sábado, 9 de janeiro de 2010

OS TERRATENENTES DO BRASIL (08): A IGNOMÍNIA DA ESCRAVIDÃO

A COSTA OCIDENTAL DA ÁFRICA E OS AFRO-BRASILEIROS

“Os negros do Brasil trazidos principalmente da costa ocidental da África, foram capturados meio ao acaso nas centenas de povos tribais que falavam dialetos e línguas não inteligíveis uns aos outros. A África, era, então, como ainda hoje o é, em larga medida, uma imensa Babel de línguas. Embora mais homogênea no plano da cultura, os africanos variavam também largamente nessa esfera. Tudo isso fazia com que a uniformidade racial não correspondesse a uma unidade lingüístico-cultural, que enseja uma unificação, quando os negros se encontraram submetidos todos à escravidão” (RIBEIRO, p.114; 115)

Com a liberação da metrópole portuguesa em enviar escravos para o Brasil a partir de 1559, foram tomadas algumas providências para evitar levantes como os ocorridos anteriormente em São Tomé e Príncipe, na fase exploração da cana-de-açúcar que a partir de 1493 é intensificada com mudas transladadas da Ilha da Madeira e o deslocamento de escravos provenientes do continente africano.

“Apresado aos quinze anos em sua terra, como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro- mercador africano de escravos- para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali partia em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro” (RIBEIRO, p.116)

Os Angolares das Ilhas São Tomé e Príncipe

A partir de 1520 as Ilhas São Tomé e Príncipe tornam-se os maiores produtores de cana de açúcar do mundo. Portugal houve por bem enviar as ilhas um único grupo lingüístico; os Angolares. Eram escravos adquiridos de uma mesma tribo de Angola, apresentando a mesma língua, características raciais uniformes e tinham uma estrutura militar que lhes permitia organizar assaltos do tipo de guerrilhas. Se pertencessem a tribos diferentes, não se conceberia que no curto espaço de tempo já estivessem miscigenados a tal ponto de se comunicarem num idioma único. Os Angolares se entendiam num mesmo idioma semelhante ao Quimbundo, a língua franca dos povos das regiões do interior de Luanda, em Angola, adquiridos por mercadores de escravos europeus e árabes. Além disso, tinham características físicas assemelhadas aos grupos dos Negros Mussorongos, tribo do noroeste de Angola, mestiçados com outros Bantos e que estariam já presentes na ilha para intensificar a produção a partir de 1540. .(GALLARÍN, Consuelo Garcia. Vocabulário Temático Y Característico de Pío Baroja. Madri: Editora Verbum, 1991).
Em julho de 1595 um escravo que pertencia a um capitão-do-mato, de nome Amador sublevou com um enorme contingente de escravos organizandos de forma militar, combateu os colonos valendo-se da fuga de guerrilha, conseguindo libertar a maior parte do território e, inclusive, a administração colonial localizada na capital. Devido ao menor poderio bélico e à traição de alguns membros. Amador foi capturado e morto em janeiro de 1596.[1]

O Modelo Usado no Brasil

Devido ao fato ocorrido em São Tomé e Príncipe os escravos que fariam parte das levas que viriam ao Brasil foram divididos em grupos diversificados.[2]

*As culturas sudanesas vieram para o Brasil dentro dos grupos: iorubá,denominados nagô, depois os dahomey reconhecido como jêje, e por último os fanti-ashanti como sendo os minas.

**Depois houve outro grupo que eram originários de Gâmbia, Serra Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim, trazendo a cultura africana islamizada, principalmente os peuhl, os mandingas e os haussa do norte da Nigéria conhecidos na Bahia como negros malê[3] e no Rio de Janeiro como alufá.

***Um terceiro grupo era integrado por tribos bantu (banto) formado das estruturas congo-angolês vindos de Angola (angolas, congos, cambindas, benguelas e outros). e da contra-costa, da região de Moçambique.

“A diversidade lingüística e cultural dos contingentes negros introduzidos no Brasil, somada as essas hostilidades recíprocas que eles traziam da África e a política de evitar concentração de escravos oriundos de uma mesma etnia, nas mesmas propriedades, e até nos mesmos navios negreiros, impediu a formação de núcleos solidários que retivessem o patrimônio cultural africano.
Encontrando-se dispersos na terra nova, ao lado de outros escravos, seus iguais na cor e na condição servil, mas diferentes na língua, na identificação tribal e freqüentemente hostis pelos referidos conflitos de origem, os negros foram compelidos a incorporar-se passivamente no universo cultural da nova sociedade.” (RIBEIRO, p. 115)

A Bahia era o principal porto de entrada dos escravos africanos, principalmente das etnias jalofa, mandinga, fula, mossi, haussa, bantos. Este atividade gerou novo tipo de comerciante, pois o tráfico negreiro era altamente rentável e durante séculos foi o mais lucrativo empreendimento colonial. Os capatazes foram aqueles de maior relação e de certa forma ensinavam aos escravos o português rude do trabalho e com que aos poucos assimilaram para prover alguma comunicação inicial de relacionamento nas áreas do engenho da cana de açúcar e posteriormente nas minas auríferas.

