AS TERRAS DEVOLUTAS
PAULISTANAS E SUAS VÁRZEAS
São Paulo por natureza
possui uma grande bacia hidrográfica que se espalhava em torno da cidade. Vemos
que o núcleo indígena onde estava assentado o aldeamento do cacique Tibiriçá,
anterior a fundação do colégio jesuíta onde se iniciou as bases da primeira Vila
na Boca do Sertão, esta baseada e entre rios que se espalha no vale Anhangabaú,
Tietê e Tamanduateí, além de pequenas artérias de sustentação do sistema hídrico.
Esses rios possuíam áreas de transbordo em períodos das cheias: as várzeas.
Quando o núcleo central começava a ter um adensamento foi necessário transpor
as barreiras desses rios e passar ao outro lado criando núcleos menores. A
cidade de São Paulo duplica sua população de 1872 a 1890 passando de 30 mil
habitantes para 60 mil. Urgia, agir, pois a ocupação era totalmente irregular e
desordenada.
João Theodoro Xavier de Matos do
partido conservador foi nomeado pelo imperador Dom Pedro II,em 11 de dezembro
de 1872, para presidência da Província de São Paulo, tomando posse em 21 do
mesmo mês. Consta ter sido um grande administrador, ganhando a cidade de São
Paulo impulso notável, estimulando fazendeiros e capitalistas a expandir seus
negócios no oeste paulista, mas manter suas residências próximas das demandas
cafeeiras da bolsa implantadas na cidade, vendo-se próximos desse escoamento de
produção.
Torna-se um divisor
entre um momento que a cidade provinciana, recebendo ares modernos e de grande
produtora do setor cafeeiro. São Paulo necessitando de espaço para seu
crescimento urbano cria através de seu administrador João Teodoro, novas áreas
de expansão ligadas por vias de acesso entre a parte alta e baixa da cidade,
saneamento básico de água e esgoto, cria a Caixa Econômica (Imperial) e lança a
pedra fundamental para a construção do monumento a Independência no Ipiranga.
Affonso d’Escragnolle
Taunay enaltece sua importância histórica para a Cidade de São Paulo e reforça
ainda: “Acontecimento de maior relevância veio a ser a instalação solene a 3 de
fevereiro de 1874 do tribunal de Relação de São Paulo, formando a corte
constante de sete desembargadores. Assim a justiça paulista ganhava um tribunal
de segunda instância, para julgar recursos contra decisões dos juízes do
Direito das Comarcas das Províncias”.
As tendências do
sistema urbano paulistano estavam voltadas pelo modelo de ajardinamento,
bulevares, além de uma arquitetura estética que muito abarcou do modelo
europeu. Nas estações ferroviárias, foram implantados o sistema dos ingleses, definido
como “square”. Deste modo o sistema “square” de ajardinamento foi usado para o
modelo urbanístico de praças da cidade, sendo implantados coretos, quiosques,
ornamento de fontes com cascatas, além de abertura e ampliação de vias públicas
dotadas de paralelepípedos no calçamento das mesmas e ampliando os antigos
largos dando-os novas formas, como o Largo dos Curros, que depois recebeu o
nome de Praça da Republica, com o advento desta. O Largo da Sé, e outros
tantos.
São Paulo possuia em
seu código de posturas núcleos inspirados em princípios da legislação de terras
de 1850, apresentando um centro com lotes urbanos rodeados por terras que se
dividiam em lotes agrícolas. Muitas propriedades foram concedidas ao longo da
estrada para Santo Amaro e o Caminho Velho. Ainda era indefinido o sentido da
direção do Gasômetro. A indefinição foi prolongada até 1875 quando a Província
de São Paulo teve aprovadas pela assembleia, os recursos para obras onde datas
(terrenos) não se recebiam mais por cartas, pois as grandes levas de imigrantes
já adquiriam por pagamento de foro anual (aforamento) que já estava em vigor no
código de posturas de 1875, que previa cobrança pela outorga da carta de datas.
Pelo decreto 528 de 28 de junho de 1890 houve a regulamentação dos burgos
agrícolas, num afastamento do núcleo central determinando os subúrbios de
prestação de serviços agrícolas e pastoris.
Dividiu ainda a comarca
judiciária da capital, em ato de 12 de fevereiro de 1874, em dois novos
distritos, a saber:
1º distrito: Sul da Sé;
Brás; Penha; Conceição de Guarulhos; São Bernardo e Santo Amaro.
2º distrito: norte da
Sé; Santa Ifigênia; Consolação; Itapecerica, Parnaíba e Juqueri.
Combateu as doenças
contagiosas que assolava pela Província, caso mais urgente da varíola, criando
o Instituto Vacínico em 28 de dezembro de 1874; Implantou ainda a Guarda
Urbana, predecessora da guarda civil. Depois de um mandato de 3 anos, após
governar a capital até 29 de maio de 1875, retornou a lecionar na Faculdade de
Direito de São Paulo e assumiu o posto o
novo presidente da província o Dr. Sebastião José Pereira.
