segunda-feira, 6 de maio de 2019

A Avenida Paulista e os Matarazzo(s)


A indústria nacional e seus percalços

Trabalhava na Alameda Campinas, número 463, próximo à esquina da Avenida Paulista, na empresa que elaborou os projetos do "Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico" do país. Na época, faziam-se mega investimentos na área siderúrgica, e queriam a todo custo fazer cinquenta anos em somente um, plagiando antigos governos, que se prontificaram a resolver tudo em cinco; aliás, estratagema usado constantemente em seu processo desenvolvimentista, e continua-se a insistir no modelo. Nunca, na história deste país, houve planejamento conciso; sempre se optou pelo imediatismo, adquirindo tecnologia encomendada de outros países, abdicando-se da formação intelectual e técnica da especialização local e da estrutura educacional.

Esta empresa multinacional italiana estabeleceu-se nas imediações da Avenida Paulista, que já apresentava parte da estrutura financeira deslocada do Centro Velho de São Paulo, próxima ao famoso prédio da Gazeta, da Fundação Cásper Libero, onde havia o Cursinho Objetivo, preparatório de vestibulares, local da circulação de jovens estudantes que acreditavam, um dia, poder fazer parte do desenvolvimento do país. Nesta idade têm-se grandes projetos, sonhos e muitas ilusões, e eu acreditava nisso também.

O corpo da empresa era representado por dois terços de mão-de-obra brasileira que qualquer grupo europeu deveria manter em seu quadro de colaboradores, definidas pelas normas da consolidação das leis do trabalho nacional, e o restante deslocou-se da Itália para incorporar a área de projetos industriais da multinacional FINSIDER no Brasil, com a razão social ITALIMPIANTI, do setor da metalurgia, responsável pela elaboração de máquinas para portos, mineração e todo equipamento do campo siderúrgico.

Trabalhávamos no 14º andar, onde víamos uma multidão cotidianamente deslocar-se para cima e para baixo na famosa Avenida de São Paulo que representava todo impacto paulistano de não parar jamais, e presenciávamos as coisas mais marcantes e inusitadas possíveis à época.

Um coisa impactante que vimos foi o cortejo fúnebre de Francisco Antônio Paulo Matarazzo Sobrinho, grande empresário-industrial paulistano conhecido como Ciccillo Matarazzo, saindo da residência Solar dos Matarazzo na Avenida Paulista, e que pertencia à família que representava às maiores indústrias do Brasil e que ousaram acreditar no desenvolvimento do país, independente de quaisquer questões políticas de determinado momento histórico. Não há pretensão de expor relatos da questão, pois há uma gama impressionante de livros acadêmicos* que estudam esta época áurea das indústrias no Estado de São Paulo e na Capital.

Houve algo que não era costumeiro naquele espaço urbano que foi representado por cortejo impressionante de uma comitiva caminhante, misturada à automotiva, que parou a Avenida Paulista, com aquele respeito de outrora, quando todos os comerciantes fechavam as portas de seus estabelecimentos em sinal de pesar ao passamento de alguém que um dia fez parte da história local. Era algo incomum no final da década de 70, onde todos acompanhantes faziam uma espécie do réquiem, com silêncio impressionante, diferente daquilo que representava a Cidade com todo seu movimento urbano, um "ser vivo" incompreensível!

As pessoas por um instante fizeram a homenagem que o momento requeria e continuavam em um olhar perdido, seguindo o horizonte em direção à Rua da Consolação. Parecia um estado de agonia e êxtase, uma catarse, onde recebíamos o estalo de um choque que todo ser humano sente de impacto momentâneo descobrindo que somos finitos. Esta reflexão nos interroga no nosso íntimo qual é realmente o sentido de sermos sujeitos daquele momento histórico, onde tudo parece fazer parte de uma tragicomédia representada pela nossa contemporaneidade. O cortejo dirigia-se ao Cemitério da Consolação, onde existe um dos mausoléus mais suntuosos daquele campo santo, uma obra prima para perpetuar os representantes das Empresas Reunidas Matarazzo.

