História
publicada em 23/07/2008 link:
Naquelas
paragens do bairro incipiente, com ar interiorano do Jardim São Luiz, no final
da década de 50, médico era artigo de luxo e criança era tratada com chás de
mato herbário, que curava muitos males, amém!
Nas hortas, comuns em todas as casas, haviam couves, cenouras, pimentões e
amoras pretas que não davam tempo de madurar, pois "zóio de criança é maior
que a barriga", práticas comuns para o básico familiar de verduras e legumes,
também eram cultivadas plantas de medicina caseira, erva cidreira, mato santo,
hortelã, arruda, carqueja e tantos outros quanto necessários que foge o nome. O
amargo boldo, ruim que nem fel expulsava e purgava toda bicha intestinal. O
moleque, meio amarelo, magrela era logo empanzinado de uma pancada de coquetel
de ervas, que nem se sabia qual curava.
Era no meio de tudo isso que estava outro segredo escondido: a cura das
benzedeiras, criaturas que viviam a fazer o bem ao seu modo.
Dizia toda mãe: “Dona Maria benzedeira, veja lá esse rebento mirrado.” A velha senhora com toda sua sabedoria, ao redor dela, mãe e cria, ou melhor, uma “renca de fios", que mãe de hoje, em cidade grande, não agüentaria. Sentava o “bichinho” no colo materno e benzia, em frente ao moleque meio moribundo, proferindo uma reza incompreensível, que curava porque somente Deus entendia e escutava as benzedeiras de uma maneira que só vendo pra crer.
Dizia toda mãe: “Dona Maria benzedeira, veja lá esse rebento mirrado.” A velha senhora com toda sua sabedoria, ao redor dela, mãe e cria, ou melhor, uma “renca de fios", que mãe de hoje, em cidade grande, não agüentaria. Sentava o “bichinho” no colo materno e benzia, em frente ao moleque meio moribundo, proferindo uma reza incompreensível, que curava porque somente Deus entendia e escutava as benzedeiras de uma maneira que só vendo pra crer.
Ela recorria àquela ladainha, com muito santo ao redor, a segurar na fronte da
criança a imagem da Virgem Maria, e, de repente o conforto para a criatura era
tanto que se largava nos braços da mãe, aliviada calmamente dormia. Depois a
benzedeira se despedia mãe e filho, cumprimentando com a mão calejada pelo
trabalho e pelo tempo, dizendo: “Vai pra casa, Deus acompanhe!”.
Essas rezas salvaram crianças e alentaram muitos pais, quebraram muito mau-olhado, quebrante e bucho virado. Onde quer que estes bem feitores estejam hoje, pelo bem transmitido sem cobrar um centavo se quer, acreditamos que tenha sido reservado por Deus, um bom olhado!
Seguindo a ladainha de cria, criava-se tudo: pato, galinha, marreco, porco e tinha até animais que precisavam de grande espaço, como vaca e cavalo, que viviam soltos, assim como eram soltas, mas responsável, nossas vidas.
Essas rezas salvaram crianças e alentaram muitos pais, quebraram muito mau-olhado, quebrante e bucho virado. Onde quer que estes bem feitores estejam hoje, pelo bem transmitido sem cobrar um centavo se quer, acreditamos que tenha sido reservado por Deus, um bom olhado!
Seguindo a ladainha de cria, criava-se tudo: pato, galinha, marreco, porco e tinha até animais que precisavam de grande espaço, como vaca e cavalo, que viviam soltos, assim como eram soltas, mas responsável, nossas vidas.
Porca era coisa de engordar para a festa de Natal, no fim do ano. Precisava
cuidar fazer a bicho ficar "taluda", gorda, bonita. Tinha porca que
nem se mexia de tão "parruda", por só mastigar, comendo milho,
abóbora, as folhas e legumes que o pai plantava. E tudo quanto lá se
"punha" a bicha engolia.
Num dia de festa trouxeram a maior porca que tinha no chiqueiro. Chamou-se no
morro um especialista em "furar porco", que veio com uma faca bem
comprida e pontuda, um punhal, e o ritual começou. Um corre-corre de homens e
mulheres, aquecer água, preparar uma prancha de madeira para deitar a bicha, e
um só golpe, debaixo do sovaco da coitadinha, de quem, diga-se de passagem, não
se podia ter dó, pois senão não morria. Um grito de porca estridente, água
quente preparada e um “depelar” de couro com navalha, ficava bonita, toda
branquinha.
Corta pra cá, corta pra lá, separa a banha pra fritura, o “fato pro sarrabulho”
dos portugueses, ou o sarapatel dos baianos, o pernil pra assar, o carrê pra
costelinha. E, com todo o cuidado, a bichinha foi sendo esquartejada ou
"debulhada", como alguns comentavam.
