TERRAS DEVOLUTAS
- À
insignificante freguesia que era de Santo Amaro em 1828, coube o histórico
papel de ter sido o lugar de São Paulo onde primeiro se instalou uma colônia de
imigrantes. Pelo que se sabe da importância da imigração em São Paulo, isso
torna-se fator um alto interesse.
Aquela
povoaçãozinha humilde, pobre e conformada do princípio do século passado fica
situada como o marco do início no mais profundo movimento econômico e social do
país. Com os primeiros colonos alemães de Santo Amaro começam o Governo e o
povo de São Paulo as suas experiências com o imigrante. Após essa tentativa
que, se não deu os esperados frutos, não deixou, entretanto, de contribuir para
a modificação da mentalidade nativa quanto ao colono estrangeiro, tornaria a ideia
migratória novos impulsos. (ZENHA, p. 26, 1950)
Aquela
referência à freguesia de Santo Amaro, como local para a Colônia, é a primeira
vez que aparece nos documentos. E marca a segunda e definitiva fase dos
trabalhos de instalação da mesma.
Este ofício
foi discutido, no mesmo dia de sua remessa, pelo Conselho da Província de São
Paulo. Ficou resolvido, à vista das “diferentes pretensões (dos colonos) sobre
o seu estabelecimento; e pois se declara (o diretor) que eles se contentam, que
se lhe deem terras em qualquer lugar que
melhor parecer visto que sendo estrangeiros não têm o preciso conhecimento das
que se acham devolutas para as pedirem, assentou o Exmo. Conselho, que como o
referido diretor não se acha nessas circunstâncias pode indicar as que, estando
devolutas, julgar mais convenientes aos ditos colonos, declarando sua extensão”.
Cumprindo esta determinação, vai o diretor informar-se e descobrir uma região
devoluta capaz de abrigar a colônia que, poucos dias depois, receberá a adesão
de mais um grande grupo de alemães.
O
destino, na pessoa do Capitão Joaquim Manoel de Moraes, juiz de paz, levaria o
Dr. Mello Franco para Santo Amaro. (ZENHA, p. 26, 1950)
Em 23
de novembro (1828), o diretor dá conta ao Conselho de exame que fez nas terras
devolutas de Santo Amaro. Acompanhara-o o juiz de paz. O sertão que se dizia
devoluto ficava pouco mais ou menos a quatro léguas da freguesia, no sul, onde
se encontrava o ribeirão Itaquaquecetuba, “que
corre para Weste”. Confinavam as terras examinada com as de propriedade do juiz
de paz e de Joaquim Machado. O caminho até o ribeirão era de carro (de boi) sem
morros nem passagens difíceis. Pouco para o sul encontrava-se o ribeirão
Vermelho que desembocava no Itaquaquecetuba[1]. Para além desse ribeirão até a Serra do Mar,
tudo era sertão devoluto. Existia uma picada que ia a Conceição de Itanhaém “por
onde consta já ter seguido gado” e ter varado gente escoteira com dia e meio.
Havia facilidade de comunicação com esta vila e, pelo Rio Grande, do qual não
ficava longe o sertão visitado, poder-se-ia rumar para Santos. Os matos eram “assentados”
e de boas madeiras. O lugar se mostrava bem regado, já que, além dos dois
ribeirões citados, entre os quais se devia localizar a colônia, dele manavam algumas
fontes do Rio Grande e outra aguadas. (ZENHA, p. 27, 1950)
O
sertão examinado era o mais próximo era o mais próprio, pois além das vantagens
apontadas oferecia a de se achar perto de povoações. Este fato era de suma importância.
Se tal lugar fosse escolhido, deviam as famílias acomodarem-se em Santo Amaro,
freguesia mais próxima.
E para o estabelecimento de cada uma
delas, o diretor sugeria que, escolhido o local, fosse adiantada a importância correspondente
ao subsídio de quatro meses afim que pudessem construir seus ranchos e iniciar plantações.
Com o que, dizia mui finalmente, ganhava a Fazenda pois quanto mais depressa se
instalasse a colônia, mais depressa cessaria o subsídio.
A 28
de dezembro (1828) o diretor comunicava (ao Conselho) que os colonos tinham ido
ver as terras da freguesia de Santo Amaro e que, por documento escrito as
aceitavam. Que o Conselho, no lugar examinado, concedesse “a mercê que S. M.
Imperial foi servido fazer-lhes das 400 braçadas em quadra porque há tanto
suspiram”.
