Pelos acordos reais uma posse se tornaria fato se fossem ocupadas. Quando do Achamento do Brasil foi preciso ocupar a terra para não perdê-la por interesses de outras nações, e para isso foi empregado o meio mais econômico possível. Assim em 1534, Dom João III, Rei de Portugal instituiu por “decreto” o sistema de Capitanias Hereditárias[1], dividindo em 15 lotes horizontais a parte referente ao latifúndio de 12 capitães.
Cada uma destas faixas litorâneas era entregue a um donatário, que deveria prover recursos e assumir o ônus do empreendimento assumindo os riscos desta empresa colonizadora de sua parcela doada, sendo fiel depositário com prerrogativas de administrá-las com os ditames das ordenanças da Metrópole. Depois deste critério a distribuição de terras na colônia portuguesa na América foi o regime de concessão de Sesmarias[2] por parte da Coroa, a partir da concessão geralmente dos capitães donatários. Primeiramente a oferta era pouca, e a intenção era dividir para melhor controlar a exploração e de preferência encontrar minas auríferas, ou a prata que encantava o lado da América espanhola. O intento não foi alcançado de imediato e assim, conforme relatos em 1557 houve a instalação do primeiro engenho de produção de açúcar no Brasil; onde os portugueses dominavam a técnica de plantio e fabrico do açúcar nas Ilhas do Atlântico, que através da Ilha da Madeira[3] introduziu-se a produção da cana no Brasil, produto de grande valor comercial. A colonização do século 16 foi unicamente "colonização mercantilista", sem incentivo às pequenas propriedades. No século 18, ocorre uma mudança significativa neste modelo de política econômica com o crescimento da Colônia pela ampliação da economia devido à descoberta ao ouro das Minas Gerais. Este ciclo dinamizou os setores de produção de alimentos e intensificou o tráfico interno da mão de obra ociosa das outras áreas de produção do nordeste, principalmente Pernambuco. Neste momento há uma mudança dos interesses havendo a reivindicação maior pela terra onde a política de doação por meio de sesmarias não contemplava as novas necessidades sociais. Havendo mais tarde um declínio na produção mineradora houve um retorno a produção da atividade agrícola.
No século 19, a falta de política no arbítrio da posse de terra ,sem ordenamento jurídico de qualificar o proprietário de terras no país, criou tensões internas. Devido às mudanças na Europa, com as Guerras napoleônicas a família Real para o Brasil fixou-se no Brasil a partir de 1808 iniciando mudanças que transformariam o quadro político pelas pressões de nova conformação a legislação vigente, a partir de um grupo social de grande poder econômico e que buscava se firmar neste novo cenário político, aproximando-se da Corte garantindo a manutenção de seus interesses. Instituindo o Império do Brasil, os leais servidores da Nova Coroa, com os vícios da antiga, pelas tramas políticas viciadas da sociedade decretaram e instituíram documento da Lei de Terras de 1850, havendo a preocupação de que somente os “homens bons”, de poder aquisitivo elevado e com direito a voto e veto interferências de decisão do estado, adquirirem terras por meio da compra.
Com o advento da independência do Brasil, José Bonifácio de Andrada e Silva enviou projeto para suspensão do regime de concessão de terras através de Sesmarias, onde rezava: "Todos os possuidores de terras que não têm título legal perderão as terras, que se atribuem, excepto num espaço de 650 jeiras, que lhe deixara, caso tenhão feito algum estabelecimento ou sítio". Com a queda de José Bonifácio a discussão da lei de terras iria se adiada. Depois desta lograda tentativa de regulamentação para ordenar o uso e fruto da terra Nicolau Campos Vergueiro, em 1823, requeria a necessidade de extinguir o regime de Sesmarias:
Que suspendam as datas das Sesmarias. Que a comissão de agricultura proponha um projeto de lei sobre terras públicas, contendo providências para o pretérito e regras para o futuro"
Após a independência prevalecia ainda a concessão de Sesmarias, onde os beneficiários de então eram os novos colonos que chegavam ao Brasil para se estabelecerem em áreas rurais. Fazia-se necessárias novas regras para a integração do território e sua soberania. Poucos estavam interessados em defender os ideais nacionais e ninguém queria perder os privilégios do passado, ocorrendo conflitos políticos e disputas pelo poder do Estado. Os ruralistas abarcaram parte das cadeiras parlamentares obstruindo os interesses comuns. Depois destes conflitos parlamentares, foi requerido em 1842, à Seção de Negócios do Império que fosse elaborada proposta de reforma legislativa sobre o estatuto das terras do Brasil visando perspectivas futuras dentro do processo jurídico. Por fim em de 18 de setembro de 1850, foi promulgada a lei n.º 601 no Brasil, tentando enquadrarem-se as mudanças sociais e políticas ocorridas no cenário mundial, onde França e Inglaterra estavam em processo de modernização política e econômica, e na perspectiva de avanços através das novas técnicas de produção com o limiar da sociedade capitalista.
