quarta-feira, 7 de julho de 2010

Oralidade dos Moradores da Capela do Socorro e o Monumento da Travessia do Atlântico

História: POVO PRESENTE!

Quem faz um lugar, uma vila, um lugarejo senão pessoas, que vieram estabelecer raízes para constituir um núcleo familiar e criar relações de convívio social, estrutura dos primeiros contatos de amizade, que depois formaram as relações com interação étnica com miscigenação de nuances de cores maravilhosas, únicas no mundo, formação também da “Cidade de Santo Amaro”, que as matizes deram origem ao “caboclismo” que preservou raízes de interior.

Santo Amaro possuía um território invejável que parece uma história de relações dos primórdios do reino de Portugal. No planalto por meio de outorga as terras recebidas em sucessório pelos irmãos Martim Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa, que resultou em célebre litígio que se prolongou entre donatários da família da Condessa de Vimieiro, dona Mariana de Souza Guerra, repelida da sua Vila Capital de São Vicente, bem como de Santos, São Paulo e de Mogi das Cruzes que através de Capitães-mores-governadores, cada um dos quais governando com ampla jurisdição. Ao outorgar vantagens municipais às cidades conquistadas, permitia a prática de velhos usos e costumes desde que não contrariassem a política geral do Estado, o que possibilitou a preservação de terras por vezes de Espanha que não eram reclamadas. Deste modo surgia o que era a prática de autogoverno enraizada no espírito daqueles que ocuparam as terras. Por sua vez os Monsantos, representado pelo Conde de Monsanto, neto de Pero Lopes de Sousa, intentou uma ação para tomar de volta como herdeiro a capitânia, com fundamento jurídico, sendo descendente do Lopes de Sousa, o 1º donatário, com direito ao “morgado”, propriedade dada ao filho mais velho por herança. Disto ressurge um interesse do governo de Portugal assumir o controle implantando normas de ocupação desde que as terras tivessem uso de ocupação familiar.

Este é um pequeno prelúdio de formação dos povoados paulistas e no sul, encaixados também como formação das prevenções de ocupação que mais tarde culminou com as colônias maciças abaixo do Trópico de Capricórnio, a partir de século dezenove, terras de interesse aos imigrantes, com características mais próximas do clima das estações européias. Por outro lado foram aceitos com contratos assumidos entre as partes do Império do Brasil e as potências européias de então, “arrumaram” uma solução para conflitos internos sociais, pois resolviam problemas de uma massa humana que na Europa estavam sem trabalho, enfim sem renda de sustento básico, e as “colônias de imigrantes” resolviam a falta de ocupação de território do Brasil em litígio antigo com a Espanha.

Em Santo Amaro, cidade encaixada na citação acima, implantou-se a primeira Colônia imigratória de alemães em 1829, e desde então a região recebeu novo ciclo da história, iniciando a formação de desenvolvimento local, uma entrada para a Boca do Sertão, quando a região era somente conhecida por Coruroca. Com tudo isto após quase um século passado, amerissam em 1927, na Represa de Guarapiranga os aviadores Francesco De Pinedo e João Ribeiro De Barros, ambos alcançaram o mérito de atravessarem o espaço do Oceano Atlântico sem escala e sem que houvesse suporte naval em tão arriscada travessia. Disto resultou digna homenagem, erigindo-se o “Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico”, obra de Ottone Zorlini, na Capela do Socorro, até então subdistrito de Santo Amaro. Quando neste momento histórico, um menino franzino corria a ver um avião pousar nas águas, cercada de Ford bigode, e gente “aprumada” como em apresentação de gala. Era o senhor Francisco de Moraes, nascido em 15 de março de 1915, que começa a relatar fatos impressionantes da época, acompanhado de seus filhos Eulálio e Inês, foi dando uma aula de exatidão em recordações minuciosas, quando descrevia seus momentos, no auge da peraltice de menino que brilhava os olhos no horizonte, ao ver “aquele avião lindo”, o Jahú. Depois viu a “vila” crescer e vir a se ajuntar ao pioneirismo dos Moraes outros tantos, que após a travessia do Atlântico se aproximavam das ruas de terra que receberiam nomes do feito histórico em homenagem ao aviador italiano Francesco De Pinedo, e o brasileiro João (Ribeiro) de Barros, o intrépido aviador da cidade de Jaú, interior de São Paulo, que logrou também concluir o feito apesar dos revezes e trapaças para atravessar o oceano que recebeu também digna homenagem na Avenida Atlântica, mais tarde rebatizada de Avenida Robert Kennedy, com todo respeito ao estadista norte-americano, sem referência ao feito histórico.
Foram-se aos poucos se achegando ao local em franca expansão as famílias de Paulo Vaz, Amaro Branco, João Hessel, também conhecido por Ambura, Silvano Klein, Cristina Luz, Antonio Alves, Amaro Ferreira, Guilherme Ficher, os da família Ponjulippi, Saturino de Moraes, José Lameira, os Cavalcanti, Martins Pelúcio, Eliseu Gusbert, Virgílio Pavanelli. Orlando Bercari, Júlio Pires, Mauro Branco Jacinto, Adão Remberg, que os amigos chamavam de garça, por se magro e de pernas finas. A professora “dona” Amália, somava sua competência educacional, transmitindo a toda a cultura necessária, com formação aos jovens recém chegados, recordações de sua importância representativa é, mesmo passados o tempo, extremamente respeitada. Seu João Zillig da Silva, com a calma dos grandes sábios, nascido em 9 de outubro de 1927, parece eternizar aquele momento em contemplação diante de algumas fotos locais, que ressalta os primeiros encontros religiosos na casa do senhor Adão Remberg, que cedia gentilmente, na avenida empoeirada do que um dia se tornaria a Avenida De Pinedo. Descreve o “balão” do bonde próximo ao largo onde a Capela possuía a imagem de Santa Terezinha, que depois foi enviada para o Embu-Guaçu, dando lugar a Nossa Senhora do Socorro, igreja fundeada em 1952, onde passaram sacerdotes que demarcaram a história local: Manoel, Tadeu, Natal, Olívio, Albino,Mario Ganezzi, Alcides, Simão Benedito, Simão Bento, Plácido de Almeiro, Antonio Lima, Marson. Seguia esse importante depoimento seu sobrinho Acácio Zillig da Silva e sua esposa Maria Amélia, reforçando detalhes, citando pessoas que por contingências da vida viviam como andarilhos na região com seu Honorato, a negra Luiza, que antes era eximia cozinheira mas perdeu o sentido do racional, não conseguia ter a concentração da juventude, além do memorável Big, que dizem alguns que quando jovem foi mecânico e depois, pelos revezes da vida, tornou-se um andarilho pelos arredores de Santo Amaro.

