sábado, 19 de novembro de 2011

Baby Pignatari, Getúlio Vargas[1] e a Companhia Brasileira do Cobre: Matéria prima vital (1944)

"A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”- Karl Marx

Exmo. Snr. Dr. Getúlio Vargas
DD. Presidente da República

Com o presente temos a honra de passar às mãos de Vossa Excelência o incluso memorial da Companhia Brasileira do Cobre, que contem um apelo para que a Interventoria Federal no Estado do Rio Grande do Sul seja, junto do patriótico governo de Vossa Excelência, o intermediário das justas aspirações daquela Companhia.

Depois de havermos lido, com maior atenção, o memorial referido e após termos tido vários entendimentos verbais com alguns Diretores da mencionada Sociedade, pé com maior satisfação que atendemos ao seu apelo, pois que as razões que nos foram dadas nos convenceram, realmente, de que a pretensão da Companhia Brasileira do Cobre[2] atende, integralmente, aos mais elevados interesses nacionais e se identifica com os alevantados propósitos que, para o bem do Brasil, têm norteado o esclarecido governo de Vossa Excelência.
Permita-nos, Senhor Presidente, resumir, em rápido escorço, o que pretende a  Companhia Brasileira do Cobre.

Essa Companhia que conta entre os seus maiores acionistas com o próprio Governo do Estado do Rio Grande do Sul, vem, com ininterrupto esforço e à custa de naturais e ingentes sacrifícios, cumprindo o programa a que se impôs, de aproveitamento das riquezas minerais de nosso País, especialmente das que se refere ao cobre, sem contestação possível, ocupa o primeiro plano entre as matérias primas de maior importância para a indústria moderna e, sobretudo, para o aparelhamento bélico do Brasil.

Na consecução desse programa, a Companhia Brasileira do Cobre já pôs em franca produção as minas de Camaquã e Seival, neste Estado e cuja produtividade, bem como a de outras minas ainda em estudo, está procurando elevar a um nível capaz de satisfazer as necessidades mais presentes de nossa Pátria, emancipando também, neste setor, da nociva dependência industrial em que até pouco tempo viveu.
Ora, Senhor Presidente, não há como se negar que, entre os fatores que tornaram possível àquela Companhia vencer as sérias e inumeráveis dificuldades iniciais, avultam as que decorrem desta hora de provações universais e que tem forçado nosso País, orientado pela sábia visão de Vossa Excelência, a procurar, o quanto possível, bastar-se a si mesmo e, além disso, levar um contingente mais eficaz em seu auxilio e em cooperação às nações que, no mundo, se batem pela cauãs da liberdade.

Afirma-se, portanto, com a força incontrastável das evidências, uma grande e séria lição: faz-se mister aproveitemo-nos definitivamente de todos os esforços e de todos os sacrifícios da hora presente para que, no momento da reconstrução universal, no mundo de pós guerra, nós encontremos aparelhados para manter todas as nossas conquistas econômicas, sobretudo as que se referem ao mercado interno e as que dizem respeito à implantação e ao desenvolvimento das nossas industrias básicas.
País que até pouco viveu na absoluta dependência de uma matéria prima estratégica e essencial como o cobre, o Brasil precisa, iniludivelmente, acautelar-se contra a concorrência que as indústrias dos outros países farão às indígenas, com o risco de as sufocar, tornando inúteis e improfícuos os sacrifícios que a sua criação custou.

Releve-nos, Senhor Presidente, lembrar-lhe -pois que o carinho e cuidado que lhe é merecido todos os problemas pátrios tornem impertinentes e desnecessárias quaisquer sugestões- que se apresenta agora uma magnífica oportunidade para um passo decisivo na definitiva orientação da indústria do cobre em nosso País. Pelo decreto-lei n. 5751[3], de 16 de agosto do ano passado, Governo Federal autorizou a venda, em concorrência pública, de 21.900 ações e 4.812 partes beneficiárias da Pireli S/A[4], com sede em São Paulo, ações e partes beneficiárias essas que pertenciam a súditos do eixo[5].
Sendo essa Companhia um dos maiores consumidores, no Brasil, de cobre, que é matéria prima indispensável à sua indústria, daí decorrem, sem dúvida, duas conseqüências. A primeira é que a Companhia Brasileira do Cobre e seu complexo lógico e natural seria a Pireli S/A, pois que, assim, teria aquela, nessa, um consumidor certo de sua produção, pondo-a ao abrigo da concorrência estrangeira na disputa do mercado interno brasileiro, ao nosso tempo em que teria, no consumo certo de seu produto, campo propício, para o seu desenvolvimento e sua expansão. A segunda é que o Brasil só poderá lucrar com a articulação das duas indústrias, que se transformarão em uma organização modelar, cujas atividades, partindo da extração do minério, irão até a entrega ao consumidor dos produtos industrializados, com exclusão dos intermediários e conseqüente barateamento dos preços.

