A
última fronteira financeira da Vila Santo Amaro autônoma perdendo sua autonomia
Encontra-se
nos porões da história, escombros a serem encontrados pela arqueologia
histórica e que precisam vir à luz para que haja compreensão das épocas anteriores
a nossa contemporaneidade. Por vezes nos deparamos com alguns tesouros, jogados
por “algum bucaneiro” [1] que
queria desfazer-se rapidamente de algo que lhe incriminasse, ou por algum
motivo fazer uma “faxina de gaveta” e passar como incólume algum gesto de administração
desastrosa esvaziando os cofres públicos. O documento transcrito na integra abaixo, com grafia inalterada, refere-se à administração do último prefeito
da Vila de Santo Amaro, antes de eclodir a “Guerra
Paulista de 32”. Após o conflito foi imposto o governo de intervenção de Getúlio
Vargas, na pessoa de Armando Salles Oliveira em 1935, quando Santo Amaro perde
sua autonomia administrativa, passando seu território de 640 quilômetros quadrados
a fazer parte do Município de São Paulo.
Segue
na integra o relatório financeiro da administração do Prefeito de Santo Amaro,
Doutor Francisco Ferreira Lopes, que dá um parecer de como iam às contas na década
de 30, mostrando realizações e gastos de investimentos em obras de sustentação
das atividades na região de Santo Amaro, que abrangia vasto território e urgia
manter os equipamentos municipais em franca atividade, até engrossando o
patrimonial da prefeitura, arcando com o mínimo de terceirização, muito comum
ao Estado brasileiro da atualidade.
A
probidade administrativa é o maior objetivo a ser atingido pelos administradores
de todas as esferas de governo e acabar com aquele jeitinho famigerado da
propina de levar vantagem em tudo.
Relatório
do exercicio de 1931, apresentado ao Departamento da Administração Municipal,
pelo Prefeito Municipal, Doutor Francisco Ferreira Lopes[2]. (grafia como documento)
Cidadão Diretor do Departamento
Municipal
Tenho a honra de passar as mãos V. S. o
presente relatório deste Município referente ao exercício de 1931. Antes porem
de entrar em pequenos detalhes sobre o assunto, seja-me permitido
congratular-me com V. S. pela utilíssima atuação que teve o Departamento
Municipal, nos negócios das Prefeituras, dando-lhes orientações, e fazendo
ensinamentos sobre a boa marcha para a arrecadação e despesas.
A despeito de todas as dificuldades
creadas com a crise financeira, esta Prefeitura teve a satisfação de encerrar o
exercicio com o acréscimo de 17% em relação ao orçamento fixado.
Assim e, que, a previsão orçamentária
fixava a arrecadação em 328.000$000, e a efetivamente arrecadada atingiu a som
de Rs. 376.510$300[3].
Esse excesso de arrecadação poderia ter
atingido a soma muito maior, si os impostos fossem todos cobrados, pelas importâncias
lançadas. Em cumprimento, porem a uma circular desse Departamento, foram os
impostos prediais arrecadados com a diminuição de 10% e sem as multas
decorrentes dos prazos expirados.
A arrecadação dos impostos foi feita com
toda a regularidade e dedicação dos encarregados desse serviço, e eu próprio
estimulava os contribuintes, com solicitações constantes, e a bem dos interesses
dos cofres do Município, a virem cooperar com a contribuição dos impostos ao
pagamento devido. Foi assim que harmonizando os interesses do contribuinte em
situação precária, e a Municipalidade pela necessidade de arrecadar, que
consegui obter o excesso de arrecadação acima referida.
INICIO DA GESTÃO
A minha nomeação de Prefeito deste
Município corresponde a época da Vitória da Revolução[4];
pois fui eu o primeiro e único que no município foi investido desse cargo. Dei
um balanço nos cofres e livros da Prefeitura, contratando para esse fim um
perito contador. Eram todavia precárias as provas e documentações deixadas por
quem me antecedeu, pois como só havia um livro caixa de entrada e sahida, não
havia escrituração, elemento estritamente necessário para uma justa verificação
de livros. Apesar disso pude constatar que me foi entregue a direção desta
Prefeitura com os seguintes ônus: Divida consolidade representado por uma
escritura de hipotéca, capital e juros- 44.000$000. Dividas atrazadas de
fornecedores e de folhas em atrazo, de importâncias diversas, porem que as
reconheci as que se achavam legalmente autorizadas e preenchidas as formalidades
legaes, cuja importância era de Rs
5.024$300.
As contas porem, que não se me
apresentaram com os detalhes que autorizassem sua legitimidade, enviei a esse
Departamento para que com seu alto critério resolvesse.