Memória naquele instante não faltava, onde a única que falhava era a deste missivista; começa um depoimento das recordações de ilustre personalidade da Capela, senhor Jeremias Homero Bhering, nascido em 31 de outubro de 1929, por muito tempo servindo como farmacêutico, profissão aprendida com Pascoal Militelo na “Pharmacia Internacional”, na Avenida De Pinedo, nº 145, que a modernidade rebatizou após o ano 2000 como “Help”, onde o “Socorro” faz parte desta história, e agora recebe de volta seu MONUMENTO, aliás, de onde nunca deveria ter saído, pois os monumentos representam um marco local, e não pertence ao poder efêmero e momentâneo, pertence ao local da origem do feito onde reside o povo que presenciou o fato!
Em 1938 a Capela do Socorro ganhou ares de autonomia com a implantação do Cartório do Registro Civil e Notas, na Rua dos Italianos, atual Amaro Luz, nº 155, esquina da Avenida Atlântica, que os depoentes recordam a presença marcante do senhor Antonio, que além de suas atribuições casamenteiras com a outorga de juiz de paz, era também diretor da banda da localidade.

Sorriam os três a nos olhar como que olhando o tempo que nós não tínhamos a dimensão exata desta época e sua grandeza, e começam a lembrar das manadas a circular vindo pelo caminho do Embu Guaçu, na Estrada da Boiada, onde a Light em meados de 1946 fez a ponte e depois disto com o “desenvolvimento” recebeu a atual Avenida Guarapiranga, que ganhou pavimento deste ponto até o Largo do Socorro, num custo aproximado de 200 mil cruzeiros!!! Tudo isso era transportado em carroças atreladas aos burros, como as de Alfredo Leitão, que chegando ao local com seixos ou terra destravava a amarra “basculando” a carga, um inovação extraordinária para a época. Antes, repetem os depoentes, testemunhas vivas deste momento histórico, era necessário contornar pelo Bairro da Comporta, o Mercadinho para ter acesso ao sentido do Largo da Capela do Socorro. Um belo dia, vindo uma manada desenfreada em um “estouro de boiada”, desgarraram alguns bois pelos charcos, alguns foram recolhidos pelos tropeiros, mas um após a passagem da manada ficou no local, e se tornou atração, sendo batizado de Tenório, um belo exemplar de pelugem preta, vagava pelo local, tornando-se integrante da farra juvenil que saciava sua sede com cerveja, que, aliás, era sua bebida preferida!!! A região abastecia com lenha, combustível de então, para ser transportado para São Paulo através de Santo Amaro, onde se descarregava a carga. O bonde circulou pela Capela do Socorro, atravessando uma ponte de madeira de via única, aproximadamente onde há atualmente a Estação do Socorro da CPTM, até ser desativado, mas é um fato que a historiografia não possui definição da data. Por muito tempo o local ficou com características interioranas pelo afastamento da cidade e por este motivo era natural a cooperação entre os moradores, facilitando ainda mais a conservação dos usos e costumes nos núcleos formados que repercutiam nas festas do Divino, as juninas, que eram animadas pelas famílias de Benedito Fogueteiro, Pedro Mariano, que ganhavam o “socorro” dos barqueiros Orlando Candiani, e de Joaquim Capinzeiro, que abastecia o mercado com capim para forragem de colchão. O fato é que pelas dificuldades da época o pioneirismo desfrutou de grande suporte popular, onde todos se ajudavam entre si, com normas de ações próprias como um autogoverno que ficou no espírito da população, que no hodierno conseguiu reverter ao seu local de origem o “Monumento aos Heróis da Travessia do Atlântico” parte da saga Monumental.

O exposto foi colocado com a coerência do recolhimento da oralidade, com aquilo que temos de real, onde nosso único comprometimento é com o fato histórico e respeito ao “corpo” disso tudo, que são as pessoas, independente da Colônia que pertençam! É um fragmento de tantos que participaram deste momento, há muito mais a ser recolhido e preservado. Pode haver grafia que não seja definida como correta, podendo ser corrigida por aqueles que fazem parte deste universo!

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