Além disso, como muito bem notou aquela Companhia, em seu memorial, há um aspecto que deve ser considerado e que sobrepuja os interesses individuais: o sentido nacional da solução dessa questão.
De fato, a concorrência pública, com o critério da oferta mais alta, poderá fazer com que as ações da Pireli S/A venham a cair em mãos de quem, mais tarde, talvez imprima àquela Companhia uma orientação tendente ao aproveitamento exclusivo de matérias primas estrangeiras, com evidente e enorme dano para a economia nacional, que será prejudicada de duas maneiras: pela evasão do ouro decorrente da aqusição de tais matérias primas e pelo entravo ou mesmo sufocação de uma indústria extrativa que está aproveitando riquezas nacionais.

Nem há que se falar na volta ao regime de dependência a outras nações,  com regressão lamentável no caminho que, com ingentes sacrifícios, estamos trilhando para a completa emancipação de nossas industrias básicas
Acresço ainda que a gravíssima hora mundial que estamos vivendo aconselha a que outros critérios presidem à escolha daqueles que devem orientar as indústrias que, como a de produtos manufaturados de cobre, tão, intimamente se acham ligadas à produção bélica do País e tão alto contingente representam para a defesa nacional.

Assim, pois, sobre o imediatismo de uma oferta melhor  - que mais tarde poderá ser grandemente danosa para a economia nacional – devem prevalecer outros e mais importantes requisitos.
Desde que a venda daquelas ações se faça por seu justo e real valor - a escolha deverá recair naquele que mais convenha, no presente como no futuro, à defesa, à economia e à autonomia brasileira.

Sob esse ponto de vista ninguém, realmente, poderá apresentar melhores títulos para, evitando os riscos de leilão de melhor oferta, pleitear a aquisição das ações da Pireli S/A, que a Companhia Brasileira do Cobre.

Dificilmente outro qualquer concorrente poderá apresentar requisitos que mais respondem aos princípios que acima expusemos:

a)      –É ela concessionária e mantém em lavra as únicas jazidas de cobre economicamente exploráveis até agora conhecidas no território nacional;

b)      – É uma Companhia cem por cento brasileira;

c)      – Tem como um dos seus maiores acionistas o Estado do Rio Grande do Sul o que assegura  a fiscalização direta do poder público e garante, a todo momento, uma orientação inteiramente nacional às suas atividades;

d)     – Pelos trabalhos feitos até agora, tem demonstrado o acerto e a eficiência de sua orientação;

e)      – É a única produtora, no território nacional, da matéria prima, (cobre) que a Pireli S/A consome em maior quantidade;

f)       – Formaria com a Pireli S/A uma organização que completaria todo o ciclo de produção, indo da extração do minério até a entrega do produto industrializado ao consumidor.

É, pois, Senhor Presidente, que, conscientes de estarmos prestando relevante serviço a indústria e a economia nacionais e de estarmos servindo aos altos interesses do Brasil, que fazemos nosso apelo da Companhia Brasileira do Cobre e nos permitimos levar esse apelo até Vossa Excelência para que, modificando-se a forma de alienação adotada pelo mencionado decreto-lei 5.751, se decrete seja a venda das ações e partes beneficiárias da Pireli S/A feita, independentemente de concorrência pública, à  Companhia Brasileira do Cobre, mediante prévia  avaliação e pelo valor nela apurado.
A indústria nacional, o Estado do Rio Grande do Sul E O Brasil receberão, dessa forma, do sábio governo de Vossa Excelência, com o imprescindível apoio a uma medida inteiramente oportuna, mais um grande serviço para a sua grandeza e seu progresso.







