segunda-feira, 27 de março de 2023

O circo, a Trupe e o Dia 27 de Março

 (História original publicada em 16/06/2009 no antigo Site São Paulo Minha Cidade)

 


Talvez eu não seja a pessoa indicada para falar sobre a magia do circo, mas tudo sucede a nossa volta como uma peça de um grande espetáculo da vida.

Há tempos, estava na região do Itaim Bibi e Vila Olímpia, próximo às avenidas Presidente Juscelino Kubitschek e Chedid Jafet, continuação da Rua Funchal, havia à frente uma lona colorida de amarelo e azul, era o "Cirque du Soleil", de Québec, apoiado pelo governo do Canadá com subsídio de 20 milhões de dólares anuais, montado no terreno "baldio" atrás onde estava o esqueleto do prédio da Eletropaulo, adquirido por R$ 175 milhões por uma administradora no ano de 2002.

Do lado oposto outra lona tentava manter seu apogeu, o Picadeiro Circo Escola, era o contraste das diferenças.

Surgiu-me um lampejo infantil, recordando daquilo que vi de mais colorido e fascinante, "O Circo". Não eram os mais afamados da época, mas era "O Circo", e isto bastava para a imaginação de criança.

Percorri um pouco da história e recordei de uma foto tirada do Circo Garcia, sem a pompa do passado, nascido em Campinas, ganhando o mundo a partir de 1928, quando Antolin Garcia, por uma intuição de artista, seguiu a trupe do circo de Benjamim de Oliveira, assim se apresenta na história. O Circo Garcia excursionou por vários países, sendo considerado entre os maiores do mundo, representando o país com o nome de "Circo Brasil". Sua última apresentação foi em dezembro de 2002, com preços módicos, em Santo Amaro, mais precisamente na estrada do M'Boi Mirim, onde atualmente situa-se o Terminal de Ônibus Guarapiranga, mas não havia público. No apogeu chegou a levantar cinco lonas simultâneas para receber o respeitável público, com um plantel de mais de duzentos artistas do maior "escrete" de artistas circenses.

Na véspera da apresentação circense, alguns artistas andavam pelas ruas, acompanhados da música e da poesia, além de um grupo de artistas em piruetas e cabriolas com um palhaço à frente, com um cone nas mãos anunciava o espetáculo da arte e do riso descontraído.

"Respeitável Público, O Espetáculo Vai Começar".

A apresentação, feita por um senhor muito bem talhado de fraque com uma cartola na mão, completava a vestimenta com uma gravata borboleta, e na mão esquerda uma bengala, reverenciando a plateia, dava início a uma frenética apresentação, onde os olhos infantis não podiam piscar para não perder nada do espetáculo.

O picadeiro ficava repleto de artistas em movimento, circo é movimento das estripulias dos palhaços, bem coloridos, a alegria das crianças, seguido de homens em pernas de pau, os maiores homens jamais vistos; malabaristas, lançando mais objetos no ar do que a física imagina ser possível as mãos segurarem; pirotecnias de chamas flamejantes; atiradores de facas em um corpo inerte "amedrontado"; equilibristas pendentes no ar a jogar o corpo no espaço livre como se não houvesse gravidade. De repente um palhaço maroto retira a rede e começa a rufar os tambores, uma moça com vestimenta brilhante, a mais elegante e bela artista do plantel está prestes a ser lançada por homens treinados na arte. Sai o corpo em piruetas fascinantes de um lado a outro, completando o "Maior Espetáculo da Terra", como anunciado anteriormente.

Muitos de nós não tínhamos como pagar os ingressos das bilheterias, não que fossem elevados, mas as condições eram poucas, ficávamos a rodear a lona, já com o espetáculo iniciado, até alguém se distrair, ou que nos infiltrasse por baixo da lona, entrando de mansinho por baixo das tábuas dos assentos e finalmente o espetáculo estava a nossa frente, maravilhosamente lindo! Globo da morte, acrobatas, pratos a girar, risos com aplausos misturados, uma "algazzarra moura" bem-comportada.

