sábado, 23 de março de 2013

A DIÁSPORA DOS IMIGRANTES ITALIANOS: OS BRACCIANTI EM SÃO PAULO (3)

OS CONTRATOS E O REGIME DE COLONATO

Sempre que estamos diante de uma árvore genealógica, parece que estamos buscando a nascente de um rio saído das entranhas da Terra que desliza das montanhas e desce de mansinho por entre as escarpas, se torna sinuoso, começando com um filete de água e de repente se torna caudaloso a correr em seus limites.
Consta nos anais que o maior contingente de imigrantes para a América, veio da região de Veneto, Itália Setentrional, e que teve grande importância na agricultura cafeeira paulista.

Deste local podem ter saídos muitos daqueles que deram alma a grande diáspora, uma dispersão coordenada por interesses de governos à época, quando a Itália estava no processo de Unificação e o Brasil em um processo de colonização, necessitando de mão de obra para outra cultura que se expandia mais ao sul do país, diferente da antiga estrutura da cana de açúcar: o café.

De muitos lugares de Veneto partiam os vapores saindo do principal porto italiano de Gênova que recebia enormes contingentes do interior de Pádua, Verona, Rovigo, Veneza, Vicenza, Treviso, Belluno e Udine que cultivavam em algumas propriedades cereais e vinhas, forragens aos animais, onde a família, geralmente numerosa para dar a força motriz à lavoura, que neste tempo se apoiava na força humana, sem muitos equipamentos, tendo apenas uma charrua atrelada a algum animal de tração e a força das enxadas para limpar e arar todo terreno. 

Esses pequenos agricultores não possuíam uma terra que pudessem chamar de sua e arrendavam as terras mediante algum pagamento ou usavam o sistema medieval de meeiros, acertando a colheita entre o dono da propriedade. Outros preferiam serem assalariados por tempo determinado, quando se usavam um maior contingente de mão de obra que era no tempo da semeadura e da colheita e eram denominados “braccianti”, (Alvim, p. 29) derivado do esforço braçal a que eram submetidos, podendo haver poucos destes com contratos firmados para serem os responsáveis em manter a plantação dentro das condições próprias não deixando que ervas daninhas invasoras danificassem o produto além de enxotar pássaros e insetos que prejudicassem a lavoura. 

A concentração de terras entre grupos seletos (de grandes proprietários da Itália) mantinham a estrutura fechada, não havendo acesso a estas propriedades milenares, por intermédio de aquisição ou outro meio. (ex. Terras Comuns)

Esses agricultores se mantinham com algum recurso provido da força de trabalho de uma prole numerosa e fabricavam em pequenos teares manuais suas próprias vestimentas de algodão ou lã, cobertura de inverno e raramente haviam sapatos substituídos por tamancos de madeira.

A base alimentar provinha do milho plantado onde o prato básico de sustentação era a polenta, raramente possuía alguma carne e quando era ofertada provinha de pequena criação, como o porco e carneiro Na colheita das primícias[1] da uva, produzia-se o vinho pisoteado no lagar e era nesta época que ainda se poderia dizer que se fartavam da bebida, tida como parte alimentar, depois somente sobrava o “vinhete” de uma segunda prensagem por um torniquete manual.

As moradias eram precárias e salubres, com chão de terra batida, com janelas e portas rústicas e de pouca mobília, e as necessidades eram feitas em reservado fora das moradias. A higiene pouca, não raras vezes causava doenças.

As terras iam com o tempo sendo diminuídas, pois eram divididas entre os filhos quando estes se casavam dando continuidade ao ritmo antigo aprendido por gerações, mas esse modelo foi aos poucos rareando os grandes campos de plantio sendo cada vez mais diminuídos.

Isto tudo dentro deste contexto agrário resultou a crise que perdurou de 1873 a 1895, quando a afluência do sistema capitalista primitivo é abarcada pelo monopólio de outros centros (países) já mais avançados de produção que ofereciam mercadorias de produtos básicos da agricultura a preços mais atrativos. Os campos aráveis, por vezes de terras cansadas italianas foram aos poucos sendo abandonados, pois a oferta de melhores preços de outros países não dava uma alternativa melhor ao pequeno produtor agrícola senão abandonar a produção costumeira de trigo, milho, por exemplo. 

Houve assim uma expulsão generalizada do campo, e um esvaziamento do meio rural. Sucumbia deste modo os pequenos produtores e os arrendatários engolidos pelo mesmo sistema vigente. Muitos colocaram a venda o que restava de propriedade e se sujeitaram a um novo modelo de vida nas Américas.

O Brasil com a observância pela Inglaterra por exigências de abolir o regime escravo de produção apressou-se em elaborar a Lei de Terras, em 1850, já prevendo a necessidade de mão de obra externa em substituição a anterior, houve por bem providenciar garantias aos grandes fazendeiros e instituir o regime de colonato. 