Outros
governantes vieram e mantiveram a mesma política de crescimento, tentando
manter o urbanismo implantado, se não amplia-lo, ao menos conservá-lo na
cidade, e um intendente de obras assumiu o compromisso de dar nova diretriz
para São Paulo.
Foi Pedro Augusto Gomes
Cardim, anteriormente diretor do Correio Paulistano, como vereador, era
intendente de obras de São Paulo quando da realização da “Planta Geral da Capital” em 1897 e da regulamentação do loteamento
de Higienópolis. Foi um dos fundadores do Conservatório Dramático e Musical e o
principal idealizador, em 1925, da Academia de Belas Artes de São Paulo, tendo
sido seu primeiro diretor. Este currículo deu-lhe capacitação para se tornar o
Intendente de Obras do presidente(governador) de São Paulo, o dr. Manuel Ferraz de Campos Salles[2].
Com determinação deste planejamento,
definindo os arruamentos implantou a Vila Gomes Cardim[3],
apropriadas por Ricardo Medina que as loteou, visando discriminar as terras
devolutas em posse por concessão para dela obter recursos através da cobrança
de foros ou rendas e laudêmios, taxas de transferência de títulos. Assim a
Câmara definia procedimentos para preços sobre o uso da terra. Pela lei 323 de
22 de julho de 1895, o Estado de São Paulo determinava que as Câmaras
municipais arcassem com as despesas unicamente de medições e demarcações feitas
por engenheiros do Estado, definindo por um projeto lei 37 que a ação estava
diretamente ligada à expansão da cidade aproveitando terras devolutas
disponíveis, exigindo a organização de um Plano Geral da Cidade, definindo ruas,
avenidas, parques, jardins, mercados, fontes, canais, pontes, cemitérios,
viadutos, retificações ou transformações de terrenos e outras demais obras que
se fizessem necessário. Deste modo era
criada a Lei 264 de 20 de agosto de 1896, criando a Comissão Técnica de
Melhoramentos[4], subordinada
à intendência de Obras, assumindo o levantamento topográfico e os planos de
nivelamento e alinhamento de ruas para expansão do perímetro urbano em áreas
pouco habitadas. A “Planta Geral da Capital
de São Paulo”, de 1897, publicada no ano de 1898 é apresentada pelo presidente
da Câmara, coronel Antonio Proust Rodovalho, em discurso de 7 de janeiro de
1899:
“...a recente
publicação da planta da capital pela intendência de obras foi um passo dado
para chegar-se à perfeita averiguação da área ocupada por essa cidade, bem como dos terrenos de propriedade da Câmara,
os quais, em zonas inteiras, são mal conhecidos, conforme disse, em seu
relatório a Comissão Técnica de Melhoramentos”.(do relatório apresentado à
Câmara Municipal pelo intendente de Obras, Dr Pedro Augusto Gomes Cardim, em
1897)
A lei de 1895 e as
demarcações resultantes da planta definida de 1897 deu-se de maneira a que
medidas legalizassem posses e de títulos de glebas de terras e estipulava o que
era terras do patrimônio municipal e um maior controle administrativo visando
um planejamento urbanístico maior para a cidade de São Paulo.
Os mais desfavoráveis eram deslocados
em regiões ribeirinhas, inundáveis durante o período das chuvas, e muitas
destas terras foram adquiridas pelas companhias ferroviárias para ampliação de
suas malhas ferroviárias e que também atrairia as primeiras indústrias seguidas
das moradias populares da massa trabalhadora, por vezes construídas pelas próprias
companhias. Isso ocorreu no Brás, Pari, Mooca (cujos terrenos alagadiços de várzeas
já estavam sendo distribuídas aos imigrantes em 1876).
Com a expansão cafeeira
fica nítida a necessidade de um modelo que conduzia com o escoamento da
produção paulista que forçosamente escoava-se do interior pelo sistema de
ferrovias até alcançar o porto de Santos.
Antes de existirem
locais de recreação a cidade tinha como seus maiores atrativos os seus rios
onde se praticavam regatas, pratica de natação e pesca. Deste modo foram
aparecendo alguns pontos de preservação da área nativa, como o Jardim da Luz, o
Horto do Ipiranga e o da Cantareira. São Paulo necessitava ampliar em direção
as suas várzeas, e assume espraiar-se pelos lados da ladeira do Carmo,
retificando o rio que parece um empecilho, dono da várzea onde se situa seu
Porto Geral, o Mercado na Rua Municipal, depois General Carneiro, a Ladeira do
Carmo, depois denominada Rangel Pestana, com as águas margeando a Rua 25 de
Março, que possuía uma beleza natural e uma Ilha de encantos, constituída pelo
rio Tamanduateí, entre a Rua General Carneiro e a Ladeira do Carmo: A ILHA DOS
AMORES, que em 1870 teve seus alagados aterrados por ordens de João Theodoro Xavier de Matos!
