DE FREGUÊS A CLIENTE: DOS EMPÓRIOS AOS SUPERMERCADOS
Não
faz tanto tempo, os bairros viviam em função dos empórios e o “freguês” poderia
encontrar grandes sortimentos para que fossem supridas as necessidades básicas
e algo também a mais que se necessitava no cotidiano. O dinheiro era escasso, o
crédito era a confiança de marcar na caderneta para ser quitado no fim do mês.
Não havia cartão de plástico bancário para ser usado na “boca do caixa”!
No
bairro do Jardim São Luiz também estava concentrada uma vida de relações
comerciais nos empórios do bairro, que, às vezes, eram também denominados de
secos e molhados. Os secos estavam voltados para tudo o que era vendido a
granel, sem os ensacamentos plastificados de hoje; tudo era pesado na frente do
cliente: arroz, feijão, farinha, fubá, manjubinha salgada, e até o pão não
poderia faltar junto com o leite de garrafa, pois todo “santo dia” lá ia "Seu" Prudente com sua bicicleta de cor avermelhada desbotada subindo ladeira abaixo
e ladeira acima com o “pão nosso de cada dia” em um grande caixote na rabeira.
Os molhados eram os aperitivos, cachaças puras ou com carqueja, e outros
destilados, vinhos de tonel, a cerveja geladinha, as cerejinhas, as tubaínas,
os guaranás e sodas.
Hoje,
a bicicleta descansa em um canto da casa, como um troféu, não tem preço
monetário, foi uma guerreira, como foram: Seu Abrãao Gomes da Fonseca, Prudente
Alves da Fonseca, acompanhado de sua esposa, Dona Alice Bento Damazio da
Fonseca, que fazia os petiscos para serem “beliscados” com um aperitivo servido
no balcão, somados aos queijinhos em potes bem acondicionados, mortadelas e
ovos cozidos de cascas coloridas, amendoins, azeitonas e tremoços.
As
guloseimas, doces variados das fábricas Confiança e Bela Vista eram
apresentados em um balcão onde a gurizada arregalava os olhos na vitrine e
esperava que algum refrigerante fosse ofertado para “refrigerar” do calor, que
não era tão intenso como na atualidade, até garoava constantemente e pela manhã
a neblina imperava “sem enxergar um palmo diante do nariz”. Hoje, está tudo
seco, até a chuva foi embora, espero que ela volte em breve, par encher os
reservatórios de água!
Do
lado de fora estava o campo de bocha que sempre estava lotado nas grandes
disputas de aficionados deste esporte. Quando ainda não existiam as bolas
coloridas, quatro para cada lado, o que as diferenciavam eram bolas lisas e as
bolas de bocha dos adversários, que possuíam um risco e que tinham como meta
chegar mais próximo ao “bolim”; uma bola menor que era lançada no início do jogo
e era a meta a ser atingida e contavam-se os pontos por aproximação das bolas
grandes ao “bolim”. Pronto, a competição estava formada para as alegrias de
fins de semana, verdadeiras disputas onde se aglomeravam em volta do campo as
torcidas e competidores das disputas seguintes.
Muitos
moradores eram assíduos frequentadores para assistirem às “pelejas”, como Seu
Serafim, pai da Tereza; Seu Pedro, esposo de dona Ana, pais do Nê; Seu Bento,
que possuía um DKW táxi, pai do Paulinho e do Tiãozinho; Seu Michel; Seu
Antonio Gordinho, que era sogro do Zé Evaristo; Zé Passarinho; Zé Cabeça
Branca; Daniel; Seu Emílio, motorista da CMTC (SPTrans de antigamente); Seu
Ernesto, motorista da Viação São Luiz, pai do Buda; Seu Romão pai do Edson
Bradesco; Seu Stefan, pai do Paulinho Jordak; Seu Agostinho, aposentado da
polícia; e tantos outros que cercavam em volta da pista, brincando, rindo com a
facilidade de estar rodeados de amigos, transmitindo felicidade e que tinha
toda uma genealogia unida para um bem comum. Hoje, são nomes rememorados como
parte desta história e que são somados a tantos outros que vivificaram para
sempre em nossa memória.
O
Seu Prudente, depois que seu pai Abrãao “partiu para sempre”, deu continuidade
na labuta diária do empório e foi até matéria da Rádio São Paulo, no programa
Incrível, Fantástico e Extraordinário. Hoje Seu Prudente se aposentou e passou
o “cetro do balcão” e responsabilidade do empório para seu filho, José Carlos Bento da Fonseca, que atende pelo apelido
de Prado, por causa do nome de um jogador do São Paulo Futebol Clube, time que
ele torce.
José
Carlos Bento da Fonseca
Não
existe mais o jogo de bocha, o empório não tem mais os regadores de plantas
pendurados do teto por ganchos, vassouras, fumo de corda para uma pitada de
cigarro feito com palha de milho secada ao sol e tudo mais do que se podia
imaginar. Os tempos são outros e até a balança que pesava as mercadorias também
“se aposentou”. O empório de secos e molhados do Seu Abrãao, que mudou de nome
conforme o dono, passou a ser chamado de Empório do Seu Prudente e hoje é o
Empório do Zé Carlos, seu filho.
O empório continua lá firme, com quase meio século
de existência, como um símbolo de três gerações, mas as tardes de domingo não
são mais as mesmas... E as pessoas “entocaram-se” dentro de si e diante da
internet ou da televisão!
Hoje para suprir as necessidades básicas da população vemos grandes supermercados que possuem de todo tipo de mercadoria e estão sempre a oferecer produtos variados e detém uma parcela considerável de clientes, que antes eram conhecidos por fregueses que mantinham a fidelidade marcada na cadernetas que eram quitadas todo final de cada mês e que faziam o comércio girar nas pequenas vilas e bairros afastados do centro de São Paulo.
Depoimento de José Carlos
da Fonseca, neto de Abrão Fonseca, fundador do empório, concedida em 02/02/2014
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