[1] Em 1942, foi convidado para uma conversa com Getúlio Vargas, que lhe ofereceu participação na recém-criada Companhia Brasileira de Cobre, para explorar as minas de Caçapava do Sul. Baby aceitou, depositou o valor correspondente à sua parte e tornou e seria, dali para frente, o rei do cobre no Brasil. http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/baby-a-celebridade-esquecida

[2] A Companhia Brasileira do Cobre - CBC, localizada nas Minas do Camaquã, Município de Caçapava do Sul - RS (terceiro distrito), durante muitos anos foi a maior produtora de cobre  do país. Fundada em 1942 pelo italiano , naturalizado brasileiro, Francisco Baby Matarazzo Pignatari. Chegou a gerar 30% da arrecadação do municipio, que encerrou as atividades em 1996. Hoje a empresa tem como maior acionista à família Mônego, que desenvolve em parceria com o Grupo Votorantim, pesquisas minerais nas áreas de chumbo, zinco, cobre e ouro, para quem sabe num futuro próximo retomar às atividades minerais nas Minas do Camaquã, alavancando assim o progresso nesta região.
[3] DECRETO-LEI Nº 5.751 - DE 16 DE AGÔSTO DE 1943 Autoriza a venda de bens e direitos que na emprêsa Pireli S.A., Companhia Industrial Brasileira, com sede em São Paulo, possue a emprêsa Pireli Holding S.A., e dá outra providências
O Presidente da República, Usando dá atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição, decreta:
Art. 1º - Tendo em vista o disposto no art. 3º' do decreto-lei nº 5.661 de 12 de julho de 1943, fica o Banco do Brasil S. A., como agente especial do Govêrno Federal, autorizado a vender, em concorrência pública, vinte a uma mil e novecentas (21.900) ações, ao portador, da emprêsa Pireli S.A., Companhia Industrial Brasileira, com sede em São Paulo, que no mesmo Banco se acham depositadas em custódia em nome de Pireli Holding S.A., e quatro mil oitocentos e doze (4.812) Partes Beneficiárias que naquela emprêsa possue esta última e que se encontram depositadas nos cofres da primeira.
§ 1º - Os bens e direitos a que se refere êste artigo serão prèviamente avaliados por peritos nomeados Pelo Banco, mas a venda não será efetuada em base inferior ao valor nominal para as ações, e ao valer por que foram emitidas, para as Partes Beneficiárias.
§ 2º - A concorrência obedecerá, no que fôr aplicável, às normas da portaria nº 144, de 30 de novembro de 1942 do Ministério da Fazenda, publicada no Diário Oficial de 3 de dezembro do mesmo ano, e poderá ser anulada sem que caiba contra o ato procedimento judicial.
Art. 2º - Sòmente poderão concorrer à compra dos bens e direitos mencionados no art. 1º pessoas físicas ou jurídicas brasileiras, estas constituídas de forma que a maioria das ações representativas do capital pertençam, obrigatoriamente, a brasileiros.
§ 1º - Aos atuais acionistas da emprêsa Pireli S.A., Companhia Industrial Brasileira, que preencham as condições estabelecidas nêste artigo e apresentem proposta de compra na concorrência, abrir-se-á, nos editais de concorrência, opção pelo prazo não superior a trinta (30) dias para a compra dos bens pelo preço da maior oferta.
§ 2º - A prova da qualidade de acionista para os efeitos da preferência estabelecida no parágrafo anterior, far-se-á pela exibição da cautela de ações anteriormente possuídas, por certificado expedido por estabelecimento bancário onde a mesma se achar depositada ou por outra fome admitida em lei.
Art. 3º - O produto liquido da venda dos bens e direitos a que Se refere o art. 1º ficará depositado no Banco do Brasil S.A., para os fins previstos no decreto-lei nº 4.166, de 11 de março de 1942, ou para ser oportunamente levantado por quem de direito, mediante autorização do Ministro de Estado dos Negócios da Fazenda.
Art. 5º - Êste decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 6º - Revogam-se as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 16 de agôsto de 1943, 122º da Independência, a 55º da República.
GETÚLIO VARGAS.

[4]Usou-se a grafia antiga Pireli S/A exposta no documento:  A Pirelli Spa é uma  empresa italiana  fundada em Milão em 1872 pelo engenheiro Giovanni Battista Pirelli. O seu atual presidente é o empresário Marco Tronchetti Provera, genro do neto do fundador, Leopoldo Pirelli. É um dos principais grupos econômicos italianos, ativo nos setores de beneficiamento da borracha, imobiliário (com a Pirelli Real Estate) e, desde 2001, da telefonia  fixa e móvel, depois da compra da Telecom Italia (TIM).
[5] O Eixo formado pela beligerância de Alemanha, Itália e Japão na 2ª Grande Guerra

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