sexta-feira, 27 de maio de 2011

PÍCAROS, OS CHALAÇAS DA NAÇÃO: A ARTE DE ENGANAR

PÍCAROS da PENÍNSULA

Oriundo de Espanha, termo "pícaro" pode estar ligado ao vocábulo "picar", por analogia com os ofícios exercidos pelos ajudantes de cozinha , picadores de touros, nas touradas, auxiliares de

estrebaria. Outros sentidos associam-no ao de ralé, de posição menor na escala social. No contexto torno-se adjetivo de astuto, patife, falta de honra e de vergonha, aliada ao sentido de vida vagabunda, que o termo terá surgido pela primeira vez, na Farsa Custódia de Bartolomeu Palau(1545).

O gênero picaresco estréia na literatura com Lazarillo de Tormes (1554) e atinge a sua definição em Guzmán de Alfarache, obras de cunho autobiográfico em que se radica a caracterização do herói pícaro: é pobre e vagabundo, sendo a constante os elementos mais característicos do pícaro: folgazão e beberrão; trapaceiro, recorrendo a expedientes enganadores; desrespeitando bons costumes e bens alheios. Embora a figura do vagabundo, do boêmio e do marginal, seja tratada em contextos literários anteriores, coletâneas posteriores ao pícaro espanhol (nomeadamente por Bocaccio e Rabelais), o que dá uma singularidade pela sua localização geográfica da Península e consagra este gênero literário.

O pícaro é um produto social, dando-nos o romance picaresco um retrato realista da pobreza e corrupção moral da sociedade espanhola (e portuguesa) dos séculos XVI e XVII, com sua galeria de mendigos, prostitutas, ladrões e outros renegados, retrato da corrupção existente no reino.

PÍCAROS da PENÍNSULA PARA O BRASIL IMPERIAL

Os Pícaros brasileiros colocam o Brasil os mais férteis sistemas para a prática destes representantes, invertem o ato de trabalhar através da arte de enganar. É uma figura crítica espanhola de 1554, cuja função era revelar estruturas sociais, morais e éticas vigentes dentro de classes sociais distintas. Eles conseguem convencer as pessoas que seus atos ilícitos são favoráveis ao bem estar geral e não em benefício subjetivo, ou seja, o contrário da realidade. Ao Pícaro é proibido ter, pois está condenado a "adquirir", e a aquisição deve seguir de delitos. Os Pícaros estão condenados a utilizar em seus discursos, a palavra "eu" diante da sua afronta pública, enquanto os honrados utilizam a terceira pessoa na sua narrativa heróica.

Moral da história: a posse da honraria legítima vinha de herança, enquanto os pícaros tomam posse através do delito.

“PÍCAROS NO BRASIL”, OU “OS CHALAÇAS”

Francisco Gomes da Silva, nasceu em Lisboa filho bastardo do Visconde de Vila Nova da Rainha com uma aldeã pobre de 19 anos, que trabalhava como criada de quarto do Visconde, seduzida por este, registrando a criança como "filho de pais incógnitos". Apesar de não assumi-lo, o Visconde manteve um controle de vigilância e pagou oito mil cruzados ao seu protegido, Antonio Gomes da Silva, para assumir a paternidade do menino e o registrar como filho legítimo,além de ganhar por influência do Visconde, um emprego público como ourives da Casa Real.

O menino foi mandado para o seminário de Santarém, preparar-se para ser sacerdote, aprendendo a língua dos padres, o latim, e vernáculos correntes de então: francês, inglês, italiano e espanhol. Estava quase a ordenar-se quando chegaou a notícia dos preparativos da fuga da corte portuguesa para o Brasil. Abandonou o seminário, e com 16 anos viajou para Lisboa, decidido a participar dos acontecimentos, mas no meio do caminho foi preso por uma guarnição francesa e condenado como espião. Às vésperas de ser fuzilado, conseguiu evadir-se, chegando ao cais de Lisboa na mesma manhã em que D. João VI e sua corte embarcavam para o Brasil.Conseguindo por influência dos pais(por falta de um, tinha dois) acompanhou o pai adotivo fazendo parte da comitiva de 15 mil pessoas em fulga desenfreada pela invasão de Napoleão e que desembarcaria no Rio de Janeiro em março de 1808. Já no Rio, Chalaça passou a auxiliar o ourives Antonio Gomes, mas logo suas noitadas boêmias e desordeiras levaram-no a uma séria briga com o "pai". Em 1810 já se insinuara no palácio, obtendo a inclusão na lista de criados honorários do Paço de São Cristovão. Um ano depois, era nomeado moço Criado da Casa Real por D. João. Em 1812, aos 21 anos, já recebia algumas vantagens por sua atuação em "serviços reservados" prestados ao Príncipe Regente, pela sua bela caligrafia ao redigir documentos, tornou-se secretário.

