo o valor desse gado, em moeda ou espécie, ser restituído dentro de quatro anos;

4) Os colonos que tivessem vindo por conta do Governo teriam isenção de impostos por oito anos e, os que tivessem pagado suas passagens, por dez anos;

5) Os colonos ficavam na obrigação de tomar armas, quando em caso de perigo fossem convocados pelo Governo;

6) Recrutamento obrigatório para as crianças;

7) O governo ficava obrigado ao pagamento dos honorários de médicos e padres, durante ano e meio. Outros colonos, geralmente os protestantes, não aceitaram essas condições e preferiram adquirir terras para cultivá-las logo que se apresentasse a oportunidade.

Havia uma sesmaria que anteriormente pertencera aos jesuítas, a algumas léguas de distância de Santo Amaro, perto da Aldeia de Itapecerica. Estes colonos não receberam subvenção nenhuma do Governo, além das terras, ficando entregues à própria sorte, o que os levou a um desenvolvimento vagaroso, mas seguro da Colônia. Decorridos alguns anos, os colonos já tinham adquirido certa independência e bem-estar, cultivavam suas terras e continuavam a trabalhar na sua produção agrícola. Esses alemães vendiam seus produtos na redondeza ou na Vila de Santo Amaro ou no mercado de São Paulo, construído na atual Avenida João Dias. Esta foi à tentativa de colonização mais barata que se fez, no decorrer dos tempos, em todo Brasil.

Foram inúmeras as dificuldades, desde o aprendizado do idioma português e dos hábitos da terra que escolheram para viver. Os mais velhos conservaram suas tradições e seus trajes tradicionais da terra distante. Não havia escolas para as crianças e a referência da própria língua foi se perdendo ao longo do tempo. Para os luteranos, típico do protestantismo que se seguiram na Alemanha do século dezesseis, as dificuldades eram ainda maiores; sem templos e pastores para celebração de sua religião, batizavam os filhos em igrejas católicas. Somente em 1.840, criou-se na Colônia o primeiro cemitério protestante e templo próprio.

Justiniano de Melo Franco, que falava alemão, foi nomeado diretor da colônia. Era formado em Medicina pela Universidade de Goettingen na Alemanha. Por Provisão Régia de 5 de novembro de 1821, foi nomeado físico-mor ou seja médico de São Paulo. Na capital paulista foi ainda diretor do Hospital Militar, inspetor geral da Vacinação e Comandante da Companhia de Cavalaria da Guarda Cívica, denominada "Sustentáculo da Independência Brasileira", criada por Dom Pedro I pelo decreto de 9 de setembro de 1822 logo após a proclamação da Independência. Ele representava os imigrantes, recebia suas queixas e sugestões, pagava-lhes os subsídios. Ficou também encarregado de escolher com o Governo um local para a instalação definitiva da Colônia de Santo Amaro.

Em 13 de dezembro de 1827, desembarcavam em Santos os primeiros imigrantes alemães. As localidades poderia ser em Juquiá, São Vicente, Itanhaém, Itapecerica, mas os alemães mostravam-se descontentes. Em 29 de junho de 1829, depois de acordos foram assentados no planalto de Santo Amaro, na então Província de São Paulo, os primeiros imigrantes alemães originários de Hundsrück, Estado da Renânia-Palatinado.

A opção imediata dos moradores era às atividades agrícolas, aumentando consideravelmente a produção de gêneros alimentícios para abastecer os centros urbanos. Em 1837, Santo Amaro era responsável pela produção de batatas no município de São Paulo, passando a ser considerado o "celeiro da capital", além de fornecer arroz, feijão, milho e mandioca entre outros gêneros alimentícios. Também comercializavam no mercado de São Paulo gado, aves, madeira e carvão.

Os alemães fundaram vilas como Cipó e Parelheiros, referência a parelhas de disputas entre cavaleiros alemães e caboclos brasileiros que já estavam nas proximidades, e que parece ter tido anteriormente o nome de Santa Cruz. Além disso, por ser localizada em matas naturais era de difícil acesso e por isso tiveram que abrir as primeiras estradas locais, como a antiga Estrada de Parelheiros. O economista Celso Furtado em seu livro "Formação Econômica do Brasil" cita que a causa dos problemas enfrentados nas colônias criadas pelo Governo Imperial era não terem um projeto de fundamentos econômicos, com subsídios parcos foram abandonadas e aos poucos foram perdendo seu caráter produtivo, evoluindo para simples economias de subsistência.

Mesmo assim, a região apresentou um espírito empreendedor, provendo-se de luz elétrica, além de abertura de outras estradas, como a idealizada por Henrique Schunck no início do século dezenove, localizado a sudeste da área, feita por José Reimberg, a Estrada do Periquito, em homenagem a seu apelido. Também outros em comum acordo de acesso foram abrindo picadas para o município de Embú-Guaçú, possibilitando a ocupação do vasto Sertão de Santo Amaro, termo usado à época para a localidade que tinha cursos d'água e proximidade com a imensa Mata Atlântica.

Alguns, devido ao conhecimento adquirido e trazido da Europa, sapateiros, ferreiros, e alguns que praticavam o ofício de cirurgião que na Europa era profissão considerada inferior, pois se praticavam amputações e era trabalho de grande esforço físico, bastando adquirir a "carta de cirurgião" para exercer a prática, eram estes os "médicos" de grande valia no local onde não havia médicos legais locais. Estes imigrantes precisavam se adaptar a um novo modelo de estrutura social diferente daquela exercida na terra natal, havendo um conflito de identidade deste deslocamento, com obrigações de cumprir as exigências constitucionais do Brasil independente havia criado sua Carta Magna em 1824.

Resultou assim uma característica impressionante de relações inter-raciais levando alguns alemães a se miscigenarem com caboclos locais espalhados pela região, processando a perda das características comuns, sendo até chamados caboclos louros, mas por outro lado, havia a compensação da criação de um novo modelo cultural adquirida por outras relações que não a original.

Reconhecimento e tributo nestes 180 anos da criação da Colônia Paulista aos Bauermann, Becker, Belz, Bohmer, Casper, Conrad, Christ, Emmel, Ficher, Foster, Gilcher, Glasser, Gottsfritz e outros tantos que tiveram grafias pertencentes anteriormente aos burgos alemães modificadas em alfândegas no Brasil, pois a unificação da Alemanha ainda não fora concretizada, e que se espalharam pelo interior paulista e fazem parte da bonita história da imigração alemã!

Parte deste texto foi pesquisada em obras dos professores Edmundo Zenha e Maria Helena Petrillo Berardi que estudaram em trabalhos acadêmicos a Colônia Alemã em Santo Amaro e compêndio de pesquisa do Instituto Martius-Staden sobre a colonização alemã em São Paulo, além de nomes registrados de navios aportados em Santos.