Recordei-me de nomes consagrados, e permita-me citar alguns que fizeram da arte as suas vidas, e sem dúvida é uma galeria das mais respeitáveis: Piolim, Carequinha, Arrelia, Chicharrón, Torresmo aproximavam da ingenuidade dos anjos dos olhos mais brilhantes possíveis, os das crianças!

Arrelia vinha de família de artistas de origem da trupe francesa, seu pai, Ferdinado Seyssel, foi o palhaço Pingapulha. Deste modo, da estirpe dos Seyssel, o filho Waldemar tornou-se o comediante Arrelia, que contribuiu para a fantasia e construção do imaginário infantil. Começou a trabalhar como palhaço em 1922, no bairro do Cambuci, em São Paulo, empurrado para o picadeiro pelos irmãos que o pintaram e o vestiram de palhaço. Assustado, o jovem caiu de mau jeito no picadeiro, fez trejeitos e muitas caretas. Machucado, levantou-se mancando, enquanto o público ria e aplaudia freneticamente, pensando que estava fazendo graça. O sucesso apareceu de imediato, nascendo, então, neste dia o palhaço Arrelia.

Seguiu-lhe os passos seu sobrinho Walter, fiel escudeiro Pimentinha, um pierrô estilizado com um cone na cabeça, suspensório clássico segurando as calças, formava a dupla televisiva da Record, programa de televisão para crianças, em 1953, tendo a direção de Paulo Machado de Carvalho, o Marechal da Vitória, chefe da delegação brasileira das campanhas vencidas pelo Brasil das Copas do Mundo de 1958, na Suécia, e de 1962, no Chile.

Piolin, nome do artista Abelardo Pinto, nascido em 27 de março de 1897 em Ribeirão Preto, foi assim batizado por ser magro e ter as pernas compridas, como um barbante (em espanhol). Aprendeu acrobacia, ciclismo, contorcionismo, tocava violino e bandolim. Herdou o circo do pai e com a família manteve o Circo Piolin no Largo do Paissandu, em São Paulo, por mais de trinta anos. Em sua homenagem foi instituído o Dia Nacional do Circo, 27 de março data instituída, em 1972, no município de São Paulo, atualmente comemorada em todo território nacional. O ano de 1972 apresentava duas conotações de homenagem, uma ao Circo, outra à comemoração dos cinquenta anos da Semana de Arte Moderna, pois Piolin conquistou o reconhecimento dos intelectuais da Semana da Arte Moderna em 1922, como exemplo de artista genuinamente brasileiro e popular, rompendo os padrões de então, por ser eclético. No palco hipnotizava o público, sustentando sozinho a cena para que houvesse tempo de outros artistas se prepararem para os próximos números; atuando despojadamente de improviso, mudando repentinamente a ação, cantando e dançando, enfim, completo nas ações cênicas, além de saber contracenar com o público; tão em voga atualmente, interagindo a plateia em peças do teatro.

Coincidentemente, em 27 de março, Dia Nacional do Circo, comemora-se também o Dia Internacional do Teatro, uma simbiose perfeita. Piolin idealizou a primeira escola circense, em 1977, próximo ao estádio do Pacaembu, após ter mudado do Largo Paissandu, centro de São Paulo.

A magia do picadeiro foi representada por famílias inteiras, que fizeram dos mais afamados circos itinerantes pelas estradas afora trajeto de seu trabalho, para chegar de uma para outra cidade, com transporte em carros, trailers, caminhões, fincando a bandeira em terreno baldio, estaqueando estais a puxar a lona que formava a estrutura do circo.

Deste modo levantavam muitas lonas pelo país como as do Circo Nerino, de Nerino Avanzi e família; fundado em Curitiba em 1913, que vindo para São Paulo montou sua primeira lona no Vale do Anhangabaú e apresentou o palhaço Picolino, e a trapezista francesa Armandine Ribolá; sendo chamado de o Mais Querido do Brasil.