Considerando que a corte era um ninho de intrigas entre facções rivais que se espionavam entre si, compreende-se que já começava a desenvolver ali algumas das "qualidades" que o tornariam famoso no Brasil Imperial. Tanto que em 1816 já era juiz da balança da Casa da Moeda e logo tornava-se o amigo favorito do príncipe D. Pedro, que encontrou no Chalaça o companheiro ideal para farras e escapadas noturnas.

D. João mantinha sua esposa, D. Carlota Joaquina sob discreta vigilância. O Chalaça logo teria papel destacado nesse jogo de espionagem familiar, o que lhe garantiu o ódio da espanhola, propensa a fugas amorosas. A esperta rainha esperava apenas uma chance para derrubar o bastardo insinuante. Denunciado pela rainha, num flagrante pelo próprio D. João VI numa sala do palácio em companhia da dama do Paço, D. Eugênia de Castro, ambos nus não deixava dúvidas quanto ao fato. D. João expulsou-o de seu serviço e baixou ordem de que o Chalaça deveria manter-se a uma distância mínima de dez léguas( mais de 60 quilometros) da Corte.

Chalaça abrigou-se na casa de um vigário conhecido do antigo seminário de Santarém, até que a intervenção de seu verdadeiro pai, o Visconde de Vila Nova, reabilitou-o junto a D. João.

A Rua Direita, hoje Primeiro de Março, era a mais importante do Rio de Janeiro do início do século XIX. Neste ambiente social em transformação, encontravam-se soldados, escravos, comerciantes e fidalgos, em busca de aventuras, lugar propício para um pícaro sem escrúpulos e intelectualmente bem dotado, agir.

Nosso primeiro Imperador sempre teve fraqueza imperdoável: gozava de estar rodeado de gente propícia a canalhice, e cercoou-o desavergonhadamente outro pícaro bem postado.

Em 1816, D.João VI elevou o servidor Plácido Antônio Pereira de Abreu ao cargo de “Chefe da Real Ucharia”, a dispensa de mantimentos do Palácio Real, onde eram armazenados todos os alimentos que abasteciam a mesa do rei. Mais tarde foi sócio de D. Pedro “num negócio de compra e venda de bois e cavalos”, costumava requisitar “toda a produção de determinado gênero alimentício”, revendendo o que sobrava a particulares por preços extorsivos. A situação atingiu tal nível de abuso que, em 1819, três anos depois, um grupo de cidadãos enviou carta de protesto ao rei. Nela, reclamava-se da “falta de galinhas para o socorro dos enfermos particulares, pois por dinheiro algum as podem encontrar senão em mãos do galinheiro da Real Ucharia”. Foi um pícaro perfeito aos custeios de outrem, chegando ao cargo de tesoureiro da Imperatriz, e espião desta, claro com galantes mimos reais dados de bom grado. •.

O amigo Plácido ampliou os ganhos do príncipe, que era de um conto de réis, pensão dada por D. João ao filho Pedro, que mal sustentava as alcovas das orgias. Pois bem, Plácido, tornou-se sócio de Pedro ao propor negócio escuso entre ele e o herdeiro do trono. O negócio estaria vinculado às tropas de animais que chegavam ao Rio de Janeiro, que seriam minuciosamente averiguados e depois se escolhiam os melhores animais da manada e recolhidos as estrebarias do Paço. Os tratadores lustravam o pelo dos animais, que num passe de mágica viravam puros sangues árabes. A trama era perfeita e o pangaré, da noite para o dia, tornava-se animal de raça perfeito e lucrativo, e o comprador saía honrado por ter adquirido um animal das cavalariças reais. A falcatrua descoberta pelo rei fez descompostura aos dois, proibindo patifaria além disso, servindo-se do nome da Casa Real. O afeiçoamento não terminou entre ambos, muito pelo contrário, ampliou o relacionamento entre o príncipe e o servidor do Paço.

