segunda-feira, 26 de maio de 2014

Os Carros de Bois de Santo Amaro/SP e sua Regulamentação

A CIDADE DE SÃO PAULO: LOCAL DE PASSAGEM ANTES DA METRÓPOLE

Há em espaços e tempos históricos uma interação de compromissos entre partes diversas que participam integralmente de um meio e dele subsiste em trocas de informações e valores, independente do local em que são criadas as condições para manterem-se com compromissos firmados por participação de fidelidade entre ambos, ou seja, aquele que produz determinado produto e envia-o para ser adquirido e produzir deste modo a relação comercial.

Logicamente que é sempre necessária uma regulamentação por parte do poder instituído que controla todo um sistema para que haja o mínimo de ordem urbana para evitar abusos das partes envolvidas. São Paulo do século XIX dependia da produção dos seus arrabaldes, onde era mantida toda produção de lavoura de um subúrbio que estava nas imediações da cidade ainda insipiente, um lugar de passagem que somente vai expandir-se com a produção cafeeira.

A cidade era um pequeno núcleo de contatos entre produtores e as “casinhas de comércio” espalhadas pela cidade.  Deste modo os produtos vinham de regiões como, por exemplo, da vila de Santo Amaro, com definições de zona rural e cujos donos eram por posse legítima de uso, e que era grande produtora de madeira e carvão para manter a produção industrial ainda feita ao modelo artesanal e fornecia o combustível para produção de gás que dava a condição para a  iluminação da cidade, além de fornecer alguma produção de lavoura como cebolas, batatas e raízes variadas. Para tudo isso chegar à cidade de São Paulo foram usados os carros de bois, o modelo da época para transporte dos mais variados produtos que se deslocavam pelo Caminho do Carro de Bois que ligava Santo Amaro à São Paulo, em uma distância que era galgada num ritmo lento e sempre seguido por um carreiro experiente que levava sua carga dirigindo seu carro com segurança. Para se entrar na cidade havia uma postura a ser respeitada para que não houvesse atropelos e congestionamentos de carros de boi que entrava nas ruas empoeiradas e precisavam estacionar sem prejudicar o movimento corriqueiro da localidade.

Segue abaixo matéria do jornal Correio Paulistano de 16 de setembro de 1942, com matéria do jornalista Nuto Sant’ Ana.

Carros de bois

Pelos anos de 1852, a cidade de S. Paulo, despovoada e suja modorrava ao sol ou se esfumava encolhida, na garoa tamizada do alto como uma cinza úmida. Negros transitavam de torso nu com tabuleiros de fazendas secas; calcetas, com grilhões pelos tornozelos, mourejavam no eterno conserto das vielas tortuosas e esburacadas; clérigos de batinas negras enxameavam, constituindo uma classe tão saliente como a dos militares: boiadas rumavam para os campos realengos de Ibirapuera; e tropas estardalhantes, encouradas de bruacas barrigudas chegavam de todos os pontos, enchendo a terra de efêmero rumor; depois tocavam para o litoral e para a Côrte – ou regressavam ao hinterland fecundo, em filas ligeiras, seguidas de capatazes mal ajambrados e empoeirados, como ainda hoje se vêm, em surtos de estranhas reminiscências, para os lados conservadores de Itapecerica.

Pelas ruas transitavam então, quase livremente, os carros de bois, carregados de cereais, de lenha, de terra, de pedras, de madeiras para construções. Veículos primitivos, de eixos móveis iam rangendo longamente à tarda andadura dos ruminantes. O carreiro de pés no chão, as calças de algodão trançado e listrado, regaçadas pelas canelas, a camisa entreaberta, o chapéu de couro desabado, trotava à frente dos bois pacíficos, ou aos seus flancos, de vez em quando ferretoando-os com a ponta de ferro das aguilhadas.

