quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A INTENDÊNCIA[1], A RETIFICAÇÃO DO TAMANDUATEÍ E A ILHA DOS AMORES

AS TERRAS DEVOLUTAS PAULISTANAS E SUAS VÁRZEAS

São Paulo por natureza possui uma grande bacia hidrográfica que se espalhava em torno da cidade. Vemos que o núcleo indígena onde estava assentado o aldeamento do cacique Tibiriçá, anterior a fundação do colégio jesuíta onde se iniciou as bases da primeira Vila na Boca do Sertão, esta baseada e entre rios que se espalha no vale Anhangabaú, Tietê e Tamanduateí, além de pequenas artérias de sustentação do sistema hídrico. Esses rios possuíam áreas de transbordo em períodos das cheias: as várzeas. Quando o núcleo central começava a ter um adensamento foi necessário transpor as barreiras desses rios e passar ao outro lado criando núcleos menores. A cidade de São Paulo duplica sua população de 1872 a 1890 passando de 30 mil habitantes para 60 mil. Urgia, agir, pois a ocupação era totalmente irregular e desordenada.

João Theodoro Xavier de Matos do partido conservador foi nomeado pelo imperador Dom Pedro II,em 11 de dezembro de 1872, para presidência da Província de São Paulo, tomando posse em 21 do mesmo mês. Consta ter sido um grande administrador, ganhando a cidade de São Paulo impulso notável, estimulando fazendeiros e capitalistas a expandir seus negócios no oeste paulista, mas manter suas residências próximas das demandas cafeeiras da bolsa implantadas na cidade, vendo-se próximos desse escoamento de produção.

Torna-se um divisor entre um momento que a cidade provinciana, recebendo ares modernos e de grande produtora do setor cafeeiro. São Paulo necessitando de espaço para seu crescimento urbano cria através de seu administrador João Teodoro, novas áreas de expansão ligadas por vias de acesso entre a parte alta e baixa da cidade, saneamento básico de água e esgoto, cria a Caixa Econômica (Imperial) e lança a pedra fundamental para a construção do monumento a Independência no Ipiranga. 

Affonso d’Escragnolle Taunay enaltece sua importância histórica para a Cidade de São Paulo e reforça ainda: “Acontecimento de maior relevância veio a ser a instalação solene a 3 de fevereiro de 1874 do tribunal de Relação de São Paulo, formando a corte constante de sete desembargadores. Assim a justiça paulista ganhava um tribunal de segunda instância, para julgar recursos contra decisões dos juízes do Direito das Comarcas das Províncias”.

As tendências do sistema urbano paulistano estavam voltadas pelo modelo de ajardinamento, bulevares, além de uma arquitetura estética que muito abarcou do modelo europeu. Nas estações ferroviárias, foram implantados o sistema dos ingleses, definido como “square”. Deste modo o sistema “square” de ajardinamento foi usado para o modelo urbanístico de praças da cidade, sendo implantados coretos, quiosques, ornamento de fontes com cascatas, além de abertura e ampliação de vias públicas dotadas de paralelepípedos no calçamento das mesmas e ampliando os antigos largos dando-os novas formas, como o Largo dos Curros, que depois recebeu o nome de Praça da Republica, com o advento desta. O Largo da Sé, e outros tantos.

São Paulo possuia em seu código de posturas núcleos inspirados em princípios da legislação de terras de 1850, apresentando um centro com lotes urbanos rodeados por terras que se dividiam em lotes agrícolas. Muitas propriedades foram concedidas ao longo da estrada para Santo Amaro e o Caminho Velho. Ainda era indefinido o sentido da direção do Gasômetro. A indefinição foi prolongada até 1875 quando a Província de São Paulo teve aprovadas pela assembleia, os recursos para obras onde datas (terrenos) não se recebiam mais por cartas, pois as grandes levas de imigrantes já adquiriam por pagamento de foro anual (aforamento) que já estava em vigor no código de posturas de 1875, que previa cobrança pela outorga da carta de datas. Pelo decreto 528 de 28 de junho de 1890 houve a regulamentação dos burgos agrícolas, num afastamento do núcleo central determinando os subúrbios de prestação de serviços agrícolas e pastoris.

Dividiu ainda a comarca judiciária da capital, em ato de 12 de fevereiro de 1874, em dois novos distritos, a saber:


1º distrito: Sul da Sé; Brás; Penha; Conceição de Guarulhos; São Bernardo e Santo Amaro.


2º distrito: norte da Sé; Santa Ifigênia; Consolação; Itapecerica, Parnaíba e Juqueri.