O rei manda-lhe arranjar um casamento com alguma família real de Europa, para tirar-lhe do meio promíscuo. O principe d. Pedro de Bourbon e Bragança, primogênito de “El-Rey”, herdeiro do trono de Portugal, do Brasil e do Algarve, ficou compromissado, assumindo com a Arquiduquesa da Áustria, Dona Maria Leopoldina Josefa Carolina, filha de D.Francisco I. O Marquês de Marialva arranja os preparativos para a vinda da consorte ao Brasil.Logo mostrou-se a incompatibidade deste matrimônio, de dois gênios diferentes, e a feminilidade da Imperatriz era nula, a ponto de exporem ser seduzida por Maria Graham, dama de companhia, inglesa, na Quinta da Boa Vista. Por outro lado não se nega a cultura de D. Leopoldina contrastada com a rudeza do Bragança, que pouco se atinha aos livros. Ela não satisfez as “vontades” do Imperador, que buscava saídas com seus amigos pícaros palacianos, e sem estirpe, não adiantou o rei interferir para mudar o carater do Imperador, estava no sangue, por parte da mãe!

Voltando ao Chalaça, houve quem o chamasse de alcoviteiro e safardana, mais tais acusações não passavam de calúnias, e se fossem eram abafadas para não afluir como um grande embusteiro, e isto parece ter sido de sobra!

Se o Chalaça conseguiu ascender de simples serviçal a um dos mais influentes homens do Império brasileiro, isto aconteceu principalmente graças à sua privilegiada inteligência.

Além de habilidoso conselheiro, este companheiro de D. Pedro I, com quem deparou no “Botequim da Corneta” quando entoava trovas e lundus, e a contar piadas, patacoadas, lorotas. Assim Francisco Gomes não ganhou seu nome a toa, pois Chalaça significa gracejo, caçoada, zombaria. Com seu humor, acrescentado de seu talento musical, tirando inspiração de sua viola, vivia de galanteios enganadores. Possuía habilidade em intermediar encontros amorosos de D. Pedro I, fizeram com que ele fosse à companhia preferida do imperador em noitadas e serestas.

O personagem Chalaça esteve em todos os grandes acontecimentos da jovem nação brasileira: gritou junto com o Imperador, às margens do Ipiranga, e talvez esteve presente como secretário escrevendo a primeira Constituição, com sua bela caligrafia, dote que lhe abriram portas.

O Chalaça foi exemplo acabado de estadista safardana, figuras comuns e bem conhecidas do cenário nacional, até ganhou aberturas oficiais em todas as Secretárias de Estado e constituiu-se num modelo muito imitado pelos governantes brasileiros.

Ganhou honrarias e foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro, Comenda da Ordem de Cristo, além de Comenda da Torre e Espada, como também tornou-se comandante da Imperial Guarda de Honra do Imperador, Procurador deste e Conselheiro de Estado, enfim serviu-se muito bem das oferendas agraciadas pelo Imperador, e sempre prestou-lhe honrados préstimos!

Chalaça estava tão ligado aos interesses das relações amorosas do Imperador, que não faltava sua vez em aproveitar os momentos de usurpar está preferência imperial por Domitila e ter repentes de elogios a senhora Marquesa de Santos:

Naquela bonita noite de verão, noite romântica de luar, foi com sorriso encantador que a senhora Marquesa de Santos acolheu o perfumado amigo do Imperador:

_ Seja bem vindo, meu caro Chalaça!

_Deus a salve e guarde senhora Marquesa!

Brejeira, a irradiar graças e feitiços, Dona Domitila começou risonhamente:

_Recebi ontem,com rosas, o convite para o banquete. E nem sei o que deva agradecer: se o convite, se as rosas...

_Oh, senhora Marquesa, as rosas...

_Lindas!Lá estão na jarra do meu tocador, é pena que emurcheçam tão breve. Se não, meu caro Chalaça, havia de me florir com elas para ir ao banquete.

