“Um modelo eternizado
de 'apoderamento' de território no Brasil”
A INDÚSTRIA DO CARVÃO VEGETAL
Iniciada a queima, é necessário dirigir sua preparação. O carvoeiro abre uma série de buracos na terra, os quais, condutores de oxigênio para o interior da “cayeira”, puxam o fogo do centro para a periferia. Daí por diante é só abrir novos buracos em círculos, mais acima, e o fogo irá subindo gradualmente, obedecendo ao chamado dos orifícios até atingir o alto da carvoeira, onde se encontra o “suspiro” principal.
SILVA, João Luiz Máximo da. Cozinha Modelo: O Impacto do Gás e da Eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930)São Paulo: Edusp
PINHEIRO, Joaquim Gil. Memórias de MBoy. São Paulo: Empreza Graphica Moderna, 1911
A INDÚSTRIA DO CARVÃO VEGETAL
Ao redor das
grandes cidades, numa verdadeira cinta
envolvendo, instalaram-se industrias urbanas subsidiarias, fornecedoras de
produtos de consumo forçado pelos habitantes da metrópole. Formam-se pequenas
chácaras, que industrializam, hortícola, granjas modelos, cuja produção de
leite encontra rápido consumo, granjas avícolas, que abastecem a população de
ovos e frangos, etc.
Uma das manifestações
mais típicas dessa atividade acessória das grandes cidades é a que se refere a
indústria do carvão vegetal. Nos lugares em que o gás é caro ou a eletricidade
não chega para uso franco do povo, o problema do combustível é resolvido pela
lenha e pelo carvão. Pode-se dizer que nas cidades do interior a lenha é o combustível
comum; mas nos grandes centros, é necessário recorrer ao uso do carvão vegetal,
que apresenta uma série de vantagens, a principal das quais está no preço.
Assim ao redor do
aglomerado urbano, população de trabalhadores, disseminadas, em pequenos
núcleos pelas matas, vivem do mistér de fazer carvão. Em São Paulo em todas as
direções, particularmente na zona sul, sucedem-se as carvoeiras (ou “cayeiras”,
no dizer dos trabalhadores) que aos poucos vão desbastando as matas que por ali
ainda existem.
A reportagem do
“Estado” teve ocasião, durante os últimos feriados, de percorrer a extensa
região que vais de Santo Amaro até a estação de Engenheiro Marsillac, a linha
Mayrink-Santos.Afora algumas plantações de batatinhas, milho e feijão, feitas
por japoneses, o restante se resume numa só atividade: fabricar carvão.
O automóvel encontra,
aguardando transporte à margem da estrada, pilhas enorme de sacos de carvão, os
quais ali permanecem sem vigilância alguma, tal a organização de que se reveste
a indústria nas suas diversas articulações.
O primeiro trabalho do
carvoeiro é roçar o mato, esperando que ele comece a secar. O fogo- inseparável
da técnica agrícola dos brasileiros- lavra depois com intensidade, eliminando a
“tranqueira” [1], e
deixando os troncos livres para serem picados. O carvoeiro leva então a madeira
para o lugar a “cayeira”, que deve ser plano, e vai amontoando os troncos,
todos de pé dos mais grossos aos mais finos, ao redor de uma espécie tubo,
formado por quatro espeques[2]
trançados com cipó, o qual age com se fosse uma chaminé.
Terminado o trabalho do
empilhamento da lenha, em forma circular, o carvoeiro envolve-a de sapé,
cobrindo-a em seguida de terra, tendo antes o cuidado de deixar aberto, bem no
cume da carvoeira, o “suspiro” central que, protegido pelos espeques, desce até
o solo. É por sli que o carvoeiro deita fogo e é por ali que ele “dá de comer à
cayeira”. Esta operação consiste em atear fogo na base da carvoeira, cobrindo
depois as primeiras brasas co um saco de gravetos. O fogo deve ser sustentado
nos primeiros dias com os gravetos e a esta operação é que os trabalhadores
chamam “ dar de comer”.
