Os Homens de Negócios de Grosso Trato
Os homens de negócios[1], conhecidos como comerciantes que negociavam a grosso, por atacado de escravos em grande quantidade, diferenciando dos demais comerciantes, que se ocupavam das produções da sua pátria, a fim de trocá-las por outras mercadorias necessárias, ou dinheiro este comércio feito por ou com outras partes do mundo. Foram os comerciantes de grosso trato, que negociavam principalmente carne humana, que asseguraram a sobrevivência e o luxo da corte.
Tendo como principal atividade o comércio de longa distância, os homens de negócios tiveram uma grande mobilidade na sociedade imperial portuguesa. Seja em Lisboa, seja em outras regiões e centros mercantis do Império, como na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa mobilidade dava-lhes prestígio econômico e político e até prestígio de Ordem Militar do Império Português, recebendo mercês e sesmarias nas colônias.
Devido ao enobrecimento, recebido pela acumulação mercantil convertida em status, fez com que foram denominados fidalgos-mercadores, negociantes, que acumularam capital no comércio colonial, recebendo o titulo de fidalguia tanto em Portugal quanto na Inglaterra, os primeiros que fizeram riqueza com o comércio de escravos, investindo em plantações nas Caraíbas e no Sul dos Estados Unidos, em navios cargueiros, no comércio de bens alimentícios e que depois financiou a revolução industrial. O conceito de fidalgo-mercador era apropriado ao negociante e contratador português Francisco Pinheiro natural de uma região de Lisboa, Cavalheiro da Ordem de Cristo, membro da Mesa do Bem Comum do Espírito Santo dos Homens de Negócios e com negócios pela Europa e Império Português.
[1] Max Weber denominou esses negociantes de comerciantes atacadistas e, Fernand Braudel denominou-os de negociantes-capitalistas. A historiografia tem caracterizado os agentes mercantis, quanto à dimensão das transações, em comerciantes de grosso trato e a retalho, ou varejo, quanto à mobilidade, em comerciantes fixos e volantes, e quanto à permanência nos negócios, em comerciantes eventuais, ou circunstanciais e permanentes. Apesar de podermos identificar essas tendências gerais, segundo Júnia Furtado, "eram quase imperceptíveis as linhas que separavam o comércio volante do fixo, os grandes negociantes dos pequenos, os comerciantes eventuais dos permanentes." No caso de Minas, a autora afirma que "as características que marcaram os comerciantes mineiros foram a heterogeneidade, a instabilidade e a fluidez entre os diversos tipos de atividades a que se dedicavam".
[2] Os comboieiros, a pretexto de venderem escravos, facilmente obtinham licença para entrarem nas terras demarcadas. Não se refletiu que a homens já habituados ao abominável comércio da carne humana não repugnaria qualquer outra especulação ilícita e proibida. Foram eles os maiores contrabandistas dos anos 1743 e 1744. Vendiam na demarcação os escravos que traziam, e o produto era empregado em diamantes que compravam; e tão certos estavam deste negócio, que de antemão participavam sua vinda para seus fregueses, para que eles se preparassem. São os comboieiros aqueles que aos portos da marinha costumam ir buscar escravos para os vender nas Minas, aos mineiros, roceiros e mais habitantes delas. Custam os melhores escravos nos portos de 100$000 até 120$000 rs., fazem de despesas de direitos e sustento na viagem 20$000 rs. O modo porque os vendem é fiado por dois anos de 180 até 200 oitavas de ouro em pó (de 216$000 a 240$000 rs.), ou em dois pagamentos iguais de ano a ano. Não tomam outra informação para venderem mais do que, se o comprador que quer comprar o escravo, tem ao menos outro pago; e sendo dois melhor...
[3] Para a classificação de negros vindos da África usou-se os termos “gentio” assim como “nação”. Gentio é uma alusão à palavra gente, indicando uma lei natural designando dos povos onde era transmitida a catequese missionária, usado ate o século XVIII. O termo nação eram povos ligados a determinada região, com língua, leis e nação específica. O termo foi utilizado do século xv até o XIX. As identificações dos gentios eram da guiné, angola e mina, as duas últimas faziam parte de uma grande variedade de grupos étnicos.
