(História original publicada em 16/06/2009 no antigo Site São Paulo Minha Cidade)
Talvez
eu não seja a pessoa indicada para falar sobre a magia do circo, mas tudo
sucede a nossa volta como uma peça de um grande espetáculo da vida.
Há
tempos, estava na região do Itaim Bibi e Vila Olímpia, próximo às avenidas
Presidente Juscelino Kubitschek e Chedid Jafet, continuação da Rua Funchal,
havia à frente uma lona colorida de amarelo e azul, era o "Cirque du
Soleil", de Québec, apoiado pelo governo do Canadá com subsídio de 20
milhões de dólares anuais, montado no terreno "baldio" atrás onde
estava o esqueleto do prédio da Eletropaulo, adquirido por R$ 175 milhões por
uma administradora no ano de 2002.
Do lado oposto outra lona tentava manter seu apogeu, o Picadeiro Circo Escola,
era o contraste das diferenças.
Surgiu-me
um lampejo infantil, recordando daquilo que vi de mais colorido e fascinante,
"O Circo". Não eram os mais afamados da época, mas era "O
Circo", e isto bastava para a imaginação de criança.
Percorri
um pouco da história e recordei de uma foto tirada do Circo Garcia, sem a pompa
do passado, nascido em Campinas, ganhando o mundo a partir de 1928, quando
Antolin Garcia, por uma intuição de artista, seguiu a trupe do circo de
Benjamim de Oliveira, assim se apresenta na história. O Circo Garcia
excursionou por vários países, sendo considerado entre os maiores do mundo,
representando o país com o nome de "Circo Brasil". Sua última
apresentação foi em dezembro de 2002, com preços módicos, em Santo Amaro, mais
precisamente na estrada do M'Boi Mirim, onde atualmente situa-se o Terminal de
Ônibus Guarapiranga, mas não havia público. No apogeu chegou a levantar cinco
lonas simultâneas para receber o respeitável público, com um plantel de mais de
duzentos artistas do maior "escrete" de artistas circenses.
Na véspera da apresentação circense, alguns artistas andavam pelas ruas,
acompanhados da música e da poesia, além de um grupo de artistas em piruetas e
cabriolas com um palhaço à frente, com um cone nas mãos anunciava o espetáculo
da arte e do riso descontraído.
"Respeitável
Público, O Espetáculo Vai Começar".
A
apresentação, feita por um senhor muito bem talhado de fraque com uma cartola
na mão, completava a vestimenta com uma gravata borboleta, e na mão esquerda
uma bengala, reverenciando a plateia, dava início a uma frenética apresentação,
onde os olhos infantis não podiam piscar para não perder nada do espetáculo.
O
picadeiro ficava repleto de artistas em movimento, circo é movimento das
estripulias dos palhaços, bem coloridos, a alegria das crianças, seguido de
homens em pernas de pau, os maiores homens jamais vistos; malabaristas,
lançando mais objetos no ar do que a física imagina ser possível as mãos
segurarem; pirotecnias de chamas flamejantes; atiradores de facas em um corpo
inerte "amedrontado"; equilibristas pendentes no ar a jogar o corpo
no espaço livre como se não houvesse gravidade. De repente um palhaço maroto
retira a rede e começa a rufar os tambores, uma moça com vestimenta brilhante, a
mais elegante e bela artista do plantel está prestes a ser lançada por homens
treinados na arte. Sai o corpo em piruetas fascinantes de um lado a outro,
completando o "Maior Espetáculo da Terra", como anunciado
anteriormente.
Muitos de nós não tínhamos como pagar os ingressos das bilheterias, não que
fossem elevados, mas as condições eram poucas, ficávamos a rodear a lona, já
com o espetáculo iniciado, até alguém se distrair, ou que nos infiltrasse por
baixo da lona, entrando de mansinho por baixo das tábuas dos assentos e
finalmente o espetáculo estava a nossa frente, maravilhosamente lindo! Globo da
morte, acrobatas, pratos a girar, risos com aplausos misturados, uma
"algazzarra moura" bem-comportada.