Esses, os únicos veículos de meados do século XVIII. Isto é, consta também a existência, por vagas informações de fiscais e cronistas, de uma ou outra sege, entre elas a do bispo d. Mateus, morador semi-secular da rua do Carmo. E só. Não. Havia também os bangüês para as ásperas caminhadas interurbanas. E cadeirinhas românticas, convidando a passeios citadinos, idas a festas e igrejas. Mas, destes meios de transporte particular, eram os animais, primitivamente, os índios e, posteriormente, termiminós reforçados, de bons bíceps e boas pernas, alimentados a feijão com angu e também a milho, do qual, nas longas excursões, levavam grossas espigas dependuradas na cintura.

De tal sorte, porém, cresceu o número de carros, que a Câmara Municipal, por intermédio de um dos seus pares, resolveu regulamentar-lhes o uso com umas posturas, então submetidas ao exame de uma Comissão Especial. O autor do projeto foi o ilustre paulista, homem público e historiador, brigadeiro Machado de Oliveira. E ficou desde logo estabelecido que os carros de boi de Santo Amaro, vindos pela rua da Santa Casa ou pelo Piques, estacionaram nos largos de S. Gonçalo e S. Francisco; os que entravam pelas pontes do Carmo e da Tabatinguera, no largo do Carmo, e pelas do Açu e Constituição, no largo de São Bento. Os procedentes dos lados de Pinheiros, Ó e Sant’Ana, que se destinassem a Freguesia de Santa Ifigênia, podiam, depois de descarregados, estacionar nos largos de Santa Ifigênia, no Tanque Zuniga e no da Consolação.

 Em nenhuma rua, se, exceção deviam conservar-se os carros parados: estes tinham que seguir pelo centro das vias públicas, um atrás do outro, de modo a não embaraçar o trânsito. Nos paradeiros retro designados, colocar-se-iam com igual precaução. E o artigo 9 o especifica ainda que “a carga do carro que se largar à porta do comprador, nas ruas e praças da cidade, ficará de modo que entre ela e a porta haja o intervalo pelo menos de uma braça para o trânsito dos passantes a pé, ficando tão bem no meio da rua o espaço necessário para a passagem de carros e cavaleiros”. Tudo isso tinha que ser rigorosamente cumprido, com pena de multas dos faltosos, que variavam de 500 réis a 2$000 réis, conforme os casos e as reincidências.
Tempos depois destas posturas, estabeleceu-se uma espécie de entreposto de madeiras de construção no largo do Bexiga, exatamente onde há hoje um mictório. Os antigos ainda se lembram dele. Era um barracão retangular, cercado de tábuas, tendo um vão para ventilá-lo entre estas e o teto. O inconveniente dessa abertura é que por ela chovia. E a umidade, não raro, danificava o material em depósito.
Quanto aos carreiros, conduziam lenha que vendiam “às carradas” ou “às mocutas”; verduras e frutas; e também, em um curioso veículo da época, espécie de carroça formada por enorme quartola[1] deitada, água para ser vendida de porta em porta. Custavam 40 réis o barril, em 1865. Puxavam-na muares, em vez de bois, destinando-se estes, propriamente, aos carros, aos quais se atrelavam em cangas, formando uma junta e, não raro, conforme o peso da carga, diversas delas.
Isso tudo, porém, ficou para trás, na sombra evocativa de outras idades.