[4] A permanente escassez de moeda cunhada, nos séculos XVI e XVII, no Brasil, obrigou a Coroa Portuguesa a criar tais oficinas, de caráter temporário, em várias capitanias. O objetivo, geralmente, era o de aplicar "recunhos" em moedas espanholas. Mas também foi comum a aplicação de "escudetes", que aumentavam o valor da moeda e de "carimbos", que reduziam o valor delas. Mandada estabelecer por alvará de 26 de fevereiro de 1643, para carimbar patacas e meias patacas espanholas com os valores de $480 (quatrocentos e oitenta réis) e $240 (duzentos e quarenta réis). Tais moedas deveriam ser levadas pelos seus possuidores à oficina no prazo de 4 meses. OLIVEIRA, Salles, Moedas do Brasil e GONÇALVES, Cléber Baptista. Casa da Moeda do Brasil. (www.receita.fazenda.gov.br/memoria/administracao/reparticoes/colonia/oficinas)
[5] Relato Alberto da Costa e Silva, diplomata que testemunhou em 1960 a independência da Nigéria e conheceu Etiópia, Gana, Togo, Camarões, Angola, Costa do Marfim, Zaire, Gabão e outras nações africanas, relatando ainda a visita que fez em outubro de 1995 a Daomé para participar da festa do sucessor ao título de Chachá VIII, Honoré Feliciano Julião de Souza.
[6] Relatos dizem que entrou no negócio de tráfico de escravos levado pelo seu sogro Comalangã, régulo da ilha de Glidji, na localidade de Popó, e pai de sua primeira esposa, Jijibu ou Djidgiabu.
[7] Seria, segundo versões, corruptela de “já, já!”, ou seja, “agora mesmo”, imperativo de que abusaria no trato com os subordinados, e não um título.
[8] Brasil Amplia Luta Por Recursos Africanos: Diário Britânico Financial Times 9 de Fevereiro de 2010: O Brasil reedita com operações da “Vale” (antiga mineradora Vale do Rio Doce) em Moçambique , seu interesse pela África na corrida internacional pelos recursos africanos.O Financial Times comenta ainda que as importações brasileiras da África cresceram de US$ 3 bilhões para US$ 18,5 bilhões de 2000 a 2008, enquanto as exportações brasileiras para o continente subiram de US$ 1 bilhão para US$ 8 bilhões no mesmo período.
Os homens de negócios[1], conhecidos como comerciantes que negociavam a grosso, por atacado de escravos em grande quantidade, diferenciando dos demais comerciantes, que se ocupavam das produções da sua pátria, a fim de trocá-las por outras mercadorias necessárias, ou dinheiro este comércio feito por ou com outras partes do mundo. Foram os comerciantes de grosso trato, que negociavam principalmente carne humana, que asseguraram a sobrevivência e o luxo da corte.
Tendo como principal atividade o comércio de longa distância, os homens de negócios tiveram uma grande mobilidade na sociedade imperial portuguesa. Seja em Lisboa, seja em outras regiões e centros mercantis do Império, como na Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa mobilidade dava-lhes prestígio econômico e político e até prestígio de Ordem Militar do Império Português, recebendo mercês e sesmarias nas colônias.
Devido ao enobrecimento, recebido pela acumulação mercantil convertida em status, fez com que foram denominados fidalgos-mercadores, negociantes, que acumularam capital no comércio colonial, recebendo o titulo de fidalguia tanto em Portugal quanto na Inglaterra, os primeiros que fizeram riqueza com o comércio de escravos, investindo em plantações nas Caraíbas e no Sul dos Estados Unidos, em navios cargueiros, no comércio de bens alimentícios e que depois financiou a revolução industrial. O conceito de fidalgo-mercador era apropriado ao negociante e contratador português Francisco Pinheiro natural de uma região de Lisboa, Cavalheiro da Ordem de Cristo, membro da Mesa do Bem Comum do Espírito Santo dos Homens de Negócios e com negócios pela Europa e Império Português.
A descoberta de ouro nas Minas Gerais, no final do século XVII, promoveu uma intensa procura pelo trabalho escravo nas minas[2], provocando uma corrida em direção à África na busca de escravos, atraindo também ingleses e holandeses e acirrando rivalidades já desgastadas entre as praças mercantis de Lisboa, Salvador e Rio de Janeiro; pelo exclusivo do comércio dos escravos da Costa da Mina, onde Francisco Pinheiro passou a atuar neste negócio altamente lucrativo no denominado negócio da “carne humana” [3].
