quarta-feira, 27 de maio de 2020

O Museu de Arte de São Paulo e a Fundação Armando Alvares Penteado: Idealizações de Sonhos

Museu de Arte de São Paulo- 1ª INAUGURAÇÃO 02 DE OUTUBRO DE 1947

O embaixador Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960, dono dos Diários Associados, que foi o maior conglomerado de mídia da América Latina, que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica. Foi responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurada em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi
Também é conhecido como o cocriador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi com uma coleção particular de pinturas de grandes mestres europeus que foram adquiridas a preços de ocasião na Europa empobrecida do pós-Segunda Guerra Mundial, em aquisições financiadas por empresários brasileiros.
Nos três primeiros anos de atividade, o museu funcionou em uma sala de mil metros quadrados, no segundo andar do Edifício Guilherme Guinle, na rua Sete de Abril, São Paulo, sede dos Diários Associados, que pertencia a Assis Chateaubriand. O Museu de Arte ocupava dois andares, sendo que no primeiro andar ficavam os auditórios, laboratório de fotografia, secretaria e biblioteca e no segundo ficava exposto o acervo permanente.

Inauguração em 1947: Bardi e Chateaubriand

Os primeiros visitantes chegaram para ver a incipiente coleção, ainda com poucas peças, destacando-se o Busto de atleta, de Pablo Picasso e o Autorretrato com barba nascente, de Rembrandt. Duas exposições temporárias também puderam ser vistas: uma com a Série Bíblica de Cândido Portinari e outra com obras de Ernesto de Fiori.

Foto da 1º Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, 1951 – Foto Peter Scheier-Acervo IMS

O fotógrafo Peter Scheier contribuiu de 1945 a 1951 como colaborador dos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, na revista O Cruzeiro. Depois através de Assis Chateaubriand conheceu o diretor do museu Pietro Maria Bardi que, em 1947, chamou-o para ser o fotógrafo oficial do recém-fundado Museu de Arte de São Paulo. Pietro Maria Bardi junto com Assis Chateaubriand, foi responsável pela criação do Museu de Arte de São Paulo sendo seu diretor por 45 anos consecutivos. 
Para o recém inaugurado MASP foi doado 3 milhões de cruzeiros da fazendeira Sinhá Junqueira, de Ribeirão Preto, do cafeicultor Geremia Lunardelli (de quem se dizia ser "o maior plantador de café do mundo") e do industrial Francisco "Baby" Pignatari, que recebia telegramas influenciando-o a adquirir obras do mercado das artes.



Exemplo dessa relação com empresários podemos ver no documento enviado que demonstra a aproximação de Assis Chateaubriand como o empresário Baby Pignatari vinha de longo tempo essa relação de amizade.

Um exemplo das relações de Assis Chateaubriand com o mercado da arte na Europa é demonstrado em carta cabográfica endereçada a Francisco Pignatari, em sua residência na Rua Haddock Lobo:

EM MINHAS MÃOS QUADRO VAN GOGH NOURRICE FASE HOLANDEZA CATÁLOGO COM EXPERTISE SCHOELLE CONSULTE INTERESSA CHATEAUBRIAND RESPONDA URGENTE PANAIR BRASIL PLAZA ATHENEE HOTEL PARIS ABRAÇO-PAULO SOLEDADE

Assis Chateaubriand com seu amigo, marchand e jornalista italiano Pietro Maria Bardi, dava a diretriz dizendo:

“Nós temos que passar como dois hunos sobre a Europa devastada pela guerra comprando quadros. A nobreza e a burguesia europeias estão quebradas, seu Bardi, quebradas! Se corrermos, vamos comprar o que há de melhor entre os séculos XIII e XVII a preço de banana! A firme convicção de que havia tesouros na Europa à espera de quem tivesse dinheiro na mão nascera da observação do cotidiano de franceses e ingleses, um ano antes. Chateaubriand fizera uma viagem de poucos dias à Alemanha, França e Inglaterra e voltara impressionado com o estrago e a penúria produzidos pela Segunda Guerra Mundial”.