Uma segunda situação presente foi que este cortejo havia saído de uma residência no número 1230, que representava um marco da Avenida Paulista, que pessoalmente considerava de arquitetura arrojada pelos padrões de então, que fora cercada pelo último reduto de barrões do café e grandes empresários que deram início à grandeza e real pujança da Cidade de São Paulo, que se perpetua na atualidade, e parece não se findar com suas transformações constantes. Esta casa, que outrora acolheu grandes representantes da família Matarazzo, após este momento solene, também corria o risco de desaparecer. Havia um murmurinho em todos os cantos, que a casa seria "tombada" pelo patrimônio histórico e que seria incorporada aos poucos prédios históricos da Cidade.

São Paulo não possui residências de seu passado de taipa, de pau-a-pique, batidas aos sopapos; para que se preservaria um passado mais recente? Nada disto faz parte deste imaginário conservador da história e lega-se a arqueologia procurar resquícios escavadores ou vasculhar registros extraídos de algum abnegado que resolveu, em seu silêncio de monge enclausurado em si mesmo, esboçar em pintura ou fotografia, vislumbre descoberta de então, como as expedições incorporadas por pintores famosos como Rugendas, mostrando pousos de tropas de nosso "caboclismo", ou o abnegado Militão Augusto de Azevedo, que "sentiu" a "força do capital" e registrou em flashes da cidade, hoje documentos importantíssimos, além de Benedicto Calixto de Jesus, ou Oscar Pereira da Silva, somado a José Ferraz de Almeida Júnior e o italiano Ângelo Agostini, desenhista responsável pelo surgimento da caricatura em São Paulo, fundador da revista Cabrião, e tantos outros que expuseram nos anais históricos da Cidade de São Paulo, e do Brasil, sua marca imprescindível para o entendimento desta primeira cidade interiorana do Brasil, fundada numa pequena "colina" apossada dos ameríndios e longe do litoral brasileiro. Tudo isto, ou parte disto, se tornou patrimônio paulista e paulistano pelas mãos de Ciccillo Matarazzo que incorporou as artes, como grande mecenas, enriquecendo os museus com esse legado.

Voltando às especulações do "derruba e não derruba" da casa dos Matarazzo... Eis que um belo dia, no meu trajeto costumeiro ao "apear" do ônibus e subir em direção a Alameda Santos, adentrando a Rua Pamplona, rumo a Avenida Paulista, onde pela manhã o sol nasce do lado do Paraíso, olhando do lado, inesperadamente parecia-me faltar algo; o quê?

Faltava a Casa dos Matarazzo! Tinha virado escombros, com poucas paredes em pé; aproximei-me da grade, como quem se aproxima de algo morto, espantado, parecia que a haviam bombardeado na calada da noite. Em um lugar da residência, "tombado" estava a ferragem de um maquinário que mais parecia um elevador, e que "jazia ao lado" da demolição, única testemunha ilesa, de uma era. A casa não aparentava ser tão alta na sua estrutura para ter merecido tão requintado luxo, embora digam que ela foi o marco da suntuosidade, e naquele instante ao lado do prédio da Gazeta, a residência era algo irrecuperável.

Na escadaria da Gazeta repleta de estudantes, havia o burburinho costumeiro do riso e da alegria própria dos jovens, mas eles não precisavam entender aquele momento, pois era para mim também, naquele instante, dificultosa a interpretação. Segui meu trajeto costumeiro, entrei para degustar um café expresso, uma novidade até então, um progresso aos costumes paulistanos. Do balcão da copa estupefato olhava silencioso observando que havia valor econômico imobiliário e disputas empresariais que se incumbiram de destruir, ou melhor, apagar para sempre os resquícios do passado paulistano, que outras gerações vindouras, mesmo que aqueles que presenciaram comentem; somente verão pela óptica do grande estacionamento como usuários com seus automóveis, protegidos por muros preservados e a fachada da entrada intacta da residência, que fez, um dia, parte da história da grandeza de São Paulo e pertenceu a família Matarazzo.

Outras histórias de São Paulo começam a serem escritas; viremos outra(s) página(s)!

Referências:
*COUTO, Ronaldo Costa. Matarazzo [A Travessia].São Paulo: Editora Planeta, 2004
Matéria editada em 10-12-2010 em: http://www.saopaulominhacidade.com.br/historia/ver/4486/Paulista%2Be%2Bos%2BMatarazzo

AVENIDA PAULISTA INAUGURADA EM 8 DE DEZEMBRO DE 1891: 125 ANOS


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