Vocabulário:
aguilhar: Estar alerta; ter os olhos abertos.
Ajambrar: Dar jeito em, pôr em ordem; ajeitar; arrumar . Vestimenta apropriada para certas  ocasiões, adornado, paramentado.
braça:  (latim bracchia, -orum, plural de bracchium, braço) Medida de duas varas (uma vara 1,10 m) ou 2,20 metros.
bruaca: Meretriz.
calceta:  Grilheta, Pena de trabalhos forçados, O condenado a trabalhos forçados.
Hinterland: (termo alemão) significa a “terra de trás”, de uma cidade ou porto. Significa também à parte menos desenvolvida de um país, menos dotada de infra-estrutura e menos densamente povoada. Corresponde a uma área geográfica conectada por uma rede de transportes, através da qual recebe e envia mercadorias ou passageiros (do porto ou para o porto). O termo pode ser aplicado à área que circunda um centro de comércio ou serviços e da qual provêm os clientes.
mocuta: feixe de lenha amarado do cipó que lhe dá o nome, transportado no costado das mulas ou em carroças.
modorra: (espanhol modorra).Vontade irresistível de dormir, sonolência.  Indolência, apatia.
tamisar : Passar pelo tamis, Depurar; joeirar.
Temiminó: é um termo tupi que significa "descendente". Era um povo inimigo tradicional dos seus vizinhos tupinambás na baía de Guanabara, possuindo traços culturais  em comum com os tupinambás e com outras tribos tupis, tais como a língua, crenças, e costumes, além da agricultura  de subsistência baseada nas queimadas.




[1]
MEDIDAS DE VOLUME DE LÍQUIDOS
Quartola = CARTOLA:Casco pequeno correspondente aprox. a meia pipa.
Pipa:Unidade de volume de líquidos correspondente a 25 almudes.
Almude:Equivale a 12 canadas ou 48 quartilhos; 24 litros(variava segundo as localidades.)
Canada:espanhol cañada, medida de vinhoAntiga medida igual a 4 quartilhos, ou aproximadamente 2 litros.
Quartilho: 1/4 da canada. Porção correspondente a meio litro.

domingo, 18 de maio de 2014

O PORTO GERAL DA RUA VINTE E CINCO DE MARÇO DE MUITOS AMORES/SP

Pólo diferenciado de relações comerciais de São Paulo

A Rua Vinte e Cinco de Março está localizada no centro da cidade de São Paulo, próxima ao Mercado Municipal de São Paulo com acesso pela Estação de metrô São Bento atingindo-a pela Rua Florêncio de Abreu. Pode ser referência também indo pelo Pátio do Colégio seguindo a Rua Boa Vista, a parte alta da cidade, descendo a Rua Porto Geral atingindo o local de compras mais famoso de São Paulo, visitada diariamente como um dos maiores centros comerciais, além de ponto turístico da capital paulista.

Como a Rua Vinte e Cinco de Março, São Paulo, ganhou sua fama ao longo do tempo?
A Rua Vinte e Cinco de Março é uma homenagem da Câmara Municipal de São Paulo e pelo Poder Executivo, lembrando a data do juramento da primeira Constituição do Brasil independente, promulgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824.
A origem da Rua Vinte e Cinco de Março remonta ao século 18, quando era conhecida como “Beco das Sete Voltas”, em referência às várias curvas sinuosas do rio Tamanduateí. A Rua Vinte e Cinco de Março já foi conhecida pelo nome de “Rua Várzea do Glicério”, além de “Rua das Sete Voltas”, ou também como Rua de Baixo, ou de Baixa de São Bento, em referência a igreja na parte alta da cidade e pela localização abaixo do Mosteiro São Bento, dividindo a cidade em duas partes; Alta e Baixa.

Leito para retificação do Rio Tamanduateí, na Várzea do Carmo, atual Parque Dom Pedro II. 1890.