Combateu as doenças contagiosas que assolava pela Província, caso mais urgente da varíola, criando o Instituto Vacínico em 28 de dezembro de 1874; Implantou ainda a Guarda Urbana, predecessora da guarda civil. Depois de um mandato de 3 anos, após governar a capital até 29 de maio de 1875, retornou a lecionar na Faculdade de Direito de São Paulo e  assumiu o posto o novo presidente da província o Dr. Sebastião José Pereira.

Outros governantes vieram e mantiveram a mesma política de crescimento, tentando manter o urbanismo implantado, se não amplia-lo, ao menos conservá-lo na cidade, e um intendente de obras assumiu o compromisso de dar nova diretriz para São Paulo. 

Foi Pedro Augusto Gomes Cardim, anteriormente diretor do Correio Paulistano, como vereador, era intendente de obras de São Paulo quando da realização da “Planta Geral  da Capital” em 1897 e da regulamentação do loteamento de Higienópolis. Foi um dos fundadores do Conservatório Dramático e Musical e o principal idealizador, em 1925, da Academia de Belas Artes de São Paulo, tendo sido seu primeiro diretor. Este currículo deu-lhe capacitação para se tornar o Intendente de Obras do presidente(governador) de São Paulo, o dr. Manuel Ferraz de Campos Salles[2].

Com determinação deste planejamento, definindo os arruamentos implantou a Vila Gomes Cardim[3], apropriadas por Ricardo Medina que as loteou, visando discriminar as terras devolutas em posse por concessão para dela obter recursos através da cobrança de foros ou rendas e laudêmios, taxas de transferência de títulos. Assim a Câmara definia procedimentos para preços sobre o uso da terra. Pela lei 323 de 22 de julho de 1895, o Estado de São Paulo determinava que as Câmaras municipais arcassem com as despesas unicamente de medições e demarcações feitas por engenheiros do Estado, definindo por um projeto lei 37 que a ação estava diretamente ligada à expansão da cidade aproveitando terras devolutas disponíveis, exigindo a organização de um Plano Geral da Cidade, definindo ruas, avenidas, parques, jardins, mercados, fontes, canais, pontes, cemitérios, viadutos, retificações ou transformações de terrenos e outras demais obras que se fizessem necessário. Deste modo era criada a Lei 264 de 20 de agosto de 1896, criando a Comissão Técnica de Melhoramentos[4], subordinada à intendência de Obras, assumindo o levantamento topográfico e os planos de nivelamento e alinhamento de ruas para expansão do perímetro urbano em áreas pouco habitadas. A “Planta Geral da  Capital de São Paulo”, de 1897, publicada no ano de 1898 é apresentada pelo presidente da Câmara, coronel Antonio Proust Rodovalho, em discurso de 7 de janeiro de 1899:

“...a recente publicação da planta da capital pela intendência de obras foi um passo dado para chegar-se à perfeita averiguação da área ocupada por essa cidade, bem  como dos terrenos de propriedade da Câmara, os quais, em zonas inteiras, são mal conhecidos, conforme disse, em seu relatório a Comissão Técnica de Melhoramentos”.(do relatório apresentado à Câmara Municipal pelo intendente de Obras, Dr Pedro Augusto Gomes Cardim, em 1897)

A lei de 1895 e as demarcações resultantes da planta definida de 1897 deu-se de maneira a que medidas legalizassem posses e de títulos de glebas de terras e estipulava o que era terras do patrimônio municipal e um maior controle administrativo visando um planejamento urbanístico maior para a cidade de São Paulo.

Os mais desfavoráveis eram deslocados em regiões ribeirinhas, inundáveis durante o período das chuvas, e muitas destas terras foram adquiridas pelas companhias ferroviárias para ampliação de suas malhas ferroviárias e que também atrairia as primeiras indústrias seguidas das moradias populares da massa trabalhadora, por vezes construídas pelas próprias companhias. Isso ocorreu no Brás, Pari, Mooca (cujos terrenos alagadiços de várzeas já estavam sendo distribuídas aos imigrantes em 1876). 

Com a expansão cafeeira fica nítida a necessidade de um modelo que conduzia com o escoamento da produção paulista que forçosamente escoava-se do interior pelo sistema de ferrovias até alcançar o porto de Santos. 

Antes de existirem locais de recreação a cidade tinha como seus maiores atrativos os seus rios onde se praticavam regatas, pratica de natação e pesca. Deste modo foram aparecendo alguns pontos de preservação da área nativa, como o Jardim da Luz, o Horto do Ipiranga e o da Cantareira. São Paulo necessitava ampliar em direção as suas várzeas, e assume espraiar-se pelos lados da ladeira do Carmo, retificando o rio que parece um empecilho, dono da várzea onde se situa seu Porto Geral, o Mercado na Rua Municipal, depois General Carneiro, a Ladeira do Carmo, depois denominada Rangel Pestana, com as águas margeando a Rua 25 de Março, que possuía uma beleza natural e uma Ilha de encantos, constituída pelo rio Tamanduateí, entre a Rua General Carneiro e a Ladeira do Carmo: A ILHA DOS AMORES, que em 1870 teve seus alagados aterrados por ordens de João Theodoro Xavier de Matos!