A
lista de alemães que aceitam as terras na freguesia de Santo Amaro compreende
129 nomes. O diretor fizera um documento na língua dos colonos e estes o
assinaram. Teriam todos os signatários examinado os terrenos? A interrogação se
justifica em face de dúvidas, que logo mais surgirão. Embora o diretor faça
esta comunicação a 5 de janeiro de 1929, o documento firmado pelos imigrantes é
de 12 de novembro do ano anterior, circunstância digna de ser retida. (ZENHA, p. 28, 1950)
Nesse momento o presidente da Província
de São Paulo, José Carlos Pereira de Almeida Torres, estava
desesperadamente sem verbas de manutenção e dizia não se esperar pela resolução
do Império e que se assentassem o colonos no sertão próximo à freguesia de
Santo Amaro, em terras desocupadas no Distrito da Aldeias de Itapecerica, Mboy (hoje
Embu das Artes) e Carapicuíba como já havia deliberado o Conselho. Pedia ao
sargento mor José da Silva Carvalho examinasse essas terras das aldeias assim
como ao Capitão Antonio de Oliveira fizesse o mesmo com as terras de Araçariguama,
onde se pretendia enviar colonos também. Era dado um prazo de três dias aos
enviados para informarem sobre a questão dos assentamentos, o que foi feito em
8 de fevereiro de 1829.
As
terras são localizadas com as mesmas indicações do diretor. Quanto as culturas “dizem
que dão milho em parte bem, em outras sofrivelmente, e dá bem batatas, carás,
arroz e mesmo mandioca”. Ficava o local a futura colônia em ponto mais ou menos
central, ente Santos, Conceição (de Itanhaém), Santo Amaro e São Paulo. (ZENHA, p. 29;
30, 1950)
Algumas famílias pela indecisão do
governo resolvem adquirirem suas próprias terras, sendo que oito famílias o
fizeram em Itapecerica, duas em Santo Amaro e três ne Freguesia da Penha e cinco
pelos lados de Sorocaba, com seus próprios recursos da venda de suas
propriedades que possuíam na Alemanha.
De posse dessas informações, o Conselho
realiza a sessão extraordinária de 12 fevereiro de 1829 em que fica a colônia instituída,
definitivamente, em Santo Amaro.
Os
senhores conselheiros da Província de São Paulo achavam que tinha cessado os
debates sobre os assentamentos e deram aval para formar a ordem expedida pela
Secretaria de Estado dos Negócios do Império.
Não sendo possível aos colonos se
instalarem imediatamente nas terras que lhes estavam
destinadas, “se assentou ser igualmente indispensável, que se compre para o
indicado fim os cultivados que naquele lugar tem Joaquim Machado a custa dos
ditos colonos, para o que deverão
concorrer com a oitava parte de seus subsídios, atenta à utilidade, que
desta providência lhes venha, em que seja a Fazenda Nacional obrigada a fazer mais
esta despesa, a qual apenas montará na quantia de 50 mil réis e por isso não
lhes será pesada”. Que se, entanto, não quisessem ir logo para o serão, “construíssem
o seu arranchamento no sítio denominado Rio Bonito, que também fica próximo e à
entrada do sertão”.
O que estava em jogo era o assentamento
rápido dos colonos em quaisquer pontos que se oferecessem e isso deixava claro
pelas intenções do presidente da Província de São Paulo, para que cessassem
logo os subsídios advindos da Fazenda Nacional, que a condição primordial eram
os assentamentos o mais breve possível. A preocupação de todos os conselheiros era
com o tesouro provincial, pois atormentava a curta bolsa pública.
Estava assim instituída a Colônia alemã de Santo Amaro. A sessão iniciou-se às 10:00 horas da manhã e terminou à 2 horas da tarde. Assinam a ata: José Carlos Pereira de Almeida Torres, presidente da província, Manoel Joaquim Ornellas, Dom Manoel, bispo diocesano, José Arouche de Toledo Rendon, Bernardo Pinto Galvão Peixoto e Rafael Tobias de Aguiar. Ficam estes nomes ligados também a história da imigração de São Paulo. (ZENHA, p. 31, 1950)
Resolvida a instalação da colônia, era necessário
transportar para Santo Amaro os colonos que estavam em São Paulo e Itapecerica.
Para tanto foi enviada ordem ao sargento mor afim de que este pusesse a
disposição do diretor os carros necessários. O Dr. Melo Franco (diretor
agrimensor) pediu 64 carros. O sargento mor conseguiu reunir unicamente cinco.