Recordei-me
de nomes consagrados, e permita-me citar alguns que fizeram da arte as suas
vidas, e sem dúvida é uma galeria das mais respeitáveis: Piolim, Carequinha,
Arrelia, Chicharrón, Torresmo aproximavam da ingenuidade dos anjos dos olhos
mais brilhantes possíveis, os das crianças!
Arrelia
vinha de família de artistas de origem da trupe francesa, seu pai, Ferdinado
Seyssel, foi o palhaço Pingapulha. Deste modo, da estirpe dos Seyssel, o filho
Waldemar tornou-se o comediante Arrelia, que contribuiu para a fantasia e
construção do imaginário infantil. Começou a trabalhar como palhaço em 1922, no
bairro do Cambuci, em São Paulo, empurrado para o picadeiro pelos irmãos que o
pintaram e o vestiram de palhaço. Assustado, o jovem caiu de mau jeito no
picadeiro, fez trejeitos e muitas caretas. Machucado, levantou-se mancando,
enquanto o público ria e aplaudia freneticamente, pensando que estava fazendo
graça. O sucesso apareceu de imediato, nascendo, então, neste dia o palhaço
Arrelia.
Seguiu-lhe
os passos seu sobrinho Walter, fiel escudeiro Pimentinha, um pierrô estilizado
com um cone na cabeça, suspensório clássico segurando as calças, formava a
dupla televisiva da Record, programa de televisão para crianças, em 1953, tendo
a direção de Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória, chefe da
delegação brasileira das campanhas vencidas pelo Brasil das Copas do Mundo de
1958, na Suécia, e de 1962, no Chile.
Piolin,
nome do artista Abelardo Pinto, nascido em 27 de março de 1897 em Ribeirão
Preto, foi assim batizado por ser magro e ter as pernas compridas, como um
barbante (em espanhol). Aprendeu acrobacia, ciclismo, contorcionismo, tocava
violino e bandolim. Herdou o circo do pai e com a família manteve o Circo
Piolin no Largo do Paissandu, em São Paulo, por mais de trinta anos. Em sua
homenagem foi instituído o Dia Nacional do Circo, 27 de março data instituída,
em 1972, no município de São Paulo, atualmente comemorada em todo território
nacional. O ano de 1972 apresentava duas conotações de homenagem, uma ao Circo,
outra à comemoração dos cinquenta anos da Semana de Arte Moderna, pois Piolin
conquistou o reconhecimento dos intelectuais da Semana da Arte Moderna em 1922,
como exemplo de artista genuinamente brasileiro e popular, rompendo os padrões
de então, por ser eclético. No palco hipnotizava o público, sustentando sozinho
a cena para que houvesse tempo de outros artistas se prepararem para os
próximos números; atuando despojadamente de improviso, mudando repentinamente a
ação, cantando e dançando, enfim, completo nas ações cênicas, além de saber
contracenar com o público; tão em voga atualmente, interagindo a plateia em
peças do teatro.
Coincidentemente,
em 27 de março, Dia Nacional do Circo, comemora-se também o Dia Internacional
do Teatro, uma simbiose perfeita. Piolin idealizou a primeira escola circense, em
1977, próximo ao estádio do Pacaembu, após ter mudado do Largo Paissandu,
centro de São Paulo.
A
magia do picadeiro foi representada por famílias inteiras, que fizeram dos mais
afamados circos itinerantes pelas estradas afora trajeto de seu trabalho, para
chegar de uma para outra cidade, com transporte em carros, trailers, caminhões,
fincando a bandeira em terreno baldio, estaqueando estais a puxar a lona que
formava a estrutura do circo.
Deste
modo levantavam muitas lonas pelo país como as do Circo Nerino, de Nerino
Avanzi e família; fundado em Curitiba em 1913, que vindo para São Paulo montou
sua primeira lona no Vale do Anhangabaú e apresentou o palhaço Picolino, e a
trapezista francesa Armandine Ribolá; sendo chamado de o Mais Querido do Brasil.