Numa carta enviada ao rei de Portugal em 20 de junho de 1703, o governador da Bahia, Dom Rodrigo da Costa solicitava providências quanto à participação dos negociantes do Rio de Janeiro no referido comércio, pois passaram a concorrer com os baianos no abastecimento de mão de obra para as Minas Gerais. Em 27 de setembro de 1703, o rei de Portugal fazia conhecer ao governador da Bahia a “provisão régia para comércio da Costa da Mina e na Guiné”:
“Eu, El-Rey, fui servido mandar prohibir absolutamente, que não vão embarcações nem do Rio de Janeiro, nem dos portos das Capitanias do sul a costa da Mina..., impondo aos transgressores desta ley a pena de se lhe confiscarem assy os navios em que navegarem, como as fazendas que se acharem, e de serem degradados por tempo de seis annos para S. Tomé”.
Com a invasão francesa no Rio de Janeiro em 1711, dificultaram os negócios de escravos, relacionadas com os altos custos da organização do comércio na embarcação e tripulação e alto custo de mercadorias onde Guilherme Rubim, agente de Francisco Pinheiro na Bahia, em 15 de outubro de 1712,, relata as dificuldades de escoar produtos para o Rio de Janeiro:
“pella cauza dos framcesses destruhirem o Rio de Janeiro e se acha a terra falta de vários gêneros, desta cidade me dissem forão tantos, que se acha abundante delles primcipalmente de gêneros de lam e pannos de linho e alguns mantimentos de sorte que esta cidade ficou exsausta destes últimos (...)”.
Preocupado com o que ocorreu em 1710 e 1711, Francisco Pinheiro enviou seu caixeiro de Lisboa, João Diniz de Azevedo e o capitão José Vieira Marques para uma “carregação” de escravos da Costa da Mina em 1714. Francisco Pinheiro recebeu informações da chegada da “carregação” de “negros da Mina”, havendo preferência pelo escravo “homem adulto” pela capacidade física para o trabalho “plenamente produtivo e rentável”, que eram enviados ao Rio de Janeiro e para Minas Gerais.
Além das dificuldades de organizar sociedades para o comércio de escravos, dois acontecimentos dificultaram os negócios de Francisco Pinheiro na Costa da Mina:
O primeiro foi à construção do forte em São João Batista de Ajuda na Costa da Mina, em 1721, financiado por negociantes baianos, e sob iniciativa de Vasco Fernandez César de Meneses, 39º governador e capitão geral da Bahia e 4º vice rei do Brasil.
O segundo foi o início da expansão do Reino de Daomé, que intensificou as disputas entre os reinos africanos pelo tráfico na costa da Mina, aumentando o risco do comércio de escravos na região.
A história registra ainda que João de Oliveira, iorubano escravizado, nascido por volta de 1700, foi levado ainda jovem para Recife, sendo convertido à fé cristã. Pierre Verger escreveu sobre João de Oliveira em capítulo de seu livro “Os Libertos”, afirma que o escravo, que gozava de toda a confiança de seu dono, foi enviado de volta à África, onde contribuiu para revolucionar o tráfico negreiro na Costa da Mina.
João de Oliveira não somente comprou sua liberdade com os escravos que enviava ao Brasil, como continuou a mandá-los mesmo após a morte de seu dono, como forma de ajudar à viúva, “que havia caído em estado de necessidade”. Desempenhou papel importante na revitalização do tráfico negreiro entre a Costa da Mina e o nordeste brasileiro, contrapondo-se à hegemonia dos reis daomeanos, que, desde 1721, data da conquista do porto de Uidá pelo rei Agadja, dominavam a região.
Segundo Verger, “Oliveira estabeleceu por sua conta, na parte oriental dessa mesma Costa da Mina, o Porto-Novo, controlado desde Oyo, no interior, pelo poderoso rei dos Iorubás, e o porto de Onin, em Lagos, que dependia do rei de Benin”
Viveu por 37 anos na Costa da Mina, sendo que João de Oliveira “teria quase assumido o papel de primeiro embaixador de Portugal na Costa da África”, conforme Verger, regressando ao Brasil em 1770, em companhia de quatro embaixadores do rei de Onin. Chegando a Salvador, foi vítima de medidas tomadas pelo governador da Bahia, José da Cunha Grã Ataíde e Mello, o 3º Conde de Povolide, que visava punir donos e capitães de navios atuantes na Costa da Mina. Aprisionado por ordem do provedor da alfândega, permaneceu encarcerado por trinta dias.
