Sobre os Trilhos, o Trem Espera Esperança
Circulam mães e filhos,
angústias e paixões,
sobre trilhos,
vão anseios e ilusões.
Todo santo dia,
caminha toda sorte,
a barriga com a cria,
a vida a morte.
Sabendo de todo cuidado,
do aço desgastante,
lá vem no trilho acelerado,
com barulho constante.
Tal qual cobra deslizando,
No deslize dos ferros,
algo bambo arrastando,
e o “não” do pai escuta-se aos berros.
Vem o chocalho,
e do escuro aparece altivo,
que não cala o pirralho,
choraminga por qualquer motivo.
“Abre logo esta porta”,
a massa humana protesta,
dentro entrando é que importa,
bizarra e santa festa.
Vai com o terço o padre,
com o livro a moça linda,
fofoca faz toda a comadre,
o crochê que nunca finda.
Mais adiante esta outra estação,
apinhada está a plataforma,
prende-se mais um ladrão,
a notícia estampada informa.
Entra o calouro,
e o moço estudante,
a morena com um louro,
miscigena a raça a todo instante.
O bem vestido com terno,
o farrapo humano,
entra o anjo do céu e do inferno,
e todo tipo de engano.
Fecha a porta,
e segue o trajeto,
chegar é o que importa,
cheio está de todo projeto.
Muitos corações batem ao peito,
uníssono, sono, sonoro,
vanglória canta o mau sujeito,
a tese advoga o doutor do foro.
O surdo grita,
em outro são ouvido,
o trem agora apita,
num vai e vem incontido.
E um corpo-a-corpo roçante,
de um aperto incompreendido,
mais uma estação está a diante,
foge mais um amor escondido.
O relógio marca a hora,
urge o tempo bem veloz,
o atrasado fica do lado de fora,
chama, mas a máquina não escuta a voz.
A moça xinga,
o salafrário atrevido,
que exala cheiro de pinga,
“toma um pisão, escuta-se o gemido”.
O túnel é escuro,
o vagão está lotado,
espreme-se o mesmo no estreito muro,
tosse o tuberculoso adoentado.
Uns querem viver,
outros pretendem se matar,
uns querem crer,
alguns sempre a jurar.
Próxima está a parada,
que todos chamam de central,
lançam-se todos ao nada,
osmótica busca da saída principal.
E continua o ritual,
uns saem, outros entram no vagão,
na busca d’um ponto final,
entra o gigante e o anão.
A porta é grande para um,
ao outro se torna pequena,
cai ao chão o jerimum,
receita nova, foi uma pena.
Pisoteia no assoalho,
aquela massa gosmenta,
distrai o bebe um chocalho,
exala cheiro que ninguém agüenta.
Abre a janela,
pra entrar ar,
o vendedor ainda oferece canela,
outros temperos para cozinhar.
Beija o namorado a namorada,
não existe ali o mundo,
jura-se promessa descarada,
grita mais um vendedor lá no fundo.
Leva a donzela uma cantada,
mas, não perde a linha vermelha,
e Dom Juan toma bem dada bofetada,
logo, incha como picada de abelha.
Insinua na sinuosa geometria,
de um boleto sobre rodas,
professa o maestro maestria,
de prata vão ser as bodas.
De aliança sem fim,
o comboio vagaroso dança,
a florista com buquê de jasmim,
o corrimão a mão não alcança.
Cai no chão uma moeda,
de um barulho escandaloso,
corre feliz ela na queda,
em busca d’outro bolso virtuoso.
Acha a mesma o moleque,
e planos faz com seu achado,
no próximo ponto assim que breque,
vai comprar um caramelado.
O tímido ganha um sorriso,
d’uma bela donzela,
“será que é comigo isso?”
Observa dela o reflexo na janela.
Também, estão lá anos calejados,
d’uma experiência, um conde!
De olhos lacrimejados,
d’um tempo romântico, tempo do bonde.
“Piuí” não é mais som de trem,
agora o negócio é a informatização,
vai um, outro vem,
um sim, outro não, pára na estação.
De repente esbraveja um louco,
que ri e gesticula acalorado,
juízo não tem e se tem, tem pouco,
desnuda-se e fica pelado.
Começa assim uma intriga,
uns o defendem, outros o querem prender,
sopapos, sururu, bela briga,
muita blasfêmia a se ofender.
Pára o trem repentino,
ajeitando toda carga,
sai o louco entra um cretino,
dizendo que a vida é amarga.
Fala do fim-do-mundo eminente,
que salvar-se tem custo,
em libra, florim ou real corrente,
preço mais do que justo
Pra onde caminha a humanidade,
talvez outras loucuras,
o que quero mesmo é viver nessa cidade,
cheia de diabruras.
Mil esperanças, anseios,
pacientes são doutores,
industriais de todos meios,
consumidores e lavradores.
Um VIVA acalorado,
ao nosso trem de todo dia,
d’um abraço bem apertado,
parabéns à freguesia!
Que trocam alegria e esperança,
levadas pela luz da estação,
singra, sangra, corta, alcança,
enfim, todos ali têm razão!
quarta-feira, 19 de agosto de 2009
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