FICHER, Sylvia. Os arquitetos da Poli: ensino e profissão em São Paulo: EdUSP, 2005.

TOLEDO, Benedito Lima. São Paulo três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1981.

SIMONI, Lucia Noemi. A Planta da Cidade de São Paulo de 1897: uma cartografia da cidade existente ou da cidade futura. III Simpósio Luso-Brasileiro de Cartografia Histórica. Ouro Preto, 10 a 12 nov. 2009.
http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm

PLANTA GERAL DA CAPITAL DE SÃO PAULO Organisada sob a direcção do Dr Pedro Augusto Gomes Cardim – 1897 –Escala de 1:20.000.

OLIVEIRA, Fabiano Lemes de. Modelos Urbanísticos Modernos e Parques Urbanos: As Relações entre Urbanismo e Paisagismo em São Paulo na Primeira Metade do Século XX. Tese Doutorado, março 2008.

CAMPOS, Sérgio Romanello. Bridi, Carmen Lúcia. Dr. João Teodoro Xavier. Presidente da Província de São Paulo. Edição da Câmara Municipal de Mogi Mirim. Outubro de 2002.

BARBUY, Heloisa. A Cidade-Exposição, Comércio e Cosmopolitismo em São Paulo, 1860-1914. São Paulo: Editora: Editora da Universidade de São Paulo, 2006.

Plantas antigas da cidade encontram-se para download no site da prefeitura:


[1] O responsável pelo poder executivo municipal chamava-se intendente e a prefeitura, intendência, uma divisão territorial administrativa, cujo governante é o intendente. O intendente foi um sistema de organização de origem francesa com a missão primordial de fomentar o desenvolvimento econômico possuindo as atribuições de justiça, polícia e finanças. Haviam funcionários às suas ordens denominados “tenentes letrado”, com caráter diretamente ligado aos subalternos do rei e exerciam suas funções em áreas territoriais que correspondiam a província (ou “corregimientos”, organização castelhana), assumindo ainda o direito de nomear “partidos ou distritos”, chamadas de subdelegações)

[2] Natural de Campinas formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1863. Republicano histórico, subscreveu o Manifesto Republicano em 1870, sendo também um dos realizadores da Convenção de Itu (1873). Como deputado provincial teve três mandatos: 1868/1869; 1882/1883 e 1888/1889. Em 1885 foi deputado geral. No Governo Provisório da República, em 1889 foi Ministro da Justiça. Antes do seu primeiro mandato foi Senador da República, entre 1890 e 1896. Seu mandato transcorreu de 01 de maio de 1896 a 31 de outubro de 1897, afastando-se para candidatar-se à Presidente da República. Combateu novas epidemias de cólera e febre amarela no Estado. Em sua gestão começou a operar em São Paulo o grupo canadense Light and Power, explorando inclusive os bondes elétricos em substituição aos puxados por burros. Reestruturou a Força Pública, zelou pelo ensino. Como Presidente da República (1898/1902) saneou as finanças, consolidando todas as dívidas numa só, num acordo realizado em Londres. Depois disso, voltou a ocupar o cargo de Senador da República entre 1909 e 1913. Foi, ainda, embaixador na Argentina entre 1911 e 1912.

[3] A Planta de 1897 reflete muito bem tudo o que vimos descrevendo. Confeccionada por ordem do Intendente de Obras o advogado Dr. Pedro Augusto Gomes Cardim (1864-1932), parece ter sido elaborada, no entanto, para atender mais os interesses particulares do intendente do que o interesse público. O que adivinhamos por trás da execução desta carta são os supostos negócios de Gomes Cardim, provavelmente preocupado em convencer eventuais compradores de que o loteamento de sua propriedade, denominado Vila Gomes Cardim, estava situado numa região já bastante desenvolvida, entre a 5.ª e a 6. ª parada da Estrada de Ferro Central do Brasil. Conforme análise do Arquivo Histórico de São Paulo, http://www.arquiamigos.org.br/info/info20/i-1897.htm, acessada em 28 de setembro de 2008.

[4] Pela Lei 334, de 10 de janeiro de 1898 foi extinta a Comissão, termo assinado pelo intendente Pedro Augusto Gomes Cardim e o diretor Antonio Leal Stott.

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