TOLEDO, Benedito Lima. São
Paulo três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1981.
SIMONI, Lucia Noemi. A
Planta da Cidade de São Paulo de 1897: uma cartografia da cidade existente ou
da cidade futura. III Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica. Ouro
Preto, 10 a 12 nov. 2009.
http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm
PLANTA GERAL DA CAPITAL DE SÃO PAULO Organisada sob
a direcção do Dr Pedro Augusto Gomes Cardim – 1897 –Escala de 1:20.000.
OLIVEIRA, Fabiano Lemes
de. Modelos Urbanísticos Modernos e Parques Urbanos: As Relações entre
Urbanismo e Paisagismo em São Paulo na Primeira Metade do Século XX. Tese
Doutorado, março 2008.
CAMPOS, Sérgio
Romanello. Bridi, Carmen Lúcia. Dr. João Teodoro Xavier. Presidente da
Província de São Paulo. Edição da Câmara Municipal de Mogi Mirim. Outubro de
2002.
BARBUY, Heloisa. A Cidade-Exposição, Comércio e Cosmopolitismo em São Paulo,
1860-1914. São Paulo: Editora: Editora da Universidade de São
Paulo, 2006.
Plantas antigas da cidade encontram-se para download
no site da prefeitura:
1810: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1810.jpg
1841-B: http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1841b.htm
1841-B: http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1841b.htm
1881: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1881.jpg
1895: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1895.jpg
1895: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1895.jpg
1897: http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm
1905: 1905: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1905.jpg
1913: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1913.jpg
1916: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1916.jpg
1924: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1924.jpg
1943: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1943.jpg
1951: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1951.jpg
1952: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1952.jpg
De: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/index.php
1905: 1905: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1905.jpg
1913: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1913.jpg
1916: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1916.jpg
1924: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1924.jpg
1943: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1943.jpg
1951: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1951.jpg
1952: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1952.jpg
De: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/index.php
[1] O responsável pelo poder executivo
municipal chamava-se intendente e a prefeitura, intendência, uma
divisão territorial administrativa, cujo governante é o intendente.
O intendente foi um sistema de organização de origem francesa com a missão
primordial de fomentar o desenvolvimento econômico possuindo as atribuições de
justiça, polícia e finanças. Haviam funcionários às suas ordens denominados
“tenentes letrado”, com caráter diretamente ligado aos subalternos do rei e
exerciam suas funções em áreas territoriais que correspondiam a província (ou
“corregimientos”, organização castelhana), assumindo ainda o direito de nomear
“partidos ou distritos”, chamadas de subdelegações)
[2] Natural de Campinas formou-se em
Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1863. Republicano
histórico, subscreveu o Manifesto Republicano em 1870, sendo também um dos
realizadores da Convenção de Itu (1873). Como deputado provincial teve três
mandatos: 1868/1869; 1882/1883 e 1888/1889. Em 1885 foi deputado geral. No
Governo Provisório da República, em 1889 foi Ministro da Justiça. Antes do seu
primeiro mandato foi Senador da República, entre 1890 e 1896. Seu mandato
transcorreu de 01 de maio de 1896 a 31 de outubro de 1897, afastando-se para
candidatar-se à Presidente da República. Combateu novas epidemias de cólera e
febre amarela no Estado. Em sua gestão começou a operar em São Paulo o grupo
canadense Light and Power, explorando inclusive os bondes elétricos em
substituição aos puxados por burros. Reestruturou a Força Pública, zelou pelo
ensino. Como Presidente da República (1898/1902) saneou as finanças,
consolidando todas as dívidas numa só, num acordo realizado em Londres. Depois
disso, voltou a ocupar o cargo de Senador da República entre 1909 e 1913. Foi, ainda,
embaixador na Argentina entre 1911 e 1912.
[3] A Planta de 1897
reflete muito bem tudo o que vimos descrevendo. Confeccionada por ordem do
Intendente de Obras o advogado Dr. Pedro Augusto Gomes Cardim (1864-1932),
parece ter sido elaborada, no entanto, para atender mais os interesses particulares
do intendente do que o interesse público. O que adivinhamos por trás da
execução desta carta são os supostos negócios de Gomes Cardim, provavelmente
preocupado em convencer eventuais compradores de que o loteamento de sua
propriedade, denominado Vila Gomes Cardim, estava situado numa região já
bastante desenvolvida, entre a 5.ª e a 6. ª parada da Estrada de Ferro Central
do Brasil. Conforme análise do Arquivo Histórico de
São Paulo, http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm, acessada em 28 de setembro de 2008.
[4] Pela Lei 334, de 10 de janeiro
de 1898 foi extinta a Comissão, termo assinado pelo intendente Pedro Augusto
Gomes Cardim e o diretor Antonio Leal Stott.
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