Os Irmãos Queirolo de Giácomo Queirolo e Petrona Salas, de origem platina, fixaram-se no Paraná em 1910, que teve no elenco Jose Carlos Queirolo, o palhaço Chicharrón, pai de Brasil José Carlos Queirolo, o palhaço Torresmo. Sua baixa estatura era compensada pelo seu grande talento, onde o ditado de que tamanho não era documento mostrava-se dentro de uma casaca de rendas coloridas completada por um laço, sapatos enormes e um guarda-chuva sempre a rodopiar no ar acompanhado de seu sorriso espontâneo. No dia 12 de outubro de 1950, Dia das Crianças, Torresmo estreou na TV Tupi.

O circo dos Irmãos Queirolo baixou suas lonas de vez em 1979, pois eram outros tempos.

O Circo-Teatro Arethuzza estabeleceu-se na região da Mooca por volta de 1940. Foi resultado de fusões e sociedades entre artistas circenses no Brasil, dos Circos Glória do Brasil, Luso Brasileiro, Colombo e, finalmente, Circo-Teatro Arethuzza, das famílias Faria, Oliveira, Santoro e de Antonio Neves, sendo sua filha Arethuzza a primeira "aramista" do Brasil.

A história rica do circo nos contempla também com o Circo dos Irmãos Temperani, sendo o patriarca Leopoldo Temperani, casado com a artista do trapézio, Paulina Magri. Inovando com o canhão humano, onde seu filho Guilherme foi o primeiro homem-bala das Américas.

Em 18 de setembro de 1950 é inaugurada a primeira estação de televisão do Brasil, a TV Tupi de São Paulo, em 1951 é instalada a TV Tupi carioca. Foi criado o programa "Circo do Carequinha", que ficou no ar por dezesseis anos, apresentado pelo famoso palhaço brasileiro que marcou gerações: George Savalla Gomes, ou melhor, Carequinha. Tinha refrão característico dos palhaços em apresentação: "Hoje Tem Marmelada? Tem Sim Senhor! E O Palhaço O Que É? É Ladrão De Mulher." Gravou também vários discos com seu parceiro Fred Vilar.

Tivemos nipônicos participando dessas raízes, registrando as famílias de japoneses Takissawa Mage, patriarca da família Mange, que chegou ao Brasil, no início do século, casando-se com Aída Beltrami, oriunda de família italiana do picadeiro, formando a união de dois ramos da mais nobre estirpe circense. O clã dos Olimecha aportou no Brasil, em 1888, anterior a grande leva imigratória de 1908. Seu fundador foi Haytaka Torakiste, nascido em Osaka, com o nome de Frank Olimecha, participou da arte da pantomima circense.

Em 1982, pela iniciativa do artista circense Luís Olimecha, instituiu-se a Escola Nacional do Circo com apoio da Fundação Nacional de Artes, FUNARTE, do Ministério da Cultura, que possui currículo de escola técnica da arte circense, exemplo que poderia ser seguido por São Paulo, que possuía o Picadeiro Circo Escola na Cidade Jardim, nº 1105, que apresentava em cartaz:

"Picadeiro Circo Escola - Aulas para Todas as Idades: Acrobacias, Malabares, Equilíbrio e Muito Mais". Poderia ser o início para concretizar o projeto com currículo educacional.

Fica a homenagem dos encantos da poesia e da magia do circo de nossa infância, do "Dia Nacional do Circo", 27 de março, e do dia 10 de dezembro, "Dia do Palhaço", ou da alegria, mesmo quando não é possível sorrir.

"O circo não tem futuro, mas nós, ligados a ele, temos que batalhar para essa instituição não perecer" - Piolin, pouco antes de partir "da vida"... das crianças.

O exposto foi recolhido em várias literaturas acadêmicas e depoimentos expostos na mídia de profissionais circenses, a quem tenho grande apreço e admiração. Há falhas, sendo necessário recolher com mais afinco a cultura deste grande universo que é o Circo.

 

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