segunda-feira, 27 de abril de 2015

Relatório Financeiro do ano de 1931 do Prefeito de Santo Amaro/SP apresentado ao Departamento da Administração Municipal

A última fronteira financeira da Vila Santo Amaro autônoma perdendo sua autonomia

Encontra-se nos porões da história, escombros a serem encontrados pela arqueologia histórica e que precisam vir à luz para que haja compreensão das épocas anteriores a nossa contemporaneidade. Por vezes nos deparamos com alguns tesouros, jogados por “algum bucaneiro” [1] que queria desfazer-se rapidamente de algo que lhe incriminasse, ou por algum motivo fazer uma “faxina de gaveta” e passar como incólume algum gesto de administração desastrosa esvaziando os cofres públicos. O documento transcrito na integra abaixo, com grafia inalterada, refere-se à administração do último prefeito da Vila de Santo Amaro, antes de eclodir a “Guerra Paulista de 32”. Após o conflito foi imposto o governo de intervenção de Getúlio Vargas, na pessoa de Armando Salles Oliveira em 1935, quando Santo Amaro perde sua autonomia administrativa, passando seu território de 640 quilômetros quadrados a fazer parte do Município de São Paulo.
Segue na integra o relatório financeiro da administração do Prefeito de Santo Amaro, Doutor Francisco Ferreira Lopes, que dá um parecer de como iam às contas na década de 30, mostrando realizações e gastos de investimentos em obras de sustentação das atividades na região de Santo Amaro, que abrangia vasto território e urgia manter os equipamentos municipais em franca atividade, até engrossando o patrimonial da prefeitura, arcando com o mínimo de terceirização, muito comum ao Estado brasileiro da atualidade.
A probidade administrativa é o maior objetivo a ser atingido pelos administradores de todas as esferas de governo e acabar com aquele jeitinho famigerado da propina de levar vantagem em tudo.


Relatório do exercicio de 1931, apresentado ao Departamento da Administração Municipal, pelo Prefeito Municipal, Doutor Francisco Ferreira Lopes[2].   (grafia como documento)

Cidadão Diretor do Departamento Municipal

Tenho a honra de passar as mãos V. S. o presente relatório deste Município referente ao exercício de 1931. Antes porem de entrar em pequenos detalhes sobre o assunto, seja-me permitido congratular-me com V. S. pela utilíssima atuação que teve o Departamento Municipal, nos negócios das Prefeituras, dando-lhes orientações, e fazendo ensinamentos sobre a boa marcha para a arrecadação e despesas.

A despeito de todas as dificuldades creadas com a crise financeira, esta Prefeitura teve a satisfação de encerrar o exercicio com o acréscimo de 17% em relação ao orçamento fixado.
Assim e, que, a previsão orçamentária fixava a arrecadação em 328.000$000, e a efetivamente arrecadada atingiu a som de Rs. 376.510$300[3].

Esse excesso de arrecadação poderia ter atingido a soma muito maior, si os impostos fossem todos cobrados, pelas importâncias lançadas. Em cumprimento, porem a uma circular desse Departamento, foram os impostos prediais arrecadados com a diminuição de 10% e sem as multas decorrentes dos prazos expirados.

A arrecadação dos impostos foi feita com toda a regularidade e dedicação dos encarregados desse serviço, e eu próprio estimulava os contribuintes, com solicitações constantes, e a bem dos interesses dos cofres do Município, a virem cooperar com a contribuição dos impostos ao pagamento devido. Foi assim que harmonizando os interesses do contribuinte em situação precária, e a Municipalidade pela necessidade de arrecadar, que consegui obter o excesso de arrecadação acima referida.

INICIO DA GESTÃO

A minha nomeação de Prefeito deste Município corresponde a época da Vitória da Revolução[4]; pois fui eu o primeiro e único que no município foi investido desse cargo. Dei um balanço nos cofres e livros da Prefeitura, contratando para esse fim um perito contador. Eram todavia precárias as provas e documentações deixadas por quem me antecedeu, pois como só havia um livro caixa de entrada e sahida, não havia escrituração, elemento estritamente necessário para uma justa verificação de livros. Apesar disso pude constatar que me foi entregue a direção desta Prefeitura com os seguintes ônus: Divida consolidade representado por uma escritura de hipotéca, capital e juros- 44.000$000. Dividas atrazadas de fornecedores e de folhas em atrazo, de importâncias diversas, porem que as reconheci as que se achavam legalmente autorizadas e preenchidas as formalidades legaes, cuja importância era de Rs  5.024$300.
As contas porem, que não se me apresentaram com os detalhes que autorizassem sua legitimidade, enviei a esse Departamento para que com seu alto critério resolvesse.

