Identidade
e autodestruição da cidade
Todo este pertencimento local e sua
identidade que marcou e demarcou o espaço urbano de São Paulo foi aos poucos
sendo diluído até sua destruição total, que como marca só deixou a denominação
de uma rua, nenhum outro vestígio permanente e concretamente perpetuou-se
através da identidade anterior, a não ser pelos relatos e registros fotográficos
e iconográficos de alguns abnegados que se perpetuaram também em relatos historiográficos.
A vida determinante em momentos de uma
urbanização foi sendo transformado pela dinâmica da cidade de São Paulo, tornando
o local algo que necessitava ter outra função pela expansão deste centro
histórico, de uma mudança paulatina que absorveu todo o contexto edificado ao
redor foi de repente transformado em outra coisa diferente e que em nada se
parece com aquele espaço que um dia foi referência de muitas gerações.
O espaço geográfico que se transformou
pela ação humana também é transformado de tempos em tempos em novo modelo transformador
para dar a localidade outra perspectiva que condiga com outra dinâmica que
perdura também por poucas gerações, e que não se torna mais referência de
convivência, mas apenas mero espaço de passagem.
Onde era antes local de culto, de
negócios, de barganhas e de troca de experiências, são transformados por outra
arquitetura antes de taipa de pilão rústica para as construções mais robustas arrojadas
que darão outro olhar ao espaço, mas que também será transformada em novos
conceitos um dia qualquer, pela autodestruição incessante do meio destas
relações que nunca serão duradouras como edificações.
O
Largo e a Igreja da Misericórdia
Na esquina da Rua Direita, em São Paulo, em sentido da Praça da Sé, antes existia a Igreja da Misericórdia, construída por volta de 1608 e que foi reedificada neste local em 1716 pela Irmandade da Santa Casa da Misericórdia e destruída em 1886, para dar espaço à expansão do centro da cidade. Ali fora instalada a Santa Casa, que praticava caridade sendo um centro de filantropia aos carentes. Proclamas da Câmara eram afixados em frente à igreja para onde afluíam muitas pessoas e que se tornou o centro de atração do núcleo urbano ao longo dos séculos XVIII e XIX. As atividades religiosas tinham o poder de congregar os paroquianos nas missas dominicais e em procissões obrigatórias.
O Chafariz da Misericórdia
Ali fora instalado em 1793 o Chafariz da
Misericórdia, no governo do Capitão Geral de São Paulo, governador da capitania, Bernardo José
de Lorena que contratou
o astrônomo e geógrafo português Bento Sanches D’Orta, em 1791, para analisar a
qualidade da água para consumo público em São Paulo, que possuía alto índice de
insalubridade, mas nenhuma providência foi tomada para melhoria de sua
qualidade.
A construção do chafariz ficou a cargo
do mestre de obras, alforriado por seu senhor, Joaquim Pinto de Oliveira Tebas,
contratado como jornaleiro por 600 réis, para edificar em pedra de quatro lados
para abastecer a sedenta população sendo o primeiro chafariz público da cidade
de São Paulo.
Consta ainda como referência,
embora a comprovação seja remota, que a pedra fora trazida dos arredores de
Santo Amaro, conforme citação do historiador Silvério de Arruda Sant’ Anna, que
era conhecido pelo pseudônimo de Nuto Santana. Há de se ter em mente que Santo
Amaro em seu núcleo histórico da citada Vila, não possui prospecção de minério,
logo se há nisso um cunho de verdade o granito que deu origem ao chafariz em
São Paulo, seja algo proveniente das periferias que deram na atualidade novas
cidades como Itapecerica da Serra ou Embu das Artes, antes denominada simplesmente
de M’ Boy.
O
Chafariz da Misericórdia, também conhecido com Chafariz do Tebas, era
abastecido das águas que afluíam da formação na nascente do ribeirão Anhangabaú, que
ficava no antigo Morro do Caaguaçu, onde na atualidade se situa a Avenida
Paulista, na região do Paraíso. As águas eram recolhidas em barricas e
depois transportadas para as residências locais por cativos que serviam seus
senhores ou por homens livres denominados “aguadeiros” que se serviam deste
afazer diário ao preço
de 40 réis o barril de 20 litros em pipas carregadas por carroças de burros, podendo
encarecer dependendo da dificuldade de fornecimento da água.