Assis Chateaubriand não teve dificuldades para obter do presidente Marechal Eurico Gaspar Dutra autorização para trocar os cruzeiros por dólares: quase 160 mil dólares. Quinze dias depois, em fervilhante festa a rigor no casarão da família Jafet, na avenida Brasil, ele "apresentava à sociedade paulista" o produto das primeiras doações para a galeria do Museu de Arte de São Paulo: dois Tintoretto, um Botticelli, um Murillo, um Francesco Francia e um Magnasco adquiridos em Roma. 

De 1947 a 1953, comprou-se obras a preços baixíssimos, como todos os 73 bronzes de uma série do escultor francês Degas, arrematados por US$ 45 mil. Hoje, apenas uma das peças, a Bailarina, vale dez vezes mais o valor pago na época, além das telas O Escolar, de Van Gogh, e O Conde-Duque de Olivares, de Velázquez, adquiridas por US$ 40 mil cada uma e atualmente avaliadas em US$ 30 milhões. Dentre as cerca de 4 mil obras que compõem o acervo, estão também telas de Renoir, Rafael, Goya, Gauguin, Ticiano, Picasso, Modigliani, Lucas Cranach e Cézanne, entre tantas outras raridades artísticas.

A FAAP e o MASP

A Fundação Armando Alvares Penteado, FAAP, era um sonho de Armando Alvares Penteado, que ele não pode concretizar, pois faleceu em 27 de janeiro de 1947. Seu irmão Silvio Alvares Penteado tornou-se o primeiro presidente e a pedra fundamental foi lançada em 2 de setembro de 1948, no Bairro do Pacaembu, na Rua Alagoas.
José Xavier de Souza, Annie Alvares Penteado, Domício Pacheco e Silva recebem D, Cecília Prado e acompanhante

Em dezembro de 1957 Chateaubriand fez acordo com a FAAP que estava em obras, para transferir a coleção do MASP, desafogando o prédio dos Diários Associados, que além de abrigar os jornais, o prédio era comercial e também guardava a cinemateca brasileira e já havia ocorrido três incêndios. O convênio foi firmado entre Chateaubriand e a presidente da FAAP desde 1956, Annie Alvares Penteado para onde se deslocou o arquiteto Luiz Sadaki Hossaka. Foram transferidos os cursos de formação para professores criado no MASP pelo professor da história da Arte, Flávio Lichtenfelds Motta, que se tornou diretor dos cursos do Instituto de Arte Contemporânea, IAC, iniciado em 1958 e as obras do Masp para a FAAP. Para formar a histórica pinacoteca, Bardi, já naturalizado brasileiro, em janeiro de 1959 voltou a Europa que estava arrasada no pós-guerra para garimpar obras, respaldado pelo prestígio financeiro de Chateaubriand e pelo seu próprio e apuradíssimo faro de expert em arte. O Museu de Arte instalado na FAAP nesse tempo conviveu com um vácuo de poder por 9 meses.
Pietro Maria Bardi, Renato Magalhães Gouvêa e D. Annie Penteado acompanham a visita da  princesa Cecília de Bourbon em 20 de outubro de 1958

Em setembro de 1959 com o fim do convênio entre governo e as duas entidades, as obras voltaram para o prédio dos Diários Associados. A tarefa de desmonte das peças que estavam na FAAP, entre telas, estátuas e outros apetrechos de volta ao prédio dos Associados, na Rua 7 de Abril, número 230, levou 15 dias em transporte de 32 caminhões, acervo que estava avaliado em 25 milhões de dólares. Em 18 de dezembro de 1959 o MASP reabriria suas portas sem pompas cerimoniais.