O comércio de escravos aos poucos declinava por guerras na costa da África e as disputas entre negociantes das praças de Salvador e do Rio de Janeiro, como também de ingleses e holandeses, esse último controlando o comércio de escravos na Costa da Mina e Guiné. Ninguém se expunha ao risco da exploração do comércio marítimo e a falta de sócios para a organização do navio obrigava o fechamento de sociedades no Rio de Janeiro.
Por outro lado na costa oriental da África o desenvolvimento de um grupo de mercadores e armadores estabeleciam em Moçambique profundas alterações políticas, sociais e econômicas nos domínios portugueses desencadeadas pelo processo de autonomia em relação ao Estado da Índia, iniciado em 1752.
Também em algumas situações, os negociantes que seguiam do Brasil para Moçambique foram autorizados a envolverem-se no comércio de cabotagem. Em 1761, com José Francisco da Fonseca decidiu fixar-se em Moçambique, envolvendo-se no comércio interno, fazendo fortuna no transporte e no tráfico de escravos, víveres e marfim construindo um patrimônio composto de ouro e prata, escravos, tecidos.
Em 1763 ou 1764, António Lopes da Costa e João Antunes de Araújo e Lima, influentes homens de negócio da praça carioca, decidiram estabelecer-se na África e aí constituir uma sociedade para os tratos que desenvolviam, não só em diversos portos da costa brasileira, mas, também, em Moçambique e na Índia.
Pensada para o resgate de escravos de longa distância, esta sociedade que ficou conhecida pelo nome de Casa do Rio de Janeiro, viu-se obrigada igualmente a envolver-se no comércio interno de Moçambique, dado que as mercadorias que enviava para o «tráfico de almas», não conseguiam concorrer em qualidade e preços, com os tecidos indianos e com as «armas, a pólvora, os panos de cafre de origem Malabar.
No final do século XVIII, essa elite constituía já uma pequena oligarquia financeira disposta a monopolizar o comércio da costa e a investir no alargamento do espaço de atuação.
O incremento do tráfico de escravos e o afluxo de milhares de patacas[4] ao mercado moçambicano proporcionaram enormes vantagens aos detentores de cargos públicos, na medida em que enquanto anteriormente o marfim, os panos e os escravos, necessitavam ser tributados, o grande fluxo de moeda permitia-lhes arrecadar subornos de forma discreta e difícil de controlar que chegavam às mãos do governador e da administração com capacidade para influenciarem o desenvolvimento do tráfico.
O aumento do número de mercadores portugueses e o primeiro esboço de um corpo mercantil só se tornariam visível a partir do final da década de 1770 e início da década de 1780, com a expansão do tráfico de escravos desenvolvido pelos franceses no arquipélago de Mascarenhas, base de reabastecimento de navios em trânsito para a Índia pela Companhia Francesa das Índias Orientais, no oceano Índico ocidental na rota do cabo da Boa Esperança e pelos brasileiros na costa oriental africana, especialmente ao norte de Moçambique, no Arquipélago Querimbas e em Quelimane, cidade da província da Zambézia.
Entre 1781 e 1790, tinham sido exportados em navios portugueses aproximadamente vinte e quatro mil escravos, mesma quantidade dos anos de 1787 a 1790, em navios estrangeiros, média de seis mil por ano. Cada navio transportava em média cerca de duzentos escravos, os armadores portugueses preparavam os seus navios para efetuarem a média de quinze viagens por ano a mesma quantidade seria aceita para navios estrangeiros, totalizando a demanda acima, ou seja 6000 escravos por ano, transportados a 200 “peças”, conforme dito à época, por cada navio, totalizando o total de 30 viagens entre 1787 e 1790.
Outro representante de homens de negócios de “carne humana” foi o mestiço Francisco Félix de Souza[5], nascido em 4 de outubro de 1754, na Bahia. Possuindo habilidade comercial, atravessou o Atlântico e chegou a Daomé, Uidá, na África Ocidental, para transformar-se no maior traficante de escravos do século XIX, estabelecendo-se em Benin em 1788. Após alguns desacertos comerciais, mudou-se, primeiro, para Popô Pequen[6], empregando-se depois na fortaleza portuguesa de São João Batista de Ajudá, em 1803, como escrivão e contador e mesmo sem a autorização formal dos portugueses, passou a atuar como intermediário comercial naquele que era o mais importante centro exportador de escravos do Golfo de Benim. Depois, o “dada”, rei de Daomé, denominou-lhe “chachá”, que poderia significar chefe dos brancos e vice-rei de Ajudá.[7] Acumulou patrimônio elevado proveniente de navios para transportar escravos, esposas, currais de gado miúdo, chiqueiros, capoeiras e tulhas de inhame, mandioca, milho e plantações de palma de dendê.