Comunicava ter mandado, entanto aviso para todos os carreiros se reunirem numa quarta-feira
e procederem ao transporte dos colonos. Ninguém se aluiu a grande pare dos
colonos fez a mudança a pé. (ZENHA, p. 32, 1950)
Neste
interim assume os interesses dos colonos alemães o agrimensor
Theophil (ou Teófilo)
Schmidt para mediar os lotes. Sabe-se que ele entrou
no Brasil na categoria de avulso em 22 de maio de 1828 vindo para São Paulo na
Sumaca “Santa Delfina[2]”.
Assumiu a posição de Henrique Droge, o primeiro indicado para mediador, que foi
afastado da colônia por divergências com os próprios colonos.(ZENHA, p. 31,
1950)
Dando conta
do pedido feito pelo mediador alemão Theophil Schmidt que era proibir os nacionais de
abrirem roças nas áreas a serem divididas entre os colonos; o senhor diretor
Melo Franco deveria enviar todos os colonos para ajudar nas demarcações,
inclusive um marceneiro; convocar o alemão senhor Fluer, versado em medicina e
conhecedor de geometria, e sendo agora um dos colonos ajudar na empreitada; arrumar
instrumentos, prancheta, cadeira, para anotações cabíveis a cada família.
Parecia coisas simples, mas a empreitada
precisava acima de tudo trabalho árduo nas terras de mato virgem e começa uma
desavença entre os interesses dos colonos e os interesses da província, informando
de que o lugar destinado para ao alemães não prestava, era contra o ajuste que
com os colonos na Alemanha se tinha feito, e que eram para aquele lugar
designados para favorecer homens ricos e poderosos.
Theophil Schmidt apresenta então a Declaração dos dois cultivados
de Joaquim Machado:
Estes cultivados seriam adquiridos para neles
instalar-se a povoação. O Conselho do Governo não podendo medir, como desejava,
até o fim do ano, as datas (terrenos) grandes e livrar-se do subsídio, usou um
subterfúgio: comprou com os próprios vencimentos dos colonos os dois cultivados
e neles mandou medir pequenos lotes, distribuídos de forma a permitirem futuras
ruas. Estes lotes foram entregues aos alemães para construções de suas casas,
enquanto se aguardava a medição das datas(terrenos) de quatrocentas braças. (ZENHA, p. 34, 1950)
Indiscutivelmente
os dados apresentados pelo alemão Teófilo Schmidt eram muito mais precisos e
minuciosos do que os apresentados pelos outros examinadores. O tesouro estava
sem verbas e urgia pôr fim ao termo das despesas tão pesadas. As coisas
pareciam ir a contento quando o mediador alemão afirmou que as terras
oferecidas nada valiam e que um grande fracasso era anunciado.
Theophil Schmidt em 17 de março de 1829, endereça ao vice-presidente
da província uma longa nota. O fato de ter sido dirigida diretamente ao alto
procurador da coroa dá bem a medida das coisas dentro da colônia. O mediador
não se julga mais obrigado a representar primeiro ao diretor, como estava estabelecido:
salta pela autoridade deste, e se dirige ao Conselho e ao vive presidente. O
Dr. José Carlos Pereira, por esta ocasião desempenhava-se de seu mandato na
câmara dos deputados, substituindo-o Dom Manoel, bispo diocesano.
Nesta nota, entre outras coisas, diz Theophil Schmidt que o sertão destinado aos colonos não podia
preencher uma das cláusulas do contrato firmado na Alemanha “por pessoas
encarregadas de “Negócios deste Império”, pois nele se pactuava que ao colono
seria entregue um quinhão formado de matos e campos. Isto não se podia,
satisfazer com as terras destinadas aos alemães, “...será necessário, - diz ele,
- que o Governo, em cumprimento dos referidos contratos, evitando queixas e
agravos, conceda lugares competentes aos colonos”. (ZENHA, p. 35, 1950)
Este
plano foi recusado pelos alemães e, especialmente, os palatinos protestaram contra
ela e insistiu em seu contrato, que lhes prometeu terras aráveis e prados, e
não em uma região de selva encharcada de regulares inundações.