A Rua Vinte e Cinco de Março, antes de se tornar rua, era a várzea do leito do Rio Tamanduateí, de extrema importância no final do século 19 e início do século 20, que corria no local traçado pelas suas águas navegáveis, recebendo como afluente o Rio Anhangabaú e que depois seguia em direção ao Rio Tietê, rio este que corre para o interior do Brasil ao encontro do Rio Paraná.
Em 1865, a Rua de Baixo passou a chamar-se Rua Vinte e Cinco de Março e isso desde a atual Rua Carlos de Souza Nazaré, limítrofe de um dos lados onde estava o primeiro mercado de gêneros denominado de Praça do Mercado esquina da atual Praça Fernando Costa, e desse ponto em diante até a ladeira do Carmo, hoje, Avenida Rangel Pestana.
Neste mercado (que não tem referência alguma com o atual Mercado Municipal de São Paulo da Rua Cantareira, inclusive de localidade) eram vendidos frutas, verduras, legumes e outros produtos agrícolas produzidos por agricultores que atracavam suas embarcações, que vinham de outros vilarejos e chegavam através do porto que ficava no rio Tamanduateí, numa de suas curvas, bem perto da “Ladeira do Beco das Barbas”, que depois passou a chamar-se “Ladeira Porto Geral”, por estar perto de onde ficava o antigo porto do rio Tamanduateí. A Ladeira Porto Geral foi anteriormente conhecida por “Ladeira do Tamanduateí”. O “Porto” que batizou a atual Ladeira Porto Geral se localizava na sétima e última volta do rio Tamanduateí, aonde também chegavam mercadorias importadas à cidade de São Paulo de navio através do porto de Santos, subindo depois a Serra do Mar através de carroças e mais tarde por ferrovia, pela construção, em 1867, da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí e que alcançavam a região do Ipiranga. De lá, eram levadas pelo Rio Tamanduateí até o porto para barcas, o chamado Porto Geral, nome desta conhecida ladeira íngreme, travessa da Rua Vinte e Cinco de Março. Estas profundas transformações econômicas e sociais foram decorrentes da expansão da lavoura cafeeira em várias regiões paulistas e do afluxo de imigrantes europeus e ampliação circulação de mercadorias provindas da Europa.

A grande enchente que marcou a região foi registrada no dia 1º de janeiro de 1850, através de um temporal que alagou às margens dos Rios Tamanduateí e Anhangabaú. Das 27 casas destruídas, 14 casas eram de taipas de pilão, construção de barro socado, típica da cidade e que não possuíam resistência suficiente para suportar muita água em suas paredes de barro.

Por causa destas inundações, umas maiores outra menores, o local foi remodelado no tempo do governo de João Teodoro, entre 1873 a 1875.  A área da Várzea do Carmo foi drenada e surgiram as primeiras chácaras na região e uma ilha urbanizada como uma praça foi então criada em 1874 com o nome de Ilha dos Amores, localizava-se nas margens do Rio Tamanduateí  que estava nas imediações da Rua Vinte e Cinco de Março, na Várzea do Carmo, que depois de aterrada tornou-se parte do Parque Dom Pedro II. Era uma várzea constantemente inundável, principalmente em épocas de cheias por causa das chuvas de verão. Depois desta grande enchente houve mudança no fluxo do rio e mais tarde optou-se pela canalização e retificação do mesmo, sendo a área toda drenada, sumindo, deste modo, as curvas do Rio Tamanduateí e a Ilha dos Amores, sendo, no início do século 20, construída outras condições de engenharia nas edificações para o local, com transformações urbanísticas que modificaram a região da várzea do Rio Tamanduateí.

Fragmento do Mapa da Várzea do Tamanduateí: Francisco de Albuquerque e Jules Martin, julho 1877

TAMANDUATEI  planta de Affonso A. de Freitas, destacando intervenções sobre o trecho do Rio Tamanduateí no século XIX   retificado no ano de 1848 e de 1896 a 1914


Muitos libaneses, sírios e outros povos árabes decidiram sonhar com uma vida melhor, buscando fixar-se na América. A principal fonte de descontentamento era o domínio turco-otomano que se expandia em constante conflito belicoso. A imigração libanesa ocorreu por gerações que vieram ao Brasil em busca de um lugar para trabalharem livremente. Com as grandes enchentes do Rio Tamanduateí, muitos comerciantes vendiam suas mercadorias muito abaixo do preço para não arcarem com grandes prejuízos. Essa prática foi o marco para que a região da Rua Vinte e Cinco de Março fosse conhecida como um pólo comercial de alta rotatividade e pólo diferenciado de baixo custo e de boa qualidade.