As pressões inglesas para o fim do tráfico produziu diminuição da atividade arruinando homens de negócios porque não sabiam fazer outra coisa que não fosse traficar “carne humana”[8].
Referências:
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil (dores de crescimento de uma sociedade colonial).Tradução de Nair de Lacerda. 2ª ed.revista. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1969.
VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico deEscravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. Tradução de Tasso Gadzanis. 4ª ed. ver. Salvador: Corrupio, 2002.
VERGER, Pierre. Os libertos, sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador. Fundação Cultural, Estado da Bahia, 1992.
CHAVES, Claudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das Minas Setecentistas. São Paulo:Annablume, 1999.
BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo Colonial (1711-1765). São Paulo, 2007. Tese (Doutorado em História Social) - FFLCH-USP
FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e o comércio nas Minas Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999.
FRAGOSO, João. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza Ou Chachá. In Mercador de Escravos. Nova Fronteira, 2004.
SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada E A Lança: A África Antes dos Portugueses. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 1992.
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo, A África e a Escravidão, de 1500 a 1700. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 1992.
Notas:
Numa carta enviada ao rei de Portugal em 20 de junho de 1703, o governador da Bahia, Dom Rodrigo da Costa solicitava providências quanto à participação dos negociantes do Rio de Janeiro no referido comércio, pois passaram a concorrer com os baianos no abastecimento de mão de obra para as Minas Gerais. Em 27 de setembro de 1703, o rei de Portugal fazia conhecer ao governador da Bahia a “provisão régia para comércio da Costa da Mina e na Guiné”:
“Eu, El-Rey, fui servido mandar prohibir absolutamente, que não vão embarcações nem do Rio de Janeiro, nem dos portos das Capitanias do sul a costa da Mina..., impondo aos transgressores desta ley a pena de se lhe confiscarem assy os navios em que navegarem, como as fazendas que se acharem, e de serem degradados por tempo de seis annos para S. Tomé”.
Com a invasão francesa no Rio de Janeiro em 1711, dificultaram os negócios de escravos, relacionadas com os altos custos da organização do comércio na embarcação e tripulação e alto custo de mercadorias onde Guilherme Rubim, agente de Francisco Pinheiro na Bahia, em 15 de outubro de 1712,, relata as dificuldades de escoar produtos para o Rio de Janeiro:
“pella cauza dos framcesses destruhirem o Rio de Janeiro e se acha a terra falta de vários gêneros, desta cidade me dissem forão tantos, que se acha abundante delles primcipalmente de gêneros de lam e pannos de linho e alguns mantimentos de sorte que esta cidade ficou exsausta destes últimos (...)”.
Preocupado com o que ocorreu em 1710 e 1711, Francisco Pinheiro enviou seu caixeiro de Lisboa, João Diniz de Azevedo e o capitão José Vieira Marques para uma “carregação” de escravos da Costa da Mina em 1714. Francisco Pinheiro recebeu informações da chegada da “carregação” de “negros da Mina”, havendo preferência pelo escravo “homem adulto” pela capacidade física para o trabalho “plenamente produtivo e rentável”, que eram enviados ao Rio de Janeiro e para Minas Gerais.
Além das dificuldades de organizar sociedades para o comércio de escravos, dois acontecimentos dificultaram os negócios de Francisco Pinheiro na Costa da Mina:
O primeiro foi à construção do forte em São João Batista de Ajuda na Costa da Mina, em 1721, financiado por negociantes baianos, e sob iniciativa de Vasco Fernandez César de Meneses, 39º governador e capitão geral da Bahia e 4º vice rei do Brasil.
O segundo foi o início da expansão do Reino de Daomé, que intensificou as disputas entre os reinos africanos pelo tráfico na costa da Mina, aumentando o risco do comércio de escravos na região.
A história registra ainda que João de Oliveira, iorubano escravizado, nascido por volta de 1700, foi levado ainda jovem para Recife, sendo convertido à fé cristã. Pierre Verger escreveu sobre João de Oliveira em capítulo de seu livro “Os Libertos”, afirma que o escravo, que gozava de toda a confiança de seu dono, foi enviado de volta à África, onde contribuiu para revolucionar o tráfico negreiro na Costa da Mina.