Iniciada a queima, é necessário dirigir sua preparação. O carvoeiro abre uma série de buracos na terra, os quais, condutores de oxigênio para o interior da “cayeira”, puxam o fogo do centro para a periferia. Daí por diante é só abrir novos buracos em círculos, mais acima, e o fogo irá subindo gradualmente, obedecendo ao chamado dos orifícios até atingir o alto da carvoeira, onde se encontra o “suspiro” principal.
Geralmente, o carvoeiro
não aguarda o sufocamento do fogo, abrindo a “cayeira” ainda acessa. O carvão é
revolvido com rastelos e pás no meio da terra (polvorinho), e algum mais
rebelde é apagado com água. Imediatamente é ensacado e logo que o número de
sacos é razoável, um cargueiro de burros transportá-os a beira da estrada onde
o caminhão de São Paulo vai buscá-los.
Cada carvoeira dá em
média 80 a 90 sacos, mas algumas chegam a produzir 150 a 200 sacos. Um metro de
lenha de bom mato rende, ordinariamente, 4 sacos, sendo a madeira cotada a 4 e 4$500[3]
o metro.
Por sua vez, o carvão é
vendido a 4$ e 4$500 o saco, de onde (há) uma boa margem de lucro para o
trabalhador.
Como sempre, porém, o intermediário é quem mais lucra: adquirindo o carvão a esse preço, ele faz o transporte para São Paulo, procede ao reensaque (sacos menores) e finalmente o distribui a 7$ e 7$500, exigindo ainda o saco de volta.
Como sempre, porém, o intermediário é quem mais lucra: adquirindo o carvão a esse preço, ele faz o transporte para São Paulo, procede ao reensaque (sacos menores) e finalmente o distribui a 7$ e 7$500, exigindo ainda o saco de volta.
A vida do trabalhador é
a mais precária possível: obrigado a viver no meio do mato -pois onde se
instala a carvoeira logo se abre uma chaga na floresta- ele não pode fixar-se
ao solo senão pela casa, ou melhor, pelo casebre fácil de ser abandonado, coberto
de sapé ou de folhas de saricanga, construído de troncos de palmito ou de pau a
pique, numa promiscuidade com os filhos que faz pena.
Típica habitação do carvoeiro
Curiosidades: Como
os autóctones viam este modelo e o denominavam (tupi guarani)
CAIÇARA:
cai=queimada+çara=quem
executa. Expressão dos íncolas do Brasil traduzindo a revolta por quem praticava
ato contra a floresta, templo sagrado da tradição e de onde se extraia as matérias úteis, tacapes, arco, flechas ,maracás, raízes, frutos, enfeites, caça.
CAAPORA:
morador (porá)+caa(mata) que derivou o termo caipira, ou morador do mato
CAAPUERA: tupi kó puéra, o que já foi roça, o mesmo que capoeira.
Matéria: O ESTADO DE
SÃO PAULO, 09 DE NOVEMBRO DE 1939.
SILVA, João Luiz Máximo da. Cozinha Modelo: O Impacto do Gás e da Eletricidade na Casa Paulistana (1870-1930)São Paulo: Edusp
PINHEIRO, Joaquim Gil. Memórias de MBoy. São Paulo: Empreza Graphica Moderna, 1911
[1]
Galhos com ramagem sem nenhum valor comercial
[2]
Peça de madeira com que se escora alguma coisa, esteio.
[3]
Réis, sistema monetário do Brasil circulante até 1942. O Decreto-lei nº 4.791, de 05 de outubro de 1942 (Diário
Oficial da União de 06 de outubro de 1942), instituiu o CRUZEIRO como modelo de
unidade monetária brasileira, com equivalência a um mil-réis. [Rs 1$000 (1
mil-réis) = Cr$ 1,00(cruzeiro)]
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