quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

OS TERRATENENTES DO BRASIL (12): INVASÃO MILITAR DAS TERRAS DA AMÉRICA

Guerras Justas, Holocausto dos Nativos da América

A Vila de São Paulo foi “fundada” em terras dos guaianases em 1554, iniciando a aproximação com os nativos do cacique Tibiriça, estruturando a base “militar e religiosa” que mais tarde penetraria em terras que pelos tratados pertenciam à Espanha. Formando bandeiras[1] de reconhecimento e posse de terras desocupadas, foram aquarteladas milícias prontas a viver no mais completo rigor e com o mínimo necessário, penetrando através do sertão do recente povoado de São Paulo com incursões bandeirantes, que foram aos poucos adentrando entre duas serras existentes, do Mar e Mantiqueira, apossando-se de aldeias, onde permaneciam homens desta comitiva que conformaram nova gene, formada por europeus anteriormente miscigenados na península que ao se juntarem aos nativos locais e originaram o caboclo do sertão paulista. A barbárie da formação européia de iberos, ceutas, suevos, godos, somados a mouros, árabes, judeus e outros mais, foram transportados para outra epopéia de formação de identidade, “amalgamada” e abandonada pelo poder central que não lhes sustentavam a própria existência.

São Paulo não tinha a importância das cidades litorâneas com Olinda, Rio de Janeiro e Salvador, e por dificil acesso da muralha da Serra do Mar de setecentos metros de altura que separava o local, dificultava o acesso pelo interior, deixando São Paulo extremamente pobre e de parcos recursos para sua manutenção.


No início recorreu em manter-se com as culturas nativas, produtos da terra, aprendendo a navegação do Rio Tietê que transportava pelo seu curso a rota para o Rio Paraná, que desenbocava no Rio da Prata. Os nativos denominados “negros da terra” eram excelentes navegadores em suas canoas extraídas de cascas das árvores, além de serem bons caçadores, “caaporas” - homens da mata - usando a coleta como sustento e a lança como arpão de pesca. Na agricultura cultivavam a mandioca (mandi'ó) de onde extraiam a farinha e fabricavam o biju, batata (jetý), abóbora (kurapepê), milho (avati), feijão (kumandá), algodão (mandyju) e o cauim usado fermentado como bebida extraida da mandioca para uso festivo da aldeia.

Tudo isso foi aos poucos sendo assimilado pelos colonizadores que levavam para suas incursões pelos sertões, toda esta alimentação reforçada pela criação de suínos, animal de fácil manutenção, dava toda compostura necessária, originando verdadeiras misturas alimentares, “minestras consistentes”, pratos nutritivos que originaram em São Paulo o “virado paulista”, em Minas Gerais o “tutu mineiro” e no topo do nordeste brasileiro, principalmente Ceará, conformou-se o “baião de dois”, ou “rubicão”, estes dois últimos resultante do contato com os bandeirantes quando levaram o costume alimentar para combater os “bárbaros tapuias” por contratos com os senhores de engenho, pois os nativos, caçavam o gado, invasores de terras indígenas, como animal selvagem para a própria alimentação.

São Paulo tornou-se por muito tempo simples local de passagem, de tropeiros vindos da região sul com cargas transportadas através das missões guaranis que abasteciam de muares o setor minerador das Minas Gerais e Potosi, rentável pelo monopólio de mercado dos jesuitas, grandes investidores neste rentável abastecimento. Dos caminhos incas de Piaberu[2] de mais de 3000 quilometros partiam por rotas que poderiam ser úteis e ao mesmo tempo temerárias dando acesso a forças militares de Portugal e Espanha que poderiam a qualquer momento confrontarem em combate.
Estuário do Rio da Prata
Do lado espanhol tinha-se em Juan Díaz de Solís um navegante experiente que veio para a América com interesse de exploração e mapeamento cartográfico do atual Cone Sul do que era a Terra Argêntea e a Terra Incógnita. Uniu-se em 1508 a Vicente Yáñes Pinzone, que em 1512 iniciou a exploração para chegar ao Rio da Prata ainda desconhecido, descobrindo e explorando os territórios adjacentes.
Os bandeirantes[3] interessados em nativos mansos atacavam as Missões de Sacramento para conseguirem escravos, além de apossarem das terras através de sua base militar de
São Paulo, rompendo as fronteiras do Tratado de Tordesilhas[4], povoando pela força e apoderando-se de aldeias nativas, miscigenavam-se com o colonizado, consolidando interesses futuros.
Portugal precisava de um grande contingente de homens para manterem suas possessões de África, Índia e Ásia, onde estavam seus maiores lucros mercantis, mas não poderia abrir mão da posse na América, além de combater incurssões e interferências de outras potências como Inglaterra, Holanda e França que ja se dirigiam suas forças pelo continente.

Com a vinda do primeiro Governador Geral do Brasil Tomé de Souza vieram as primeiras estruturas adminitrativas trazendo o que viria a ser os motores da economia : a cana de açucar da Ilha da Madeira e o gado para formar a pecuária.
Os engenhos canavieiros e a pecuária seriam implantados e manejados pelos terratenentes escolhidos pela coroa portuguesa para consolidar as áreas de ocupação pela força da cultura da cana de açucar e a criação sistemática de penetração através de manadas de gado.