João de Oliveira não somente comprou sua liberdade com os escravos que enviava ao Brasil, como continuou a mandá-los mesmo após a morte de seu dono, como forma de ajudar à viúva, “que havia caído em estado de necessidade”. Desempenhou papel importante na revitalização do tráfico negreiro entre a Costa da Mina e o nordeste brasileiro, contrapondo-se à hegemonia dos reis daomeanos, que, desde 1721, data da conquista do porto de Uidá pelo rei Agadja, dominavam a região.
Segundo Verger, “Oliveira estabeleceu por sua conta, na parte oriental dessa mesma Costa da Mina, o Porto-Novo, controlado desde Oyo, no interior, pelo poderoso rei dos Iorubás, e o porto de Onin, em Lagos, que dependia do rei de Benin”
Viveu por 37 anos na Costa da Mina, sendo que João de Oliveira “teria quase assumido o papel de primeiro embaixador de Portugal na Costa da África”, conforme Verger, regressando ao Brasil em 1770, em companhia de quatro embaixadores do rei de Onin. Chegando a Salvador, foi vítima de medidas tomadas pelo governador da Bahia, José da Cunha Grã Ataíde e Mello, o 3º Conde de Povolide, que visava punir donos e capitães de navios atuantes na Costa da Mina. Aprisionado por ordem do provedor da alfândega, permaneceu encarcerado por trinta dias.
O comércio de escravos aos poucos declinava por guerras na costa da África e as disputas entre negociantes das praças de Salvador e do Rio de Janeiro, como também de ingleses e holandeses, esse último controlando o comércio de escravos na Costa da Mina e Guiné. Ninguém se expunha ao risco da exploração do comércio marítimo e a falta de sócios para a organização do navio obrigava o fechamento de sociedades no Rio de Janeiro.
Por outro lado na costa oriental da África o desenvolvimento de um grupo de mercadores e armadores estabeleciam em Moçambique profundas alterações políticas, sociais e econômicas nos domínios portugueses desencadeadas pelo processo de autonomia em relação ao Estado da Índia, iniciado em 1752.
Também em algumas situações, os negociantes que seguiam do Brasil para Moçambique foram autorizados a envolverem-se no comércio de cabotagem. Em 1761, com José Francisco da Fonseca decidiu fixar-se em Moçambique, envolvendo-se no comércio interno, fazendo fortuna no transporte e no tráfico de escravos, víveres e marfim construindo um patrimônio composto de ouro e prata, escravos, tecidos.
Em 1763 ou 1764, António Lopes da Costa e João Antunes de Araújo e Lima, influentes homens de negócio da praça carioca, decidiram estabelecer-se na África e aí constituir uma sociedade para os tratos que desenvolviam, não só em diversos portos da costa brasileira, mas, também, em Moçambique e na Índia.
Pensada para o resgate de escravos de longa distância, esta sociedade que ficou conhecida pelo nome de Casa do Rio de Janeiro, viu-se obrigada igualmente a envolver-se no comércio interno de Moçambique, dado que as mercadorias que enviava para o «tráfico de almas», não conseguiam concorrer em qualidade e preços, com os tecidos indianos e com as «armas, a pólvora, os panos de cafre de origem Malabar.
No final do século XVIII, essa elite constituía já uma pequena oligarquia financeira disposta a monopolizar o comércio da costa e a investir no alargamento do espaço de atuação.
O incremento do tráfico de escravos e o afluxo de milhares de patacas[4] ao mercado moçambicano proporcionaram enormes vantagens aos detentores de cargos públicos, na medida em que enquanto anteriormente o marfim, os panos e os escravos, necessitavam ser tributados, o grande fluxo de moeda permitia-lhes arrecadar subornos de forma discreta e difícil de controlar que chegavam às mãos do governador e da administração com capacidade para influenciarem o desenvolvimento do tráfico.
O aumento do número de mercadores portugueses e o primeiro esboço de um corpo mercantil só se tornariam visível a partir do final da década de 1770 e início da década de 1780, com a expansão do tráfico de escravos desenvolvido pelos franceses no arquipélago de Mascarenhas, base de reabastecimento de navios em trânsito para a Índia pela Companhia Francesa das Índias Orientais, no oceano Índico ocidental na rota do cabo da Boa Esperança e pelos brasileiros na costa oriental africana, especialmente ao norte de Moçambique, no Arquipélago Querimbas e em Quelimane, cidade da província da Zambézia.
