quinta-feira, 15 de abril de 2010

O JUIZ ORDINÁRIO E O JUIZ DE FORA

Ordenações Filipinas: Livro 1 titulo LXV Comentários

Juiz[1] ordinário era o magistrado eleito anualmente pelo povo e câmaras, tendo lugar e domicilio e estabelecimento.
Juiz ordinário era um juiz independente da realeza e a legislação que executava estava fora do alcance do mesmo poder, e só o costume(consuetudinário[2]) podia alterá-la. O predomínio da chicana (sutileza capciosa em questões judiciais) era ali impossível, porque todos conheciam a legislação, e o arbítrio do juiz expirava com o ano. Com a chegada da Corte de Portugal em 1807 ao Brasil, o judiciário dispunha em primeira instância[3] de juizes ordinários.
O juiz ordinário tinha jurisdição nas comarcas[4] em que obrigatoriamente teria de residir, e era eleito pelo povo. Era o presidente das sessões da câmara municipal.

Juiz de fora ou fora-aparte, como a princípio se denominaram desde o primeiro instituidor o Rey Dom Afonso IV, era o magistrado imposto pelo rei a qualquer lugar, sob o pretexto de que administravam melhor a justiça aos povos do que os juízes ordinários ou do lugar, em razão de suas afeições e ódios.
O fim principal de sua criação foi à usurpação da jurisdição para o poder régio, dos juízes territoriais, o que pouco a pouco se foi fazendo, com gravame (ofensa grave, agravo, encargo, ônus) das populações, a quem a instituição sempre pareceu e foi abnóxia (inofensiva). Até que no reino de Dom Manoel ou de Dom João III, tomando a realeza a seu cargo o pagamento da maior parte dos seus ordenados, impô-lo por todo Estado.

A nova organização judiciária do império acabou[5], tanto com o juiz de fora, como os ordinários, que na época já eram uma excrescência (excesso jurídico), e apenas uma deferência do poder real com os privilégios das populações, já de há muito menosprezados.
Os juízes de fora eram delegados e nomeados por triênios e sem direito a recondução. Precediam de ordinário as câmaras das vilas e cidades onde funcionavam que não excediam a dois, e raras vezes era um só eleito.

O juiz de fora era um magistrado nomeado pelo rei de Portugal para atuar em comarcas onde era necessária a intervenção de um juiz isento e imparcial. Em muitíssimas ocasiões os juízes de fora assumiam também papel político, sendo indicados para presidir câmaras municipais como uma forma de controle do poder central. A figura do juiz de fora surgiu em Portugal em 1327, no reinado de Dom Afonso IV. Este tipo de magistrado era nomeado pelo rei e mudava de localidade frequentemente. A principal função do juiz de fora era zelar pelo cumprimento da justiça em nome do rei, conforme as leis do reino. Ademais, a autoridade que o juiz de fora gozava era muito superior à dos juízes ordinários dos concelhos (prefeituras municipais).
A introdução desta figura judicial justifica-se na necessidade de nomear um juiz realmente isento, imparcial e, literalmente, de fora das povoações, a fim de garantir julgamentos justos, imparciais. Por esse motivo o cargo não podia ser exercido no local de origem residencial do magistrado. Também não eram permitidos quaisquer outros vínculos com a população local, por meio de matrimônio ou amizade íntima.

Durante o período de formação da formação da estrutura do Estado, e a conformaçao de uma identidade nacional, a coroa portuguesa investia nas autoridades locais para enfraquecer o domínio de senhores feudais. No Brasil nas áreas de difícil acesso e administração, a figura do juiz de fora era uma forma de evitar a adoção de medidas em conflito com os interesses da Metrópole
A consolidação definitiva da figura jurídica do juiz de fora foi levada a cabo pelo rei Dom João III, em 1532 , pois possuia amplo domínio dos poderes do Estado, empreendendo uma significativa centralização. Com a União Ibérica em 1580 sobre o reinado de Filipe II da Espanha já eram mais de cinqüenta os concelhos(municípios) portugueses governados por juízes de fora.
Depois da Restauração em 1640, Portugal concentrou todas as suas forças na consolidação do poder recém-recuperado, procurando não iniciar conflitos desnecessários. Desta forma, os municípios brasileiros mantiveram sua "autonomia" até os últimos anos do século XVII. O primeiro juiz de fora do Brasil tomou posse na cidade de Salvador em 1696, dando início a uma etapa de transição que duraria mais de cem anos.

Varas vermelhas e brancas
MONUMENTO À INDEPENDÊNCIA DO BRASIL/IPIRANGA

A vara era, e ainda é, a insígnia que traziam os juízes e oficiais seculares em sinal de jurisdição para que fossem conhecidos e não sofresse, em suas ordens, resistência. Segundo alteração de 30 de junho de 1652 e decreto de 14 de março de 1683, os juízes deviam trazê-las (as varas) arvoradas(asteadas) no alto quando andassem a cavalo, não devendo ser delgadas(pouca espessura).
A vara pintada de branco competia ao juiz letrado e a vermelha aos leigos, e por motivos bem fundados, pois os magistrados e julgadores que usam da insígnia não as possa trazer de rota[6], ou de outra coisa semelhante, salvo de pau da grossura costumada, não as trazendo abstidas(privadas), mas a direita da mão levantadas em proporção ao corpo; e só as prisões lhes(era) permitido as possam trazer quebradiças.
Não obstante a legislação em vigor, os juízes de fora e ordinários usavam no Brasil da vara quando incorporados com as câmaras, servindo-se ordinariamente, para distintivo de sua autoridade, de uma meia lua e vime enrolada em pano de seda branca ou vermelha, se não, pintado dessas cores pregadas na aba direita das casacas.

[1] O juiz (do latim iudex, "juiz", "aquele que julga", de ius, "direito", "lei", e dicere, "dizer")

[2] Direito consuetudinário é "complexo de normas não escritas originárias dos usos e costumes tradicionais dum povo, direito costumeiro". É o direito que surge dos costumes de uma certa sociedade, não passa por um processo de criação de leis como no Brasil onde o legislativo e o executivo criam leis, emendas constitucionais, medidas provisórias etc. No direito consuetudinário, as leis não precisam necessariamente estar num papel ou serem sancionadas ou promulgadas.

[3] A primeira instância de um processo judicial é o local em que deu-se início o letígio. Na grande maioria os processos são de competência estadual, ou seja, o foro da própria cidade.A primeira instância é denominada "a quo" ( Do qual- Para se referir ao juiz ou tribunal que proferiu a decisão recorrida, e de onde proveu o processo, bem como ao dia ou termo inicial do prazo.) e a segunda instância é denominada “ad quem” (Para quem- Para designar o juiz ou tribunal responsável pelo julgamento do recurso, para o qual se encaminha o processo, bem como o dia ou termo final da contagem de um prazo. )

[4] Comarca (origem latim; commarca ou comarcha, derivado do termo de origem germânica Mark, "confim", "limite", "marca") termo originalmente empregado para definir um território limítrofe ou região fronteiriça.

[5] Embora muitas disposições tiveram vigência no Brasil até a promulgação do código civil de 1916.

[6] A rota de que trata o alvará, e do que se abusará, é uma espécie de cipó, ou junco de atar, como a chibata.

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