As despesas do Município
ECONOMIA
ECONOMIA
Duas mediadas se me afiguram primordiais
para o bom desempenho do meu cargo: Arrecadar os impostos dos contribuintes,
sem contudo deixar de levar em consideração a situação financeira atual, e,
estabelecer nos gastos da Prefeitura o maximo
possível de economia, sem prejuiso das despesas imprescindíveis.
Para isso eu me esforcei em sempre
regatear aquizições diversas, preços
vantajosos de modo a reverter aos cofres da Prefeitura a economia que fazia.
Como pensava cumpria sempre.
Já para orçamento que vigorava no
exercício findo, a verba de Administração Municipal foi de 58.440$000,
qunado essa mesma verba no exercício de 1930 era de R$ 85.817$000 havendo
portanto uma economia de R$27.317$000.
Assim aconteceu com todas as verbas.
Um economia apreciável de perto de 100
contos de reis foi feita no exercício de 1931, comparada com o exercício de
1930.
DÍVIDAS
DÍVIDAS
As dividas do Município que para minha
gestão no exercício de 1931, foram todas pagas no valor de R$ 49.024$300, assim
descriminadas:
Divida com garantia hipotecaria 44.000$000
Dividas atrazadas-legalmente
autenticadas 5.024$300
49.024$300
Essas
importâncias que representavam para o município os únicos ônus, desejava eu com
grande empenho liquidal-as e assim o fiz no decorrer do exercício, logo que os
cofres da Tesouraria comportasse aqueles pagamentos.
Muito embora a
verba destinada ao pagamento supra fosse inferior ao debito em liquidação, eu
não trepidei em livrar o município desses compromissos; isso eu o fiz com os
recursos próprios da Tesouraria sem prejuízo de outras verbas.
VERBAS FIXADAS
VERBAS FIXADAS
Todas as verbas fixadas para as despesas
no orçamento para as despesas no orçamento de 1931, foram rigorosamente
cumpridas e pagas, aplicando o excedente da arrecadação em pagamentos autorisados,
e ainda assim se verificou um saldo em caixa de Rs. 1.537$300, que passou para
o exercício de 1932.
OBRAS PÚBLICAS
Na impossibilidade de se confecionar
devido a exigüidade do tempo o orçamento de 1931 com títulos descriminados e
respectivas verbas, foi determinado um orçamento com títulos muito limitados de
modo que pela verba de Obras Publicas foram pagos os seguintes serviços:
Conservação de Ruas e Estradas, Pessoal
e Material;
Serviços Públicos Municipais;
Jardim Público- Pessoal e Material;
Limpesa Pública- Pessoal e Material;
Matadouro Municipal- Pessoal e Material;
Mercado Municipal- Pessoal e Material;
Cemitério Municipal- Pessoal e Material;
Deposito Municipal- Pessoal e Material;
e outros que relacionassem com esses títulos.
Três construções foram feitas sob verba Obras
Publicas que merecem pela importância serem mencionados separadamente:
1º - Um britador, com vapores e diversos
maquinismos Bombas de água, de custosas instalações representam para o município
um aumento no Patrimônio de Rs 35.000$000. Pode produzir o britador 60 metros cúbicos
de pedras britadas, que servirão para serviços diversos de ruas e construções.
2º - Uma garage contruida de alvenaria
de tijolos com capacidade para comodar 20 caminhões, no valor de 15.000$000,
que também reverte para o Patrimônio do Municipio.
3º - Um oficina mechanica com eficiência
para serviço de operários em concertos
de caminhões, com os respectivos materiais e ferramentas, no valor de R$
5.000$000, igualmente que passa para reforço do Patrimonio Municipal.
Abaixo faço a discrição detalhada dos
serviços de Obras Publicas executados no exercício de 1931, peã Diretoria de Obras
Publicas e Viação desta Prefeitura (plantas inclusas*[5]):
Um boeiro na rua Taqueral: Um boeiro na
rua Barão do Rio Branco; Reforma de um boeiro nas ruas João Alfredo e 15 de
Novembro; Um pontilhão a estrada do Taboão; Um pontilhão no Ribeirão Jabaquara,
Um pontilhão na rua Iguatinga; Construção de muros na rua João Alfredo;
Construção de uma balsa sobre o rio Jurubatuba (Brooklin Paulista; Reforma da
frente do Cemiterio; construção de uma garage; Uma oficima Mecanica; SEM
PLANTAS- Um britador e motor Dice, instalado com todas as comodidades, em
terreno desta Prefeitura o qual tem dado ótimo resultado; Um pontilhão na
estrada do Morumby; Um pontilhão na estrada que vae ao bairro do Socorro; Um
pontilhão na estrada da Campina; Um pontilhão na estrada Tuparoquera; Um boeiro
na rua Tenente Cel. Carlos Silva Araujo; Um boeiro na rua Barão do Rio Branco;
Um mata-burro na Vila Miranda; Um mata-burro na Mina do Pedregulho; traz mata-burros
para o Matadouro e na rua João Alfredo, Concertos das grades da ponte sobre o
rio Jurubatuba, estrada do Socorro; Depósito Municipal; Estanqueamento de
barragem na rua 15 de Novembro; assoalhos para caminhões; Assentamento de
guias;; idem de sargetas; Um pontilhão na rua Jupí; Concertos de um boeiro no
largo do Socorro; Uma galeria com 44x2,
50x1,50 situada na rua do Aterrado, onde se empregou aproximadamante 115 m3
de pedra bruta, sendo tomada as juntas com argamassa de areia e cimento e
capeada com uma lage de concreto armado, onde ocupou-se 90 mts. De trilhos,
sendo esse galeria para receber as águas do córrego denominado “Lavapés” e as águas
pluviais de diversas ruas desta cidade; Assentamento de guias e sargetas na rua
15 de Novembro e Largo do Matadouro, concerto de um boeiro na rua Dr. Herculano
de Freitas, Reforma completa de um pontilhão sobre o ribeirão Ibirapuéra
Pequeno repero no pontilhão do córrego Iguatinga; Diversas reformas na rede de
esgoto do Matadouro Municipal e diversos cortes e aterros em diversas ruas da
cidade.