Entre 1781 e 1790, tinham sido exportados em navios portugueses aproximadamente vinte e quatro mil escravos, mesma quantidade dos anos de 1787 a 1790, em navios estrangeiros, média de seis mil por ano. Cada navio transportava em média cerca de duzentos escravos, os armadores portugueses preparavam os seus navios para efetuarem a média de quinze viagens por ano a mesma quantidade seria aceita para navios estrangeiros, totalizando a demanda acima, ou seja 6000 escravos por ano, transportados a 200 “peças”, conforme dito à época, por cada navio, totalizando o total de 30 viagens entre 1787 e 1790.
Outro representante de homens de negócios de “carne humana” foi o mestiço Francisco Félix de Souza[5], nascido em 4 de outubro de 1754, na Bahia. Possuindo habilidade comercial, atravessou o Atlântico e chegou a Daomé, Uidá, na África Ocidental, para transformar-se no maior traficante de escravos do século XIX, estabelecendo-se em Benin em 1788. Após alguns desacertos comerciais, mudou-se, primeiro, para Popô Pequen[6], empregando-se depois na fortaleza portuguesa de São João Batista de Ajudá, em 1803, como escrivão e contador e mesmo sem a autorização formal dos portugueses, passou a atuar como intermediário comercial naquele que era o mais importante centro exportador de escravos do Golfo de Benim. Depois, o “dada”, rei de Daomé, denominou-lhe “chachá”, que poderia significar chefe dos brancos e vice-rei de Ajudá.[7] Acumulou patrimônio elevado proveniente de navios para transportar escravos, esposas, currais de gado miúdo, chiqueiros, capoeiras e tulhas de inhame, mandioca, milho e plantações de palma de dendê.
As pressões inglesas para o fim do tráfico produziu diminuição da atividade arruinando homens de negócios porque não sabiam fazer outra coisa que não fosse traficar “carne humana”[8].
Referências:
SOARES, Mariza de Carvalho. Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil (dores de crescimento de uma sociedade colonial).Tradução de Nair de Lacerda. 2ª ed.revista. São Paulo: Cia Ed. Nacional, 1969.
VERGER, Pierre. Fluxo e Refluxo do Tráfico deEscravos entre o Golfo do Benin e a Bahia de Todos os Santos dos séculos XVII a XIX. Tradução de Tasso Gadzanis. 4ª ed. ver. Salvador: Corrupio, 2002.
VERGER, Pierre. Os libertos, sete caminhos na liberdade de escravos da Bahia no século XIX. Salvador. Fundação Cultural, Estado da Bahia, 1992.
CHAVES, Claudia Maria das Graças. Perfeitos negociantes: mercadores das Minas Setecentistas. São Paulo:Annablume, 1999.
BORREGO, Maria Aparecida de Menezes. A teia mercantil: negócios e poderes em São Paulo Colonial (1711-1765). São Paulo, 2007. Tese (Doutorado em História Social) - FFLCH-USP
FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e o comércio nas Minas Setecentistas. São Paulo: Hucitec, 1999.
FRAGOSO, João. Homens de Grossa Aventura: acumulação e hierarquia na praça mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.
SILVA, Alberto da Costa e. Francisco Félix de Souza Ou Chachá. In Mercador de Escravos. Nova Fronteira, 2004.
SILVA, Alberto da Costa e. A Enxada E A Lança: A África Antes dos Portugueses. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 1992.
SILVA, Alberto da Costa e. A manilha e o libambo, A África e a Escravidão, de 1500 a 1700. São Paulo. Editora Nova Fronteira, 1992.
Notas:
[1] Max Weber denominou esses negociantes de comerciantes atacadistas e, Fernand Braudel denominou-os de negociantes-capitalistas. A historiografia tem caracterizado os agentes mercantis, quanto à dimensão das transações, em comerciantes de grosso trato e a retalho, ou varejo, quanto à mobilidade, em comerciantes fixos e volantes, e quanto à permanência nos negócios, em comerciantes eventuais, ou circunstanciais e permanentes. Apesar de podermos identificar essas tendências gerais, segundo Júnia Furtado, "eram quase imperceptíveis as linhas que separavam o comércio volante do fixo, os grandes negociantes dos pequenos, os comerciantes eventuais dos permanentes." No caso de Minas, a autora afirma que "as características que marcaram os comerciantes mineiros foram a heterogeneidade, a instabilidade e a fluidez entre os diversos tipos de atividades a que se dedicavam".