Por sua vez a Escola de Arte da FAAP receberia seu almejado reconhecimento em 4 de junho de 1962, com o governo estadual considerando a Fundação Armando Alvares Penteado uma entidade de utilidade pública e depois de um ano o curso de Licenciatura em Desenho e Artes Plásticas foi reconhecido pelo Conselho Federal de Educação. Em 1967 a Escola de Arte ganha status de Faculdade de Artes e Comunicações da Fundação Armando Alvares Penteado e extingue-se o Curso de Formação de Professores de Desenho, somando-se nessa estrutura o Museu de Arte Brasileira.

Museu de Arte de São Paulo- A INAUGURAÇÃO DEFINITIVA 08 DE NOVEMBRO DE 1968
Na avenida Paulista, o terreno antes era ocupado pelo belvedere Trianon e que foi demolido em 1951 para dar lugar a um pavilhão, onde fora realizada a primeira Bienal Internacional de São Paulo. O terreno havia sido doado à prefeitura por Joaquim Eugênio de Lima, idealizador e construtor da avenida Paulista, com a condição de que a vista para o centro da cidade fosse preservada, através da avenida Nove de Julho.
Lina Bo Bardi, arquiteta e esposa Pietro Maria Bardi ciente da situação do terreno e das condições impostas pelo doador, considerava o local ideal para a construção da nova sede do museu. Contou seus planos a Edmundo Monteiro, que, por sua vez, decidiu negociar a concessão do terreno com Ademar de Barros.
Edmundo Monteiro já trabalhava com Assis Chateaubriand, sendo diretor-executivo dos Diários Associados e no Museu de Arte de São Paulo tornou-se responsável pela parte administrativa, enquanto Chateaubriand, Pietro Maria Bardi e Lina Bo encarregavam-se do programa museológico e da formação do acervo. Edmundo passou a trabalhar na arrecadação de fundos para aquisição de obras de arte, conquistando outros doadores, além daqueles com os quais o próprio Chateaubriand tratava. 
Ademar era candidato à eleição para a prefeitura de São Paulo. Acertou com Edmundo Monteiro de fazer a sua campanha pelos Diários Associados, de graça, comprometendo-se, caso fosse eleito, a aprovar a concessão do terreno para a construção da nova sede. Eleito, Ademar de Barros manteve o acordo, dando início aos trabalhos.
Lina Bo Bardi projetou em 1958 a atual sede do MASP, preservando a vista exigida para o centro da cidade.  A construção tem seu corpo principal sustentado sobre quatro colunas laterais, e entre elas um vão livre de 74 metros. A inovação foi viabilizada pelo trabalho do engenheiro José Carlos de Figueiredo Ferraz, que aplicou na obra a sua própria patente de concreto protendido.
O edifício, projetado em 1958, levou dez anos para ser concluído. A nova sede do MASP foi inaugurada em 8 de novembro de 1968, na presença do príncipe Filipe e da rainha Elizabeth II, da Inglaterra, a quem coube o discurso de inauguração. Lina Bo coordenou a exposição de abertura, intitulada A mão do povo brasileiro, dedicada à cultura popular do país. 

Deste modo São Paulo ganhava duas entidades de grande reconhecimento no meio das artes: o MASP e a FAAP.



*Crônica sujeita a modificações e acrescimentos que complete informações úteis e ampliação da historiografia.






Ref.
Morais, Fernando, 1946- Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras,1994.


Folha de São Paulo, 09 de novembro de 2009


FERRAZ, Marcelo Carvalho (Org.). Museu de Arte de São Paulo. São Paulo, Instituto Lina BO e P.M. Bardi: Editorial Blau, 1997.

BARDI, Pietro Maria. História do MASP. São Paulo, Instituto Quadrante, 1992

Fundação Armando Alvares Penteado, Memórias Reveladas, 1947-2010

Vide:

Baby Pignatari em Roma: Mecenas do MASP
http://carlosfatorelli27013.blogspot.com/2011/12/baby-pignatari-em-roma-mecenas-do-masp.html

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