Os vários grupos provenientes de várias regiões da África foram integrados na proto célula lusa-tupi, onde foram se adaptando-se a uma outra realidade inteiramente desconhecida, aprendendo a plantar outro tipo de cultura e a cozinhar os alimentos da terra como mandioca, milho, e a colher palmito de palmeiras que originou alguns pratos básicos da culinária como bolo de milho, empadas, cuscuz, tapioca, completada a alimentação com peixes variados. Tudo isso foi sendo incorporada do grupo nativo indígena onde assimilaram certos nomes que faziam parte do universo religioso local que usavam em cultos aos espíritos o uso do tabaco e o cauim, bebida fermentada da mandioca.

“Nos dois casos, o engenho e a mina, os negros viram-se incorporados compulsoriamente as comunidades atípicas, porque não estavam destinados a atender as necessidades de sua população, mas sim aos desígnios venais do senhor. Nelas, à medida que eram desgastados para produzir o que não consumiam, iam sendo radicalmente desculturados pela erradicação de sua cultura africana.” (RIBEIRO, p. 115)

Esses negros que falavam um português trôpego desempenhavam as tarefas pesadas na divisão do trabalho, no engenho ou na mina, pois o índio devido as perseguições impetradas pelos capitães do mato, predecessores dos bandeirantes paulistas, através das “guerras justas” exterminaram nações inteiras e preá-los tornou-se coisa rara. Deste modo com a introdução da mão de obra escrava suprimiu-se essa deficiência, e deste modo integrava-se novo elemento a uma sociedade que se formava de outras culturas com técnicas de trabalho existentes por parte do colonizador europeu, que deveriam ser aceitas como normas e valores pelo contingente africano, submetido ao pedra de moer, o mó aculturativo da escravidão, perdendo-se o modelo das origens, desafricanizando-os.

“O surgimento de uma etnia brasileira, inclusiva, que possa envolver e acolher a gente variada que aqui se juntou, passa também pela anulação das identificações étnicas de índios, africanos e europeus, como pela indiferenciação entre as várias formas de mestiçagem, como os mulatos; resultado de negros com brancos; caboclos; resultado de índios com brancos; ou curibocas; resultado de índios com negros”. (RIBEIRO, p. 133)

Demonstra-se que uma nova condição de pertencimento formou-se a partir de um novo modelo de agrupamento, com novos elementos que formam uma outra identidade coletiva.
“A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjuraram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos” (RIBEIRO, p. 120)

Bibliografia:

RIBEIRO, Darcy.O Povo Brasileiro- A Formação e o Sentido do Brasil, in Moinho de Gastar Gente. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família brasileira sob oregime patriarcal. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1973.

FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos: Decadência do Patriarcado Rural e
Desenvolvimento do Urbano. Rio de Janeiro: Record, 2000.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

PRADO JR., Caio. Evolução política do Brasil: colônia e império. São Paulo:
Brasiliense, 1987 [1933].

RAMOS, Arthur. A Aculturação Negra no Brasil. São Paulo: Ed. Comp. Nacional, 1942.

RAMOS, Arthur. O Negro Brasileiro. Rio de Janeiro: Graphia Editorial , 2001.

BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. Companhia das Letras, São Paulo, 2001.

RAMOS, Arthur. A Mestiçagem no Brasil. Editora EDUFAL, Rio de Janeiro.
RODRIGUES, Nina. Os Africanos no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1932.

[1] O herói é uma construção ideológica, onde há um grande número de intrincados processos e acontecimentos na História. Portanto, o "herói" ou grande personagem deve ser observado e estudado no foco do conceito da idiossincrasia(mistura de fatos), logicamente dentro dos processos de acontecimentos sociais que estão em volta.

[2] “Esta imagem é reforçada pela insistência numa diversidade lingüistica africana e nas hipóteses improváveis da história brasileira de que os escravisadores colocavam africanos de origens diferentes na mesma fazenda e nas moradias para evitar a comunicação entre eles e, portanto, evitar a possibilidade de rebeliões. Indo à realidade africana lingüistica, temos que notar que todas as línguas provem de apenas quatro matrizes lingüisticas. Que no continente africano, hoje como no passado, diversas línguas são compreendidas por povos diversos. Ainda mais que, existem línguas como o Árabe e o Suarili que são faladas em quase todo o continente.” Pensamento de Henrique Cunha Júnior, professor da Universidade Federal do Ceará, em “ O Ensino da História Africana

[3] Revolta dos Malês ou a Revolta dos Escravos de Alá, foi um levante na cidade de Salvador, em 1835, capital da então Província da Bahia Consistiu numa sublevação de escravos africanos das etnias hauçá e nagô, de religião islâmica, com propostas para libertação dos demais escravos africanos. O termo "malê" deriva do iorubá "imale", designando o muçulmano.

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