[2] Os comboieiros, a pretexto de venderem escravos, facilmente obtinham licença para entrarem nas terras demarcadas. Não se refletiu que a homens já habituados ao abominável comércio da carne humana não repugnaria qualquer outra especulação ilícita e proibida. Foram eles os maiores contrabandistas dos anos 1743 e 1744. Vendiam na demarcação os escravos que traziam, e o produto era empregado em diamantes que compravam; e tão certos estavam deste negócio, que de antemão participavam sua vinda para seus fregueses, para que eles se preparassem. São os comboieiros aqueles que aos portos da marinha costumam ir buscar escravos para os vender nas Minas, aos mineiros, roceiros e mais habitantes delas. Custam os melhores escravos nos portos de 100$000 até 120$000 rs., fazem de despesas de direitos e sustento na viagem 20$000 rs. O modo porque os vendem é fiado por dois anos de 180 até 200 oitavas de ouro em pó (de 216$000 a 240$000 rs.), ou em dois pagamentos iguais de ano a ano. Não tomam outra informação para venderem mais do que, se o comprador que quer comprar o escravo, tem ao menos outro pago; e sendo dois melhor...
[3] Para a classificação de negros vindos da África usou-se os termos “gentio” assim como “nação”. Gentio é uma alusão à palavra gente, indicando uma lei natural designando dos povos onde era transmitida a catequese missionária, usado ate o século XVIII. O termo nação eram povos ligados a determinada região, com língua, leis e nação específica. O termo foi utilizado do século xv até o XIX. As identificações dos gentios eram da guiné, angola e mina, as duas últimas faziam parte de uma grande variedade de grupos étnicos.
[4] A permanente escassez de moeda cunhada, nos séculos XVI e XVII, no Brasil, obrigou a Coroa Portuguesa a criar tais oficinas, de caráter temporário, em várias capitanias. O objetivo, geralmente, era o de aplicar "recunhos" em moedas espanholas. Mas também foi comum a aplicação de "escudetes", que aumentavam o valor da moeda e de "carimbos", que reduziam o valor delas. Mandada estabelecer por alvará de 26 de fevereiro de 1643, para carimbar patacas e meias patacas espanholas com os valores de $480 (quatrocentos e oitenta réis) e $240 (duzentos e quarenta réis). Tais moedas deveriam ser levadas pelos seus possuidores à oficina no prazo de 4 meses. OLIVEIRA, Salles, Moedas do Brasil e GONÇALVES, Cléber Baptista. Casa da Moeda do Brasil. (www.receita.fazenda.gov.br/memoria/administracao/reparticoes/colonia/oficinas)
[5] Relato Alberto da Costa e Silva, diplomata que testemunhou em 1960 a independência da Nigéria e conheceu Etiópia, Gana, Togo, Camarões, Angola, Costa do Marfim, Zaire, Gabão e outras nações africanas, relatando ainda a visita que fez em outubro de 1995 a Daomé para participar da festa do sucessor ao título de Chachá VIII, Honoré Feliciano Julião de Souza.
[6] Relatos dizem que entrou no negócio de tráfico de escravos levado pelo seu sogro Comalangã, régulo da ilha de Glidji, na localidade de Popó, e pai de sua primeira esposa, Jijibu ou Djidgiabu.
[7] Seria, segundo versões, corruptela de “já, já!”, ou seja, “agora mesmo”, imperativo de que abusaria no trato com os subordinados, e não um título.
[8] Brasil Amplia Luta Por Recursos Africanos: Diário Britânico Financial Times 9 de Fevereiro de 2010: O Brasil reedita com operações da “Vale” (antiga mineradora Vale do Rio Doce) em Moçambique , seu interesse pela África na corrida internacional pelos recursos africanos.O Financial Times comenta ainda que as importações brasileiras da África cresceram de US$ 3 bilhões para US$ 18,5 bilhões de 2000 a 2008, enquanto as exportações brasileiras para o continente subiram de US$ 1 bilhão para US$ 8 bilhões no mesmo período.
1 comentário:
Carlos, Voce pesquisa e conta a história como deveria ser feita nas escolas. A sequencia do assunto em pauta tem uma coerência e entendimento muito claro e ilustrativo.
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