O chafariz era um ponto de encontro de
pessoas onde se informavam sobre vários assuntos enquanto se recolhiam a água
para transporte ou simplesmente por “servidão pública” se saciar algum sedento
de passagem, embora houvesse uma escassez de água que incomodava à época[1]. Em 1886, com a demolição da
Igreja da Misericórdia o chafariz foi deslocado para o Largo de Santa Cecília,
com a transferência da Santa Casa para essa região[2].
Na antiga localidade do Largo da Misericórdia foi concedido pela Câmara, deferido em 1883, ao Sr José Antônio Garcia, que se construísse um quiosque de alimentos, café e bebidas. Eram novos tempos e a cidade necessitava de outras referências denominativas.
Na antiga localidade do Largo da Misericórdia foi concedido pela Câmara, deferido em 1883, ao Sr José Antônio Garcia, que se construísse um quiosque de alimentos, café e bebidas. Eram novos tempos e a cidade necessitava de outras referências denominativas.
A imigração européia teve relevante participação na densidade demográfica da cidade a partir de 1867, ocasionou a ocupação desordenada de São Paulo. O abastecimento de água tornou-se crítico, exigindo do governo da Província obras de captação da água do ribeirão Anhangabaú e transportando por novas tubulações aos chafarizes existentes.
Em 1877 foi idealizada a Companhia Cantareira de
Águas e Esgotos e, em 1881, os moradores da Imperial Cidade de São Paulo
começaram a ser distribuídas às residências as águas captadas da Serra da
Cantareira. Estas chegavam ao reservatório construído na região da Consolação “cuja
pedra inaugural foi lançada em 27 de setembro de 1878 pelo Imperador Pedro II”.
A própria Assembléia Provincial recebeu a água canalizada da Cantareira em
1883. Os serviços tinham de ser pagos e
houve resistência da população à sua adoção, mas no início da década de 1890,
vários chafarizes e bicas foram desativados como forma de obrigar os
paulistanos a terem seus prédios ligados à rede distribuidora das águas da
Cantareira, então sob o controle do governo do Estado de São Paulo. Assim se
desativaram os tanques que abasteciam a cidade e naturalmente os chafarizes
foram aos poucos perdendo sua importância de “servidão pública”. O governo do
Estado assumiu a Companhia Cantareira de Águas e Esgotos em 1892, criando a
Repartição de Águas e Esgotos, aproveitando a ocasião para expedir a ordem para
que todos os chafarizes da cidade fossem destruídos. Acabou a distribuição de
águas livres, através da “catação” de água, sendo idealizada a “captação” da
caixa d’água da Consolação que distribuía para a rede pública, sendo que para
isso havia um dispêndio de fornecimento.
Assim o Chafariz da Misericórdia que fora removido quando da
demolição da Igreja da Misericórdia em 1886 e transportado para o Largo de
Santa Cecília, acompanhando o deslocamento em 1884 da Irmandade da Santa Casa
de Misericórdia, permaneceu até o limiar do século 20 neste local, sendo depois
recolhido a algum depósito municipal e esquecido de seus momentos de glória
quando abastecia a Cidade de São Paulo.
A Igreja da Misericórdia deu lugar ao
atual edifício “Ouro para São Paulo”, que remete a alusão do apoio a Revolução
Constitucionalista de 1932. A Igreja e o Chafariz da Misericórdia, dois
símbolos paulista que construíram a história de São Paulo foram destruídos pelo
dinamismo constante da cidade para sempre.
Referências:
Amaral, Maria Vicentina de Paula
do. A
dinâmica dos nomes na Cidade de São Paulo, 1554-1897: São Paulo:
ANABLUME
Frehse, Fraya. O Tempo
das Ruas na São Paulo de Fins do Império. São Paulo: Edusp, 2005
Simões Jr, José Geraldo.
Anhangabaú, História e Urbanismo. São Paulo: SENAC
1 comentário:
Mais um fato histórico de nossa cidade, que foi abandonado e depois jogado no lixo, fica a história e as fotos parta comprovar o fato.
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