As despesas do Município

ECONOMIA

Duas mediadas se me afiguram primordiais para o bom desempenho do meu cargo: Arrecadar os impostos dos contribuintes, sem contudo deixar de levar em consideração a situação financeira atual, e, estabelecer nos gastos da Prefeitura o maximo  possível de economia, sem prejuiso das despesas imprescindíveis.
Para isso eu me esforcei em sempre regatear  aquizições diversas, preços vantajosos de modo a reverter aos cofres da Prefeitura a economia que fazia. Como pensava cumpria sempre.

Já para orçamento que vigorava no exercício findo, a verba de Administração Municipal foi de 58.440$000, qunado essa mesma verba no exercício de 1930 era de R$ 85.817$000 havendo portanto uma economia de R$27.317$000.

Assim aconteceu com todas as verbas.
Um economia apreciável de perto de 100 contos de reis foi feita no exercício de 1931, comparada com o exercício de 1930.

DÍVIDAS

As dividas do Município que para minha gestão no exercício de 1931, foram todas pagas no valor de R$ 49.024$300, assim descriminadas:
Divida com garantia hipotecaria                 44.000$000
Dividas atrazadas-legalmente autenticadas   5.024$300
                                                                49.024$300
Essas importâncias que representavam para o município os únicos ônus, desejava eu com grande empenho liquidal-as e assim o fiz no decorrer do exercício, logo que os cofres da Tesouraria comportasse aqueles pagamentos.
Muito embora a verba destinada ao pagamento supra fosse inferior ao debito em liquidação, eu não trepidei em livrar o município desses compromissos; isso eu o fiz com os recursos próprios da Tesouraria sem prejuízo de outras verbas.

VERBAS FIXADAS

Todas as verbas fixadas para as despesas no orçamento para as despesas no orçamento de 1931, foram rigorosamente cumpridas e pagas, aplicando o excedente da arrecadação em pagamentos autorisados, e ainda assim se verificou um saldo em caixa de Rs. 1.537$300, que passou para o exercício de 1932.

OBRAS PÚBLICAS

Na impossibilidade de se confecionar devido a exigüidade do tempo o orçamento de 1931 com títulos descriminados e respectivas verbas, foi determinado um orçamento com títulos muito limitados de modo que pela verba de Obras Publicas foram pagos os seguintes serviços:
Conservação de Ruas e Estradas, Pessoal e Material;
Serviços Públicos Municipais;
Jardim Público- Pessoal e Material;
Limpesa Pública- Pessoal e Material;
Matadouro Municipal- Pessoal e Material;
Mercado Municipal- Pessoal e Material;
Cemitério Municipal- Pessoal e Material;
Deposito Municipal- Pessoal e Material; e outros que relacionassem com esses títulos.

Três construções foram feitas sob verba Obras Publicas que merecem pela importância serem mencionados separadamente:

1º - Um britador, com vapores e diversos maquinismos Bombas de água, de custosas instalações representam para o município um aumento no Patrimônio de Rs 35.000$000. Pode produzir o britador 60 metros cúbicos de pedras britadas, que servirão para serviços diversos de ruas e construções.

2º - Uma garage contruida de alvenaria de tijolos com capacidade para comodar 20 caminhões, no valor de 15.000$000, que também reverte para o Patrimônio do Municipio.

3º - Um oficina mechanica com eficiência para serviço de operários em concertos de caminhões, com os respectivos materiais e ferramentas, no valor de R$ 5.000$000, igualmente que passa para reforço do Patrimonio Municipal.

Abaixo faço a discrição detalhada dos serviços de Obras Publicas executados no exercício de 1931, peã Diretoria de Obras Publicas e Viação desta Prefeitura (plantas inclusas*[5]):