PATRIMONIO MUNICIPAL
PATRIMONIO MUNICIPAL
Os
bens do Patrimonio Municipal constam a respectiva relação inclusa, com acréscimo
da variação de Rs. 55.000$000. Não figura nesta conta os bens oriundos de
terrenos, porquanto nunca existiu nesta Prefeitura uma escrituração precisa que
servisse de base para determinar os valores de terrenos pertencentes ao
Municipio. Essa deficiência de serviço vem de tempos remotos, de modo que eu ao
assumir o meu cargo, nada encontrei de positivo que pudesse me orientar sobre a
existência no município. É um dos problemas que também pretendo resolver;
aguardo apenas uma ocasião de maior abastança nos cofres da Prefeitura, para
dar inicio a execução do serviço cadastral.
RESUMO
RESUMO
A Prefeitura de Santo Amaro, se sente
satisfeita em ter cumprido o seu dever e zelado pelos interesses do Municipio,
mesmo acima de suas forças. Com excesso de arrecadação em confronto a previsão orçamentaria
esta Prefeitura poude não só cumprir as verbas fixadas nas despesas, como também
efetuar outros pagamentos, fechando o exercicio com saldo.
Antes de terminar essa minha rápida exposição,
peço licença a V. S. para consignar neste relatório os meus agradecimentos,
pela boa acolhida que sempre ma foi dispensado pelo Departamento Municipal,
toda vez que a ela levava a minha solicitação.
Prevaleço-me do ensejo para apresentar V.S.
os protestos de minha elevada estima e consideração.
O Prefeito Municipal
(a)
Dr.
Francisco Ferreira Lopes
Outras informações: A Estrada de Ferro
Sorocabana está construindo um rama entre Mayrink à Santos que passa por Santo Amaro.
Santo Amaro, 22 de janeiro de 1932
Indagações:
Qual
foi a causa principal da perde de autonomia de Santo Amaro:
Foi
aderir à causa da Revolução Constitucionalista de 1932?
Dificuldades na administração financeira de Santo
Amaro que por algum motivo teve aumento significativo da dívida pública? (No hodierno parece
ser a luta das administrações dos municípios, que querem a todo custo à diminuição
de suas dívidas com cálculos a partir de índices menores!)
Há uma terceira hipótese?
Com a palavra todos os sant'amarenses, em nome da historiografia local.
[1] O termo “bucaneiro” refere-se
à maioria dos piratas e corsos originários de bases das Índias Ocidentais. Os “bucaneiros” durante
os séculos XVI e XVII, pilhavam principalmente o comércio espanhol com as suas
colônias americanas.
[2] Há referência no site “Dicionário
de ruas” da Prefeitura da existência da Praça Doutor Francisco Ferreira Lopes, em Santo Amaro, mas sem nenhuma complementação histórica
da personalidade em questão.
[3] A moeda vigente era “réis”,
abolido somente com a entrada do novo modelo “cruzeiro” em 1942, quando 1000
réis passou a valer 1,00 cruzeiro. De 1833 a 1942 pela lei nº 59, de 8 outubro
1833, Rs. 2$500=1/8 de ouro de 22 quilates. Vide “Terra das Patacas”: http://carlosfatorelli27013.blogspot.com.br/2010/04/terra-das-patacas.html
[4] Referência ao Golpe de 1930 que
derrubou o governo de Washington Luís, impondo o governo provisório de Getúlio
Dorneles Vargas.
[5] Essas plantas extraviaram-se ou
estão perdidas em alguma repartição como arquivo morto.
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