O conto do
Vigário: O país do eterno futuro!
Na década
de 1960, todo moleque não estava muito preocupado com as dificuldades que o
Brasil passava, o problema pertencia aos nossos pais, nós nem sabíamos o que
estava acontecendo.
Minha mãe, um belo dia para jogar futebol,
puxou meu braço e falou que íamos para Santo Amaro, lá no Largo 13 de Maio,
buscar feijão que o governo estava racionando. Andamos uns 3 quilômetros, pois
minha mãe não tinha o dinheiro da condução e eram duas passagens, pois eu já
pagava e não tinha “essa moleza” (minha mãe falava assim até ir para o “outro
lado”) de bilhete de viajar por 3 horas e tendo direito de usar o ônibus por 4
vezes.
O caminhão do feijão, que era uma “essência
muito essencial” que trazia “sustança” do povo, pertencia a secretaria de
abastecimento do governo.
Quando chegamos, minha mãe deu-me “200 réis”
(já era cruzeiro, mas ela sempre chamou qualquer dinheiro do Brasil de réis,
independentemente qual fosse) e pegamos uma “baita” fila e era um saquinho de 1
quilo pra cada pessoa, cheguei na carroceria quase nem alcançava o saquinho de
feijão, paguei, e minha mãe logo atrás fez o mesmo e “perna pra quem te quero”
de volta ao Jardim São Luiz com os dois pacotes parecendo um belo troféu.
Nós éramos quase alto suficiente, tínhamos uma
horta, com pés de frutas, verduras e também criação de patos, galinhas e até
porcos, mas algumas coisas tínhamos que comprar nos armazéns, o nosso
“supermercado”!
Então como o feijão que fomos buscar em Santo
Amaro, tínhamos que comprar açúcar, arroz, farinha de mandioca, pois meu pai
nasceu no interior, era meio “italiano acaboclado” e gostava das coisas da
terra, gostava de “pasta”, mas dava a vida por um prato de feijão com farinha e
uma galinha caipira que ele destroncava o pescoço todo fim de semana, sem tirar
da penosa uma gota de sangue que minha mãe limpava como destreza, eu quase digo
que ela fazia aquilo de “olhos fechados”. Eu só aparecia quando a “gororoba”
estava pronta.
Na mesa
falavam de tudo e eu só observava, então meu pai dizia que essa “coisa do
governo do Brasil” não estava indo bem e que um governante que o povo escolheu
“tinha ido embora” porque não conseguia governar porque tinha “forças ocultas”
que não deixavam fazer o que tinha que ser feito no “país do futuro”!
Não entendia o que o velho falava e um dia
perguntei: O que era essa tal de “forças ocultas”? Meu pai não era letrado,
trabalhava como um “burro de carga” (ele mesmo se denominava desse jeito)
estudou só pra saber ler um pouquinho e “male e male” assinava o nome, mas como
ele dizia “tinha que preservar o nome, entrar e sair de cabeça erguida”, ou
seja, ser honesto e o nome dele era quase isso, Ernesto!
Acho que ele também não sabia o que era essa
tal de “forças ocultas”, ele só achava que era uma coisa ruim e tinha gente que
“sacaneava” o Brasil.
Nunca mais
se falou desse negócio até que um dia meu pai chegou esbaforido de tanto
pedalar, pois ia sempre trabalhar de bicicleta para economizar, e disse pra
minha mãe não me deixar sair que o “pau estava comendo” e tinha “forças
armadas” nas ruas.
Fiquei “preso” e só ia para a escola e dela
voltava, sempre meio assustado. Não entendia muito bem, e mesmo adulto nunca
entendi esse negócio de “forças pra cá e pra lá”!
As forças armadas eu vi andando nas ruas, como
meu pai tinha visto antes, mas a tal de “forças ocultas” eu acho que estou
vendo agora neste país de eterno futuro...sem presente!
Seriam essas “forças ocultas” o medo de meus pais e do país?
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