Os
Irmãos Queirolo de Giácomo Queirolo e Petrona Salas, de origem platina,
fixaram-se no Paraná em 1910, que teve no elenco Jose Carlos Queirolo, o
palhaço Chicharrón, pai de Brasil José Carlos Queirolo, o palhaço Torresmo. Sua
baixa estatura era compensada pelo seu grande talento, onde o ditado de que
tamanho não era documento mostrava-se dentro de uma casaca de rendas coloridas
completada por um laço, sapatos enormes e um guarda-chuva sempre a rodopiar no
ar acompanhado de seu sorriso espontâneo. No dia 12 de outubro de 1950, Dia das
Crianças, Torresmo estreou na TV Tupi.
O
circo dos Irmãos Queirolo baixou suas lonas de vez em 1979, pois eram outros
tempos.
O
Circo-Teatro Arethuzza estabeleceu-se na região da Mooca por volta de 1940. Foi
resultado de fusões e sociedades entre artistas circenses no Brasil, dos Circos
Glória do Brasil, Luso Brasileiro, Colombo e, finalmente, Circo-Teatro
Arethuzza, das famílias Faria, Oliveira, Santoro e de Antonio Neves, sendo sua
filha Arethuzza a primeira "aramista" do Brasil.
A história rica do circo nos contempla também com o Circo dos Irmãos Temperani,
sendo o patriarca Leopoldo Temperani, casado com a artista do trapézio, Paulina
Magri. Inovando com o canhão humano, onde seu filho Guilherme foi o primeiro
homem-bala das Américas.
Em
18 de setembro de 1950 é inaugurada a primeira estação de televisão do Brasil,
a TV Tupi de São Paulo, em 1951 é instalada a TV Tupi carioca. Foi criado o
programa "Circo do Carequinha", que ficou no ar por dezesseis anos,
apresentado pelo famoso palhaço brasileiro que marcou gerações: George Savalla
Gomes, ou melhor, Carequinha. Tinha refrão característico dos palhaços em
apresentação: "Hoje Tem Marmelada? Tem Sim Senhor! E O Palhaço O Que É? É
Ladrão De Mulher." Gravou também vários discos com seu parceiro Fred
Vilar.
Tivemos
nipônicos participando dessas raízes, registrando as famílias de japoneses
Takissawa Mage, patriarca da família Mange, que chegou ao Brasil, no início do
século, casando-se com Aída Beltrami, oriunda de família italiana do picadeiro,
formando a união de dois ramos da mais nobre estirpe circense. O clã dos
Olimecha aportou no Brasil, em 1888, anterior a grande leva imigratória de
1908. Seu fundador foi Haytaka Torakiste, nascido em Osaka, com o nome de Frank
Olimecha, participou da arte da pantomima circense.
Em
1982, pela iniciativa do artista circense Luís Olimecha, instituiu-se a Escola
Nacional do Circo com apoio da Fundação Nacional de Artes, FUNARTE, do
Ministério da Cultura, que possui currículo de escola técnica da arte circense,
exemplo que poderia ser seguido por São Paulo, que possuía o Picadeiro Circo
Escola na Cidade Jardim, nº 1105, que apresentava em cartaz:
"Picadeiro
Circo Escola - Aulas para Todas as Idades: Acrobacias, Malabares, Equilíbrio e
Muito Mais". Poderia ser o início para concretizar o projeto com currículo
educacional.
Fica
a homenagem dos encantos da poesia e da magia do circo de nossa infância, do
"Dia Nacional do Circo", 27 de março, e do dia 10 de dezembro,
"Dia do Palhaço", ou da alegria, mesmo quando não é possível sorrir.
"O
circo não tem futuro, mas nós, ligados a ele, temos que batalhar para essa
instituição não perecer" - Piolin, pouco antes de partir "da
vida"... das crianças.
O
exposto foi recolhido em várias literaturas acadêmicas e depoimentos expostos
na mídia de profissionais circenses, a quem tenho grande apreço e admiração. Há
falhas, sendo necessário recolher com mais afinco a cultura deste grande
universo que é o Circo.
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