Depois de tanto esforço os homens brindavam com uma "cachacinha madurada” d’um barril de carvalho. Era festa simples e pura, na ajuda mútua de um bem que não tem preço.
O chiqueiro era lavado de tempos em tempos, mas mesmo assim exalava cheiro forte e a política da boa vizinhança era o melhor remédio. O que não serve para você não serve para o outro, e como dizia o velho: “quem gosta de sujeira é o homem”. Com o tempo o chiqueiro foi desativado.
Num belo domingo, nossa casa estava uma bagunça. No poço d'água o pai colocou uma bomba enorme, antes das famosas bombas Rymer. Com um motor e uma polia de transmissão acionava umas varetas grossas de aço, de seis metros cada uma, rosqueadas entre si por luvas de latão e que trabalhavam internamente em tubos, acionando uma peça de couro dentro de outra chamada cebola. Esse vai e vem da vareta dentro do tubo fazendo a sucção da lingueta de couro na cebola submersa na água, com o movimento do motor no volante, trazia água para cima. Era um mecanismo moderno e dispensava o esforço de tirar água no sarilho, que cansava os braços de tanto puxar água de poço com trinta e cinco metros de fundura. A modernidade chegava aos lares com a água encanada.
Depois de tanto esforço os homens brindavam com uma "cachacinha madurada” d’um barril de carvalho. Era festa simples e pura, na ajuda mútua de um bem que não tem preço.
O chiqueiro era lavado de tempos em tempos, mas mesmo assim exalava cheiro forte e a política da boa vizinhança era o melhor remédio. O que não serve para você não serve para o outro, e como dizia o velho: “quem gosta de sujeira é o homem”. Com o tempo o chiqueiro foi desativado.
Num belo domingo, nossa casa estava uma bagunça. No poço d'água o pai colocou uma bomba enorme, antes das famosas bombas Rymer. Com um motor e uma polia de transmissão acionava umas varetas grossas de aço, de seis metros cada uma, rosqueadas entre si por luvas de latão e que trabalhavam internamente em tubos, acionando uma peça de couro dentro de outra chamada cebola. Esse vai e vem da vareta dentro do tubo fazendo a sucção da lingueta de couro na cebola submersa na água, com o movimento do motor no volante, trazia água para cima. Era um mecanismo moderno e dispensava o esforço de tirar água no sarilho, que cansava os braços de tanto puxar água de poço com trinta e cinco metros de fundura. A modernidade chegava aos lares com a água encanada.
De tempos em tempos essas varetas enferrujavam e quebravam, não acionando a
água para a superfície das caixas impermeabilizadas com piche e feitas de
tijolo de barro. Por esse motivo estavam lá alguns homens para ajudar o pai a
tirar para fora os tubos e varetas, e trocar a peça avariada. Puxa com o grifo,
segura, puxa de novo, trava com a morsa, puxa mais uma vez e assim iam saindo,
uma a uma, as barras de cano galvanizadas.
Naquele mesmo dia, corriam para cima e para baixo as mulheres com panos alvos,
bacia e água de outro lugar, pois a bomba estava sendo arrumada e, naquela
agitação toda, confundiam-se as vozes. Minha curiosidade voltou-se para o barracão
das comadres e, na ousadia típica da criança, entrei na cozinha, que possuía um
piso mais baixo que o quarto. Meus olhos arregalados se assustaram com um
ritual jamais imaginável. Parecia que iam, naquela festa toda, matar a mulher
que estava deitada na cama com as mãos agarradas a estrutura roliça da
cabeceira, com uma toalha próxima a boca, uma bacia de água fervendo do lado e
de pernas bem abertas, nua. Uma tal de parteira, especialista no caso, como o
homem da faca que, no caso, era o especialista em porco, iria lhe arrancar o
fato, quem sabe pro “sarapatel de gente”.
Nunca imaginaria que isso pudesse acontecer: de repente um choro de criança, a
parteira segurando o feto (e não o fato) embrulhado numa toalha, e a mãe soando
aliviada. Olharam pra mim, tão assustadas e espantadas quanto eu, que me pus a
correr sem saber pra onde. Atravessei o canteiro onde os homens estavam
consertando a bomba e suas varetas, sumi pelo terreno afora, atravessando a
horta familiar e até hoje não voltei pra saber se arrumaram ou não a bendita
bomba.
O que fiquei sabendo é que nasceu o Tonho, um menino forte e robusto, e que
tudo aquilo era para alegria de sua querida mãe, pois, como sabemos, mãe é um
bem-querer sagrado pelo dom de dar a luz a uma criança, mais especificamente um
jardinense.
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