sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

O Empório de Secos e Molhados e o Jogo de Bocha no Jardim São Luiz/SP


DE FREGUÊS A CLIENTE: DOS EMPÓRIOS AOS SUPERMERCADOS
Não faz tanto tempo, os bairros viviam em função dos empórios e o “freguês” poderia encontrar grandes sortimentos para que fossem supridas as necessidades básicas e algo também a mais que se necessitava no cotidiano. O dinheiro era escasso, o crédito era a confiança de marcar na caderneta para ser quitado no fim do mês. Não havia cartão de plástico bancário para ser usado na “boca do caixa”!

No bairro do Jardim São Luiz também estava concentrada uma vida de relações comerciais nos empórios do bairro, que, às vezes, eram também denominados de secos e molhados. Os secos estavam voltados para tudo o que era vendido a granel, sem os ensacamentos plastificados de hoje; tudo era pesado na frente do cliente: arroz, feijão, farinha, fubá, manjubinha salgada, e até o pão não poderia faltar junto com o leite de garrafa, pois todo “santo dia” lá ia "Seu" Prudente com sua bicicleta de cor avermelhada desbotada subindo ladeira abaixo e ladeira acima com o “pão nosso de cada dia” em um grande caixote na rabeira. Os molhados eram os aperitivos, cachaças puras ou com carqueja, e outros destilados, vinhos de tonel, a cerveja geladinha, as cerejinhas, as tubaínas, os guaranás e sodas.


Hoje, a bicicleta descansa em um canto da casa, como um troféu, não tem preço monetário, foi uma guerreira, como foram: Seu Abrãao Gomes da Fonseca, Prudente Alves da Fonseca, acompanhado de sua esposa, Dona Alice Bento Damazio da Fonseca, que fazia os petiscos para serem “beliscados” com um aperitivo servido no balcão, somados aos queijinhos em potes bem acondicionados, mortadelas e ovos cozidos de cascas coloridas, amendoins, azeitonas e tremoços.

As guloseimas, doces variados das fábricas Confiança e Bela Vista eram apresentados em um balcão onde a gurizada arregalava os olhos na vitrine e esperava que algum refrigerante fosse ofertado para “refrigerar” do calor, que não era tão intenso como na atualidade, até garoava constantemente e pela manhã a neblina imperava “sem enxergar um palmo diante do nariz”. Hoje, está tudo seco, até a chuva foi embora, espero que ela volte em breve, par encher os reservatórios de água!

Do lado de fora estava o campo de bocha que sempre estava lotado nas grandes disputas de aficionados deste esporte. Quando ainda não existiam as bolas coloridas, quatro para cada lado, o que as diferenciavam eram bolas lisas e as bolas de bocha dos adversários, que possuíam um risco e que tinham como meta chegar mais próximo ao “bolim”; uma bola menor que era lançada no início do jogo e era a meta a ser atingida e contavam-se os pontos por aproximação das bolas grandes ao “bolim”. Pronto, a competição estava formada para as alegrias de fins de semana, verdadeiras disputas onde se aglomeravam em volta do campo as torcidas e competidores das disputas seguintes.

Muitos moradores eram assíduos frequentadores para assistirem às “pelejas”, como Seu Serafim, pai da Tereza; Seu Pedro, esposo de dona Ana, pais do Nê; Seu Bento, que possuía um DKW táxi, pai do Paulinho e do Tiãozinho; Seu Michel; Seu Antonio Gordinho, que era sogro do Zé Evaristo; Zé Passarinho; Zé Cabeça Branca; Daniel; Seu Emílio, motorista da CMTC (SPTrans de antigamente); Seu Ernesto, motorista da Viação São Luiz, pai do Buda; Seu Romão pai do Edson Bradesco; Seu Stefan, pai do Paulinho Jordak; Seu Agostinho, aposentado da polícia; e tantos outros que cercavam em volta da pista, brincando, rindo com a facilidade de estar rodeados de amigos, transmitindo felicidade e que tinha toda uma genealogia unida para um bem comum. Hoje, são nomes rememorados como parte desta história e que são somados a tantos outros que vivificaram para sempre em nossa memória.

O Seu Prudente, depois que seu pai Abrãao “partiu para sempre”, deu continuidade na labuta diária do empório e foi até matéria da Rádio São Paulo, no programa Incrível, Fantástico e Extraordinário. Hoje Seu Prudente se aposentou e passou o “cetro do balcão” e responsabilidade do empório para seu filho, José Carlos Bento da Fonseca, que atende pelo apelido de Prado, por causa do nome de um jogador do São Paulo Futebol Clube, time que ele torce. 



 José Carlos Bento da Fonseca

Não existe mais o jogo de bocha, o empório não tem mais os regadores de plantas pendurados do teto por ganchos, vassouras, fumo de corda para uma pitada de cigarro feito com palha de milho secada ao sol e tudo mais do que se podia imaginar. Os tempos são outros e até a balança que pesava as mercadorias também “se aposentou”. O empório de secos e molhados do Seu Abrãao, que mudou de nome conforme o dono, passou a ser chamado de Empório do Seu Prudente e hoje é o Empório do Zé Carlos, seu filho.
O empório continua lá firme, com quase meio século de existência, como um símbolo de três gerações, mas as tardes de domingo não são mais as mesmas... E as pessoas “entocaram-se” dentro de si e diante da internet ou da televisão!

Hoje para suprir as necessidades básicas da população vemos grandes supermercados que possuem de todo tipo de mercadoria e estão sempre a oferecer produtos variados e detém uma parcela considerável de clientes, que antes eram conhecidos por fregueses que mantinham a fidelidade marcada na cadernetas que eram quitadas todo final de cada mês e que faziam o comércio girar nas pequenas vilas e bairros afastados do centro de São Paulo.



Depoimento de José Carlos da Fonseca, neto de Abrão Fonseca, fundador do empório, concedida em 02/02/2014


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