Pela regulamentação de aquisição de terras foi instituída a forma de aquisição fundiária de terras públicas somente mediante a compra de glebas de terras, mediante pagamento pecuniário e não mais seria permitida a concessão de sesmarias, aparentemente suspensa com a Independência do Brasil.

Este novo modelo dava aos grandes monopólios mais condições de possuírem terras através de fazendeiros proprietários que assim sobre o controle das terras aráveis cada vez mais abarcava mais terras, considerados homens “bons”, não pela qualidade de serem por virtude humana, mas por possuírem posses e assim darem as rédeas políticas locais. 

Esse modelo dificultava ao extremo o acesso a terra para os imigrantes pobres e de poucos recursos e também aos escravos sem renda.  Somente dava àqueles imigrantes que antes havia tido terras na Itália e as venderam,  em dispor de um pequeno rancho ou sítio onde recomeçaria no empreendimento, diversificando uma cultura de plantio ainda não estruturada no Brasil, acostumada com a monocultura, antes a da cana de açúcar e neste momento do século 19 pelo grande sistema cafeeiro. 

O objetivo da aquisição de terras apenas para quem tivesse posses financeiras para pagar pelas terras era também evitar que os colonos que advinham para o país fossem usados como força de trabalho e não se dispersassem em pequenas propriedades, pois o interessante para o governo brasileiro era manter as grandes fazendas com esta mão de obra barata dando sustentação a uma infraestrutura de escoamento da produção através de ferrovias que retiravam a mercadoria nas praças produtora, isto é, a “fazenda latifúndio”, e mantinha ainda a  mão de obra “importada” sobre rígidos parâmetros das instituídas em Colônias, guetos de controle. 

A Lei de Terras dava garantias aos fazendeiros, pois muitas vezes eles eram os grandes financiadores para esta mão de obra, assim com foram também financiadores da escravatura, mantendo seus privilégios perante a política de controle da produção. Deste modo é que foi articulado todo o sistema de trabalho no “regime de colonato”, aonde os imigrantes, na maioria das vezes pobres e sem recursos, chegaram ao Brasil na vigência dessa lei e foram trabalhar nos cafezais, sendo obrigado a aceitar o contrato imposto arcando com as despesas do embarque em algum vapor marítimo[2] que eram acertados entre os governos do Brasil e Itália no colóquio com os fazendeiros.

Os colonos aqui chegados passavam por um regime de observação com alguma custodia em departamentos imigratórios e depois deste tempo eram embarcados para as respectivas fazendas que possuíam o modelo de contrato através de pagamento pelo numero de  pés de café entregues onde toda família era usada com mão de obra, e até as crianças tinham tarefas determinadas, ao limparem o fundo de cada caule de pé de café e outra tarefas corriqueiras e deste modo  os colonos recebiam em função da quantidade de café colhido. 

O regime de colonato permitia aos colonos o cultivo de subsistência entre os cafezais, podendo usufruir como melhor lhe aprazia para consumo e por vezes era disponibilizado um terreno separado para esta finalidade. Isto tinha a intenção de diminuir despesas da fazenda, quando da liberação que deveria ser feita em determinadas ocasiões sem acarretar prejuízo aos cafezais.

No colonato havia a relação direta do homem com a produção e o vinculo do colono ao local diferenciando sobre maneira ao modelo assalariado, onde o proletariado possui a relação de produção com o equipamento geradora do capital, sem vinculo com a propriedade. 

Na Itália já existia um sistema parecido em suas terras e os colonos possuíam parcela da produção em contrato dos cereais e vinhas (videiras) plantadas e que serviam de consumo para toda família. São estes colonos arrendatários e pequenos proprietários da Itália que irão formar a primeira leva emigratória da Itália, de operários braçais para a grande imigração italiana ao Brasil, regidos por um contrato de trabalho que estavam acostumados a se sujeitarem no “regime de colonato” através dos arrendatários, meeiros, mantendo uma estrutura familiar dentro dos ditames impostos.


Bibliografia:

ALVIM, Zuleika. Brava Gente, Os Italianos em São Paulo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986.

HEFLINGER Jr., José Eduardo; LEVY, Paulo Masuti. E os Italianos Chegaram. São Paulo: Unigráfica Ind. Gráfica Ltda, 2010.

CENNI, Franco. Italianos no Brasil. São Paulo: EDUSP, 2003.

TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo: Ed. Nobel, Instituto Italiano de Cultura, 1989.



[1] Conjunto dos primeiros produtos da terra ou de um rebanho.
[2] A família Fatorelli, chegou ao Brasil, no Porto de Santos, em 1891, na Grande Diáspora Imigratória.

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