_A senhora Marquesa não precisa florir-se... Atalhou o Chalaça madrigalesco; Vossa Excelência, mesmo sem uma flor, será fatalmente, a primavera da festa!(Setúbal, p.183- Marquesa de Santos).

Embora o desfecho pareça não ser aquele esperado pelo “emissário” do Imperador, para permear e servir-se das gentilezas de Domitila, nos primeiros contatos antes da chegada de D. Pedro e sua comitiva, ávido em pernoitar na alcova escolhida.

Neste dia o atrito entre Chalaça e Domitila parece ter causado mal estar, mas isso não tira o mérito de seus argumentos, em “preparar o caminho”.

Seu galanteio dirigido às damas dava-lhe ares de perspicácia, alem de trajar-se com bom gosto e requinte, a não se repetir na vestimenta mostrando ser conhecedor da arte da moda, até no simples penduricalho “plastom” a cair-lhe do pescoço, soçobrava quaisquer corações, fazendo-os apaixonarem-se, um verdadeiro “petiscador de mulherinhas” (Setúbal, p.119- As Maluquices do Imperador). Ardiloso e matreiro aos poucos ganhava altos conceitos na vida social da corte, talvez ate fazendo frente ao grande prestigio do Imperador.

Quando o Imperador quis fazê-lo marquês bateu-lhe de frente o maior vulto da história do ministério imperial: Caldeira Brant, Marquês de Barbacena, pretendendo contornar a oposição, e colocá-lo para organizar um novo ministério com o nome de seu amigo Chalaça.

Isto já era demais extrapolava a sanidade não existindo condições de representar o novo país diante das outras nações. Dona Amélia Beauharnais, Princesa da Baviera, Duquesa de Leuchtenberg, na qual a família tinha ligações com os Bonaparte, segundas núpcias do Imperador, apóia a decisão de Barbacena, pois o feito se concretizado seria um desastre diplomático, e um desastre para o novo Império, ainda se firmando como nação.

Chalaça deste modo foi enviado como diplomata brasileiro para Nápoles. Para seu “desterro” foram providenciadas as maiores regalias para uma boa viagem: bons vinhos, talheres, copos finos além de conceder pensão anual de 25 mil francos, nada mal para quem era bastardo, chegou fugido ao Brasil, perto de ser fuzilado pelo exército francês, quando da invasão de Napoleão em Portugal. Saia coberto de honrarias, de boa colocação, para representar o Brasil na Europa.

PÍCAROS JUSTIFICADOS DA NAÇÃO

Verdadeiros representantes picarescos, formadores das melhores escolas dos escroques atuais, representantes mais perfeitos dos chalaças que circulam em todos os “Paços da República”, buscando a passos largos tornarem-se ministros. Pena faltar hoje um ministério que diga não, antes de tornarem-se rufiões senadores.

NOTAS:

1) A expressão "pícaro de cocina" aparece pela primeira vez documentada no Libro de cocina do catalão Roberto Nola. A primeira versão castelhana desta obra, publicada em Toledo, data supostamente de 1477 (Cf. João PalmaFerreira, Do Pícaro na Literatura Portuguesa, Biblioteca Breve, 1981).


2) "Plastom", precursora da gravata, que função nenhuma tem na vestimenta masculina sendo um acessório descartável, pela sua inutilidade no contemporâneo instante, embora no passado serviu para limpar suor do rosto e a boca após alimentação, e era acessório de utilidade aos mouros invasores da Península Ibérica, embora querem alguns dar o mérito a Luiz XV, da França.


BIBLIOGRAFIA:


DINIZ, André e EDER, Antonio. Chalaça, O Amigo do Imperador. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2006(quadrinhos).

TORERO, Jose Roberto. O Chalaça. São Paulo: Editora Objetiva, 1999.

SETÚBAL, Paulo. As Maluquices do Imperador. São Paulo: Clube do Livro, 1947

SETÚBAL, Paulo. A Marquesa de Santos. São Paulo: Clube do Livro, 1949

MILTON, Heloisa Costa e ESTEVES, Antonio R.(tradução). Lazarilho de Tormes.São Paulo:Editor 34, 2005

BAKTIN, Mikhail. VIEIRA, Yara Frateschi. (tradução). A Cultura Popular Na Idade Media e no Renascimento: O Contexto de François Rabelais. São Paulo: Editor Universidade de Brasília, 1987.


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