A cidade do Salvador, sede do Governo-Geral Português na América, solidificou-se como centro administrativo e eclesiástico do século 16, tornando-se símbolo de prosperidade econômica com o enriquecimento dos seus moradores refletida na qualidade das construções. Essa pujança e riqueza advinham dos lucros obtidos com da cana do açúcar e da posição privilegiada do porto, principal entreposto comercial entre Portugal e suas colônias do Oriente e em grande centro difusor de mercadorias.
A solidificação da exploração agro-mercantil açucareira também foi fundamental para a fixação dos colonos às novas terras e para a fundação de novos povoados e vilas, determinando a superação da exploração predatória e o surgimento do sistema de produção de artigos voltados para o circuito comercial mundial, mas frágil na dependência de mão-de-obra escrava obtida entre 1534 e 1564, através do aprisionamento de indígenas do litoral. As fugas dos nativos, acostumados a não terem senhor, eram constantes e criava inconstância na produção que representavam prejuízos. Este quadro agravou-se a partir da chegada dos missionários jesuítas, responsáveis pela criação de aldeamentos por eles administrados, pelas sucessivas leis restritivas à escravidão indígena e, finalmente, pelas grandes epidemias de sarampo e varíola de 1560 e 1563, responsáveis pela alta mortandade da população de aldeia do litoral da colônia.

Do lado da Espanha a cana de açúcar tomava conta das terras das Ilhas do Caribe, e havendo disputas pelas ilhas locais com França, Inglaterra e Holanda, bem estrutura pela formação das Companhias das Índias Ocidentais. No continente da América espanhola não houve larga concentração de mão de obra escrava africana, restringindo-se às Antilhas.

Do lado de Portugal com a permissão de liberação da mão de obra escrava a partir de 1559, por Catarina da Áustria, Regente da Coroa de Portugal, pela não submissão nativa aos trabalhos forçados, e que pelo fato, foram caçados e mortos pelas “guerras justas”, onde suas cabeças eram trocadas por terras em sesmarias. Deste modo transportou toda a barbárie da Península Ibérica para a Terra Sem Mal, dando origem aos enormes latifúndios pela força das armas dos terratenentes que expulsaram os nativos para bem longe de vilas implantadas em regiões que eram parte de suas realizações culturais.

Referências:

ABREU, J. Capistrano de, Capítulos de história colonial. (1500-1800), Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo,Edusp, 1988.

COUTO, Jorge, A construção do Brasil: Ameríndios, Portugueses, e Africanos, do início do povoamento afinais de Quinhentos, Edições Cosmos, Lisboa, 1995.

FERNANDES, Florestan, Organização Social dos Tupinambá, São Paulo, Instituto Progresso Editorial, S.A.,1948.

FERNANDES, Florestan, A função social da guerra na sociedade Tupinambá, 2ª ed., Livraria Pioneira, Editora da Universidade de São Paulo, 1970.

JABOATÃO, Frei Antônio de S. Maria, Catalogo genealógico das principais famílias que procederam de
Albuquerques e Cavalcante em Pernambuco e Caramurus na Bahia, Salvador, Imprensa Oficial, 1950.

LAPA, José Roberto do Amaral, A Bahia e a Carreira da Índia, Ed. fac-similada, São Paulo, Hucitec,Unicamp, 2000.
MONTEIRO, John Manuel, Negros da terra, São Paulo, Cia. das Letras, 1995.
RIBEIRO, Darcy; NETO, Carlos de Araujo Moreira, A fundação do Brasil: Testemunhos 1500-1700,
Petrópolis, Vozes, 2a edição, 1993.
RIBEIRO, Darcy, O povo Brasileiro: evolução e sentido do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

[1] As Bandeiras eram iniciativas de particulares, associados ou não, que com recursos próprios buscavam obtenção de lucros.Ou seja eram expedições organizadas por bandeirantes. Foi com esta origem das bandeiras que, um capitão e seus cabos, exploraram e devassaram o território brasileiro. (como Tordesilhas mudou 10° para o oeste após o Tratado de Saragoça, na Questão das Molucas, onde todos sabiam que tinham que caminhar dez graus de sol a mais para oeste, abrindo precedentes de expansão pelo sertão).

[2] O caminho construído pelos Índios sul-americanos começava em São Vicente ou Cananéia no litoral paulista, cruzava parte do Estado de São Paulo e Paraná, passando pelo El Chaco no Paraguai, seguindo pela Bolívia, ultrapassando a Cordilheira dos Andes para chegar a Cuzco no Peru, centro do império inca. Os Bandeirantes e colonizadores ao desbravar o interior do Brasil, utilizaram o Peabiru, ganhando os sertões fundaram vilas, até sua proibição de utilização por Tomé de Souza em 1.533, com pena de morte aos infratores. Partindo da Capitania de São Vicente, o Peaberu passava pela Aldeia de Ivirapuera (Santo Amaro) seguindo em direção a Aldeia de Piratininga (São Paulo, Capital). As atuais Av. Jabaquara e Rua Vergueiro fazem parte do leito do milenar Peabiru.

[3] Denominam-se bandeirantes os sertanistas que, a partir do século 16, penetraram nos sertões brasileiros em busca de riquezas minerais, sobretudo a prata, abundante na América espanhola, indígenas para escravização. Os paulistas, porém, só guerreavam contra índios, acostumados à vida das armas e tirando lucro de sua venda, não queriam ficar sedentários nem administrar as minas que desde 1603 o Rei lhes franqueara, mediante o pagamento do quinto.

[4] As chamadas Entradas tinham a finalidade de expandir o território, eram financiadas pelos cofres públicos e com o apoio do governo colonial, ou seja, eram expedições organizadas pelo governo de Portugal. Tais entradas foram mal registradas e sobram poucas informações sobre os caminhos e os acontecimentos das viagens dos desbravadores. Sertanistas corajosos, eram despreparados, não deram importância ao registro e à documentação das viagens.

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