Um boeiro na rua Taqueral: Um boeiro na rua Barão do Rio Branco; Reforma de um boeiro nas ruas João Alfredo e 15 de Novembro; Um pontilhão a estrada do Taboão; Um pontilhão no Ribeirão Jabaquara, Um pontilhão na rua Iguatinga; Construção de muros na rua João Alfredo; Construção de uma balsa sobre o rio Jurubatuba (Brooklin Paulista; Reforma da frente do Cemiterio; construção de uma garage; Uma oficima Mecanica; SEM PLANTAS- Um britador e motor Dice, instalado com todas as comodidades, em terreno desta Prefeitura o qual tem dado ótimo resultado; Um pontilhão na estrada do Morumby; Um pontilhão na estrada que vae ao bairro do Socorro; Um pontilhão na estrada da Campina; Um pontilhão na estrada Tuparoquera; Um boeiro na rua Tenente Cel. Carlos Silva Araujo; Um boeiro na rua Barão do Rio Branco; Um mata-burro na Vila Miranda; Um mata-burro na Mina do Pedregulho; traz mata-burros para o Matadouro e na rua João Alfredo, Concertos das grades da ponte sobre o rio Jurubatuba, estrada do Socorro; Depósito Municipal; Estanqueamento de barragem na rua 15 de Novembro; assoalhos para caminhões; Assentamento de guias;; idem de sargetas; Um pontilhão na rua Jupí; Concertos de um boeiro no largo do Socorro; Uma galeria  com 44x2, 50x1,50 situada na rua do Aterrado, onde se empregou aproximadamante 115 m3 de pedra bruta, sendo tomada as juntas com argamassa de areia e cimento e capeada com uma lage de concreto armado, onde ocupou-se 90 mts. De trilhos, sendo esse galeria para receber as águas do córrego denominado “Lavapés” e as águas pluviais de diversas ruas desta cidade; Assentamento de guias e sargetas na rua 15 de Novembro e Largo do Matadouro, concerto de um boeiro na rua Dr. Herculano de Freitas, Reforma completa de um pontilhão sobre o ribeirão Ibirapuéra Pequeno repero no pontilhão do córrego Iguatinga; Diversas reformas na rede de esgoto do Matadouro Municipal e diversos cortes e aterros em diversas ruas da cidade.

PATRIMONIO MUNICIPAL

 Os bens do Patrimonio Municipal constam a respectiva relação inclusa, com acréscimo da variação de Rs. 55.000$000. Não figura nesta conta os bens oriundos de terrenos, porquanto nunca existiu nesta Prefeitura uma escrituração precisa que servisse de base para determinar os valores de terrenos pertencentes ao Municipio. Essa deficiência de serviço vem de tempos remotos, de modo que eu ao assumir o meu cargo, nada encontrei de positivo que pudesse me orientar sobre a existência no município. É um dos problemas que também pretendo resolver; aguardo apenas uma ocasião de maior abastança nos cofres da Prefeitura, para dar inicio a execução do serviço cadastral.

RESUMO

A Prefeitura de Santo Amaro, se sente satisfeita em ter cumprido o seu dever e zelado pelos interesses do Municipio, mesmo acima de suas forças. Com excesso de arrecadação em confronto a previsão orçamentaria esta Prefeitura poude não só cumprir as verbas fixadas nas despesas, como também efetuar outros pagamentos, fechando o exercicio com saldo.
Antes de terminar essa minha rápida exposição, peço licença a V. S. para consignar neste relatório os meus agradecimentos, pela boa acolhida que sempre ma foi dispensado pelo Departamento Municipal, toda vez que a ela levava a minha solicitação.

Prevaleço-me do ensejo para apresentar V.S. os protestos de minha elevada estima e consideração.

O Prefeito Municipal
(a)    Dr. Francisco Ferreira Lopes

Outras informações: A Estrada de Ferro Sorocabana está construindo um rama entre Mayrink à Santos que passa por Santo Amaro.

Santo Amaro, 22 de janeiro de 1932

Indagações:

Qual foi a causa principal da perde de autonomia de Santo Amaro:

Foi aderir à causa da Revolução Constitucionalista de 1932?

Dificuldades na administração financeira de Santo Amaro que por algum motivo teve aumento significativo da dívida pública? (No hodierno parece ser a luta das administrações dos municípios, que querem a todo custo à diminuição de suas dívidas com cálculos a partir de índices menores!)

Há uma terceira hipótese?


Com a palavra todos os sant'amarenses, em nome da historiografia local.


[1] O termo “bucaneiro”  refere-se à maioria dos piratas e corsos originários de bases das Índias Ocidentais. Os “bucaneiros”  durante os séculos XVI e XVII, pilhavam principalmente o comércio espanhol com as suas colônias americanas.

[2] Há referência no site “Dicionário de ruas” da Prefeitura da existência da Praça Doutor Francisco Ferreira Lopes, em Santo Amaro, mas sem nenhuma complementação histórica da personalidade em questão.

[3] A moeda vigente era “réis”, abolido somente com a entrada do novo modelo “cruzeiro” em 1942, quando 1000 réis passou a valer 1,00 cruzeiro. De 1833 a 1942 pela lei nº 59, de 8 outubro 1833, Rs. 2$500=1/8 de ouro de 22 quilates. Vide “Terra das Patacas”: http://carlosfatorelli27013.blogspot.com.br/2010/04/terra-das-patacas.html

[4] Referência ao Golpe de 1930 que derrubou o governo de Washington Luís, impondo o governo provisório de Getúlio Dorneles Vargas.

[5] Essas plantas extraviaram-se ou estão perdidas em alguma repartição como arquivo morto.

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