Frederico Lang,
Philippe Anton,
Jakob Kuntz de Essweiler,
Pedro Schumacher,
Johannes Stoffel;
Pedro Bauer,
Heinrich Gilcher de
Bosenbach, (ou Gilger?),
Pedro Hassel (ou Hessel?),
Nickel Mueller,
Adão Weinbreger (seria os atuais Rheinsberg?),
Philipp Schaefer de
Erdesbach,
Jacob Walder,
Theobald Ulrich de Ulmet,
Frederico Hasse (ou Haeseler),
Elizabetha Walter (viúva de
Diderico Geres (ou Geer?),
Pedro Schuck,
(ou Schunck?)
Luiz Gadner (Kettler Ludwig),
Jacobo Mader, (ou Mater?)
Johannes Pfeiffer (de Bosenbach),
Friedrich Franck, Friedelhausen,
Philipp Weinreich, de Friedelhausen,
Daniel Sansel,
Frederico Theobald
Jacob Rey de Essweiler, (ou Jacobo?)
O diretor da colônia considerou esses protestos e a marcha de uma
delegação alemã à sua casa como uma “revolta” e com a ajuda policial zelou pela
“ordem”. Esses alemães foram definitivamente informados de que nenhuma outra
terra estavam disponíveis para eles e além disso foram punidos com a retirada
do apoio financeiro.
Os que encabeçaram a lista e exigiam
seus direitos saíram para outros lugares, e Por causa
destes fatos a Alemanha por algum tempo fechou suas fronteiras imigratórias ao
Brasil, para rever as condições em que os colonos estavam sendo tratados.
Esses palatinos que insistiam nos direitos declarados em seus contratos
sairam de Santo Amaro. Alguns deles, como Johannes
Pfeiffer, procurou trabalho na jovem siderúrgica de Ipanema, contruida por
ordem de Dom João VI. Outros se mudaram para Minas Gerais, Santa Catarina ou Curitiba.
Por causa
destes fatos a Alemanha por algum tempo fechou suas fronteiras imigratórias ao
Brasil, para rever as condições em que os colonos estavam sendo tratados.
Em 28 de março de 1829, o vice
presidente exarou o seguinte despacho: Informe ao Sr. Diretor, ficando na inteligência
de que hoje foi dispensado da comissão em que se acha empregado o alemão Theophil Schmidt.
Como represália os signatários foram
excluídos da Colônia Paulista.
Mas boa parte que assinaram a
carta de protesto tinham que sair e não se encontravam mais na primeira lista
de habitantes de Santo Amaro de 1830.
Theophil Schmidt que havia substituído Melo
Franco e Henrique Droge, para representar os interesses dos colonos alemães,
que chegou e São Paulo através da Sumaca “Santa Delfina”, em 22 de maio de 1828,
que considerou o solo demasiado pobre para fins agrícolas e que tinha debates
conflitantes sobre este assunto com o diretor da colônia, e que até se ofereceu
em ir para ir ao Rio de Janeiro expor as condições da primeira colônia de São Paulo,
a Colônia Paulista, ao Imperador, desaparece como referência da colônia e a que
tudo indica encaminhou-se para o Rio de Janeiro, depois de lutar pela causa dos
colonos alemães de São Paulo.
O gado prometido não estava disponível nas quantidades necessárias, assim
os colonos receberam uma compensação monetária. Em fevereiro de 1830, o Juiz de
Paz, Joaquim Manoel de Moraes, fez uma lista da colônia alemã de Santo Amaro e
contava 62 famílias com 229 pessoas. Em Itapecerica, havia 30 famílias alemãs, em
um total de 163 pessoas.
Informava ainda o bispo que “Sua Majestade o Imperador acaba de não só
aprovar, como de louvar todas as medidas tomadas pelo Excelentíssimo Sr.
Presidente desta Província sobre o estabelecimento dos referidos colonos nas
terras que ele em Conselho designara”.
Em 3 de abril de 1829 o director comunicava que haviam chegado a Santo
Amaro muitos imigrantes daqueles que se tinham separado no mar e ficado na
Inglaterra, como naufragos do Veleiro “Helena e Maria”!
[1] Não confundir o município de Itaquaquecetuba localizado na Região Metropolitana de São Paulo e Alto Tietê distante 42,6 quilômetros a nordeste da cidade de São Paulo, com a Estrada de Itaquaquecetuba, na “Ilha” do Bororé, na zona sul de São Paulo. (Em São Bernardo do Campo há a Estrada Taquacetuba e a represa Billings que recebe águas de um rio de mesmo nome!!!)
[2]
Embarcação pequena de 2 mastros,
usado comumente na América do Sul
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