O império dispõe em seu preâmbulo sobre as terras devolutas do Império:
“Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por titulo de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples titulo de posse mansa e pacifica; e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a titulo oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara D. Pedro II, por Graça de Deus e Unanime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpetuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que a Assembléia Geral Decretou, e Nós queremos a Lei seguinte:
Art. 1º Ficam prohibidas as acquisições de terras devolutas por outro titulo que não seja o de compra. (baseemos nesta condição, embora haja outras de importância) A terra passou a ter valor de mercado para economia comercial, transformando-se em mercadoria geradora de lucro, tanto produtiva como valor agregado, a terra valia pelo quanto produzia.
A compra e venda fomentava a obtenção de glebas territoriais:
"Fica o governo autorizado a vender as terras devolutas, em hasta pública, ou fóra della, como e quando julgar mais conveniente, fazendo previamente medir, demarcar e descrever a porção das mesmas terras."
Deste modo o Estado definia como terras devolutas as que se enquadrariam em:
" §1º - As que se acharem aplicadas a algum uso publico nacional, provincial ou municipal; §2º - as que não se acharem no domínio de particular por qualquer título legítimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo geral ou Provincial; § 4º - as que não se acharem ocupadas por posses, que apesar de não se fundarem em título legal, forem legitimadas por esta lei."
A lei teve que resolver a questão das posses irregulares, especificando que sesmeiros e posseiros em situação irregular se transformariam em proprietários de pleno direito de uso, mas não de venda da terra.
Do outro lado desta cadeia estavam os grandes proprietários não estavam dispostos a aceitar pacificamente as novas regras das terras que ocupavam, mas também não produziam cultivo algum, possuíam um status a espera de algum beneficioespeculativo.Deste modo emperravam o processo de medição das terras devolutas, pois possuía o controle dos poderes locais, através da propina e conchavos políticos faziam o deslocamento das cercas demarcatórias sobre as terras ainda não ocupadas. Deste modo conseguira que o projeto original fosse aprovado com a disposição que a legitimidade da posse seria feito independente do tamanho cultivado e independente da data de ocupação. Tentou-se formular a cobrança de impostos territoriais desestimulando os grandes latifúndios improdutivos mas novamente as artimanhas e articulações políticas dos grandes proprietários estarem diretamente ligados ao poder do Estado, jamais pagaram e pagarão seus encargos para a Fazenda. Na atualidade os grandes latifundiários controlam a produção e se beneficiam dos acordos internacionais alem de subsídios provindos dos recursos do Estado e se expõem como “heróis” com o lobby manipulador da economia com representantes no governo que ditam as regras de controle de mercado.
Biografia:
*********** COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República. Edusp, São Paulo, 1992.
SILVA, Lígia Osorio. Terras Devolutas e Latifúndio- Efeitos da Lei de 1850. Ed. Unicamp, Campinas, 1996.
ABREU, Bizzocchi Daisy de Lacerda. A Terra e a Lei. Secretaria de Estado da Cultura, Comissão de Geogafia e História, São Paulo, 1983.
NOTAS:
[1] Capitanias: Criadas em 1534, por Dom João III, com15 faixas desiguais para 12 capitães, modelo usado por Portugal que pretendia transferir o ônus da colonização para a iniciativa privada. [2] A lei das Sesmarias foi a “reforma agrária” promulgada em Santarém em 28 de maio de 1375, legislação promulgada no reinado de Fernando I, de Portugal e que continha disposições locais que pretendiam fixar os trabalhadores rurais às terras e diminuir o despovoamento, obrigando o cultivo mediante pena de expropriação, obrigar ao trabalho na agricultura a todos os que fossem filhos e netos de lavradores, ou aqueles que não possuíssem bens avaliados até quinhentas libras, evitar o encarecimento geral fixando os salários rurais, obrigar os lavradores a terem o gado necessário para a lavoura e fixando o preço deste gado, proibindo a criação de gado que não fosse para trabalhos de lavoura, fixar preços de rendas, aumentando o número de trabalhadores rurais pela integração de mendigos, ociosos e vadios que pudessem fazer uso do seu corpo. A novidade era a instituição da expropriação da propriedade caso a terra não fosse usada com produtividade. [3] As primeiras mudas foram trazidas da Ilha da Madeira por Martim Afonso de Souza, responsável pela instalação do primeiro engenho do Brasil, em São Vicente, no ano de 1533.
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