Registros históricos indicam que a primeira loja aberta no local foi a Nami Jafet & Irmãos, em 1893 que nesta época constava apenas com seis lojas: cinco armarinhos e uma mercearia. Oito anos depois, em 1901, já eram mais de 500 pequenas lojas. Nasciam, assim, duas tradições: a de imigrantes libaneses se estabelecerem na Rua Vinte e Cinco de Março e a de fornecerem mercadorias para seus compatriotas recém-chegados a São Paulo mascatearem em bairros distantes da capital paulista. Deste modo o comércio na Rua Vinte e Cinco de Março prosperou rapidamente.

Os primeiros produtos importados na Rua Vinte e Cinco de Março eram porcelanas japonesas e chinesas, cutelaria alemã, rendas suíças e francesas, casimira inglesa e outras variedades. Os sírio-libaneses eram na época, a maioria dos comerciantes da região.

Embora São Paulo fosse local de trânsito de pessoas, sofreu crescimento vertiginoso na virada do século 19, sendo que em 1895, São Paulo tinha uma população presumível de 130 mil habitantes, dos quais 71 mil eram estrangeiros, chegando a 239.820 em 1900, quase o dobro em cinco anos apenas.

Depois da Revolução de 1930, a indústria nacional consolidou-se como produtora de consumo e os produtos nacionais passaram a dominar as prateleiras das lojas da Rua Vinte e Cinco de Março. Vestuário e armarinho eram os principais produtos, vendidos no atacado e varejo.

Hoje o rio Tamanduateí está canalizado e todo retilíneo, preso a uma armadura de concreto e suas curvas sumiram, e, o rio que era bem próximo ao local da Rua Vinte e Cinco de Março está hoje mais distante e as atividades portuárias que haviam, foram substituídas por um mercado muito ativo e constante da região, mas feito pela relação de oferta e procura entre os comerciantes e os “fregueses” na rua de maior afluência de comércio do Brasil. Os povos de etnia árabe dominaram boa parte do comércio nessa região até os anos de 1980, quando ganharam a companhia de outras etnias, com a chegada dos asiáticos, mais precisamente coreanos e chineses.

Endereço visitado por paulistanos e turistas de todo o Brasil, a Rua Vinte e Cinco de Março atualmente concentra uma variedade de comércio que atinge todos os públicos e idades desde produtos gerais de tecidos, bijuterias, acrescido de vários produtos eletrônicos. Os produtos importados, que representavam praticamente todas as mercadorias no final do século 19, ao início do século 20, ainda são marcas registradas no comércio da Rua Vinte e Cinco de Março do século 21.

Vide também:
O pedestal “Marco Zero” de Santo Amaro e a Ilha dos Amores da Rua 25 de Março, em São Paulo.


Bibliografia
BRUNO, Ernani da Silva - Tradições e Reminiscências da Cidade de São Paulo. São Paulo, Hucitec/SMC, 3 vol., 1984.

FAUSTO, Bóris - Trabalho urbano e conflito social (1890 -1920). Rio de Janeiro, Difel, 1977.

MILLIET, Sérgio - Roteiro do Café e outros ensaios. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo, 1941 (Coleção Departamento de Cultura, v.25).

MORSE, Richard - De Comunidade à Metrópole. São Paulo, Comissão do IV Centenário da fundação de São Paulo, 1954.

PORTO, Antônio Rodrigues - História Urbanística da Cidade de São Paulo (1554-1988). São Paulo, Ed. Carthago & Forte, 1992.

SÃO PAULO (CIDADE) - São Paulo: Crise e Mudança. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo /Editora Brasiliense, 2ª edição, s/d.

OLIVEIRA, Lineu Francisco de. Mascates e Sacoleiros. São Paulo: Scortecci Editora

Publicações: Revista do Arquivo Municipal - Série História de Bairros


segunda-feira, 12 de maio de 2014

Diretrizes de Tombamento na Cidade de São Paulo

Patrimônio Arqueológico, Cultural e Histórico

O termo patrimônio refere-se à preservação de um bem, móvel (que pode ser movido com facilidade num espaço determinado), imóvel (que não pode ser movido, como no caso de um edifício) ou natural (como por exemplo, um parque) e que tenha alguma representatividade para a sociedade, um significado que possa garantir sua permanência para as futuras gerações. O patrimônio histórico, o cultural e o artístico são fontes de pesquisa e deste modo possuem valores cientifico, documental, artístico, social, estético, ecológico e de cunho até religioso.
As esferas que protegem e regem as regras e de restauração de determinado patrimônio podem originar de quatro esferas distintas, a saber:

Patrimônios Mundiais da Humanidade, através da Organização das Nações Unidas para a Cultura, Ciência e Educação (UNESCO) é responsável pela definição das regras e proteção do patrimônio histórico e cultural da humanidade.

Patrimônios Nacionais, através do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), é o instituto brasileiro que tem a competência de gestão, proteção e preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil.

Patrimônios Estaduais, através do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT), subordinada à Secretaria da Cultura.  

Patrimônios Municipais, em São Paulo ocorre através do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp).

Um patrimônio imóvel recebe um certificado de tombamento e através deste documento não pode ser demolido nem sofrer alterações em suas características originais sem análise do órgão competente que pode aprovar ou não as intervenções requeridas.. As áreas ao redor são denominadas “áreas envoltórias” e podem estar sobre influência do bem tombado e são regidas por leis de preservação e conservação.
O tombamento pode ser requerido por qualquer cidadão ou instituição que por ventura possa se interessar em algo que tenha significação com determinado local. O Instituto Jurídico de Tombamento Está previsto pela Constituição Federal em seu artigo 216, parágrafo 1º como forma de proteção do patrimônio cultural brasileiro, tanto de natureza material e imaterial. O citado artigo determina que:

Art. 216. Constitui patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência de identidade, à ação. À memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:

I- as formas de expressão;

II- os modos de criar, fazer e viver;

III- as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV- as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico - culturais;

V- os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Parágrafo 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.
  
Parágrafo 2º - Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão de documentação governamental e as providências para franquear sua consulta quantos dela necessitem.

Parágrafo 3º - A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

Parágrafo 4º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.

Parágrafo 5º - Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências dos antigos quilombos.

Abertura de Processo de Tombamento

Na Cidade de São Paulo a abertura de um processo de Tombamento dá-se através de promulgação de uma resolução de abertura de tombamento, sendo que deve ser individual para cada bem a ser tombado conforme Lei Municipal nº 10032, de 27 de dezembro de 1985, com alteração pela Lei Municipal nº 10236, de 16 de dezembro de 1986. Neste período o bem que se requer o tombamento ficará sobre proteção do Conpresp que avalia através de técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico, DPH. As resoluções seguem alguns critérios de analise como:

1-Abertura de Processo de Tombamento-APT

2-Tombamento-T

3-Tombamento Ex officio-TEO

4-Regulamentação de área Envoltória-ERA

Resoluções que retificam, ratificam, ou se restringem a procedimentos administrativos destinados a normalização do bem.
Todo esse processo que definem a resolução do bem tombado deve ser publicado no Diário Oficial do Município, sendo o tombamento lavrado em livro de Tombo, além da homologação pelo Secretário de Cultura, dando efeito legal ao bem tombado.

A Propriedade e o Proprietário

O exercício do direito de preferência do Poder Público quanto da disposição do bem pelo proprietário:
Se o Poder Público não vir a adquirir o bem, o ônus real acompanha o referido bem, uma vez que seu ato administrativo é averbado junto ao registro imobiliária do imóvel. Alem disso o proprietário tem o dever de reparar e conservar o bem, ao seu próprio dispêndio e se não puder arcar com os custos ou for omisso, deve delegar autorização ao Poder Público para que esta faça as obras necessárias de forma a manter conservado o patrimônio. Se o proprietário não venha a cumprir as obrigações de conservação do patrimônio sob sua guarda, poderá ser responsabilizado caso ocorra destruição, inutilização ou deterioração da coisa tombada de acordo com o artigo 165 do Código Penal.

Da Competência de Legislar

O Tombamento de imóveis está contido especificamente no Direito Urbanístico, pois recai na condição de modificação e/ou preservação de paisagens inseridas na cidade.
(Mukai, Toshio. Direito e Legislação Urbanística do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988)

De acordo com a Constituição Federal, em seu artigo 24, I, todas as esferas de governo ( União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) podem legislar sobre seu patrimônio.
Especificamente na cidade de São Paulo o órgão responsável é o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, Conpresp, conforme Lei Municipal nº 10032, de 27 de dezembro de 1985, com alteração pela Lei Municipal nº 10236, de 16 de dezembro de 1986, e artigo 2º :

I- Deliberar sobre o tombamento de bens móveis e imóveis de valor reconhecido para a Cidade de São Paulo.

II- Comunicar o tombamento de bens ao oficial do respectivo cartório de registros para realização dos competentes assentamentos, bem com aos órgãos estadual e federal de tombamento.

III- Formular diretrizes a serem obedecidas na política de preservação e valorização dos bens culturais.

IV- Promover e preservação e valorização da paisagem, ambientes e espaços ecológicos importantes para a manutenção da qualidade ambiental e garantia da memória física e ecológica, mediante a utilização dos instrumentos legais existentes, a exemplo  de instituição de áreas de proteção ambiental, estações ecológicas e outros.

V- Definir a área de entorno do bem tombado a ser controlado por sistemas de ordenações espaciais adequadas.

VI- Quando necessário, opinar sobre planos, projetos e propostas de qualquer espécie referentes à preservação de bens culturais e naturais.

VII- Promover a estratégia de fiscalização da preservação e do uso dos bens tombados.

VIII- Adotar as medidas previstas nesta lei, necessárias a que se produzam os efeitos de tombamento.

IX- Em caso de excepcional necessidade, deliberar sobre as propostas de revisão do processo de tombamento.

X- Manter permanente contato com organismos públicos e privados, nacionais e internacionais, visando a obtenção de recursos, cooperação técnica e cultural para planejamento das etapas de preservação e revitalização dos bens culturais e naturais do Município.

XI- Quando necessário e em nível de complexidade, manifestar-se sobre projetos, planos e propostas de construção, conservação, reparação, restauração e demolição, bem como sobre os pedidos de licença para funcionamento de atividades comerciais ou prestadoras de serviços em imóveis situados em local definido como área de preservação de bens culturais e naturais, ouvido o órgão municipal expedidor da respectiva licença.

XII- Pleitear benefícios aos proprietários de bens tombados.

XIII- Arbitrar e aplicar as sanções previstas nessa lei.

Das Reformas e Reparações

Conforme a lei municipal vigente, em seu artigo 2º, a realização de pintura, restauração, reparação ou quaisquer alterações que possam advir no bem tombado, somente poderá ser realizada mediante prévia autorização do órgão de apoio do Conpresp, sendo este o órgão competente que deverá acompanhar a execução dos trabalhos.

O tombamento do bem somente se consolida a partir da decisão do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, Conpresp, quando houver a resolução publicada no Diário Oficial do Município, abrindo-se o prazo de quinze dias para qualquer pessoa, seja física ou jurídica, contestar, conforme o artigo 15, da Lei Municipal nº 10032, de 27 de dezembro de 1985, do denominado Sistema de Preservação. Após isto será mantido o tombamento pela resolução homologada pelo prefeito do Município e registrado à inscrição no Livro de Tombo.