terça-feira, 12 de dezembro de 2023

O MESTRE DE OBRAS ALEMÃO JOHANN GRUNDT E AS MADEIRAS DE SANTO AMARO/SP PARA AS OBRAS DO PALACETE DE CAMPOS ELÍSEOS, VIADUTOS DO CHÁ E SANTA EFIGÊNIA

DAS CASAS DE TAIPAS AOS PALACETES EM SÃO PAULO

Os estrangeiros participam do intenso processo de mudanças na cidade de São Paulo, que estava alterando o modelo de construções de taipa para uma estrutuara mais sólida, com refratários e cimento armado  e ocorria grandes transaçõs de venda e revenda de lotes com a urbanização das chácaras, iniciada na década de 1880. A maior parte das primeiras transmissões de imóveis são realizadas para italianos, portugueses e espanhóis, e dentre proprietários e loteadores destaca-se, por exemplo, o judeu Manfred Mayer.[1] A ocupação do bairro de Campos Elíseos nas duas primeiras décadas do século XX, ocorre com procura grande do loteamento e as vendas de lotes disparam, por estar próximo da Estação da Luz, onde chegam muitos imigrantes e as trasações variadas ocorrem.

MADEIRAMENTO DE CONTRUÇÃO CIVIL DAS SERRARIAS DE SANTO AMARO

Havia por parte dos alemães imigrantes fixados em Santo Amaro, na Colônia Paulista, um apego grande com a terra arraigados desde a Alemanha. A grande maioria dos imigrantes germânicos que procuraram o Brasil durante o século XIX era de origem camponesa. A terra, a paisagem, a fauna e flora estavam perfeitamente integradas a suas vidas. “O camponês europeu convive realmente com seus campos e seu gado, abrigando este, sua família e seus agregados, não raro sob o mesmo teto”[2].

Significava a integração dos grupos, dando origem a um novo modelo de produção em Santo Amaro, a partir da chegada destes imigrantes na Colônia Paulista, a partir de 1829. Não se pode negar que o imigrante introduziu novas técnicas de cultivo e de transporte que não eram usadas anteriormente no Brasil.

O arado e adubação de solo  para a cultura de hortaliças e outras culturas e uso constante dos carros de bois que facilitava o manejo agilizando o transporte de mercadorias para a capital paulistana.

A Vila Santo Amaro, juntamente com Sorocaba, eram as grandes fornecedoras  de gêneros alimentícios, transportadas em carros de boi que levavam quase um dia completo para fazer o trajeto para a Capital, mas que fora agilizado com a implantação da “Companhia Carris de Ferro São Paulo Santo Amaro”[3], a partir de 1886, tendo sua estação na Rua São Joaquim, no bairro da Liberdade.

Facilitava desta maneira o transporte em geral, que incluía lenha e tábuas serradas, vendidas a construtores de casas e a fabricantes de móveis e feiras que se faziam primeiramente no Largo de São Francisco ou no Largo do Riachuelo, antigo Largo do Piques, que as sextas feiras e aos sábados chegavam em torno de 300 carros de boi[4] por semana, só do transporte de madeiras para construções na cidade de São Paulo, somados a 100 carros para lenha e 37 para pedras de cantaria, com 600 quilos de pedra em cada carro, dando um total de 22 toneladas por semana.


Acrescentando a esses materiais incluem 3500 toneladas de gêneros alimentícios que eram transportados por mulas cargueiras e em juntas de bois, diariamente.

A linha da “Companhia Carris de Ferro São Paulo Santo Amaro” começou a ser usada a partir de sua implantação em 1886 em seu percurso por agricultores de Santo Amaro que exportavam seus produtos, e muita madeira que em sua maioria estava concentrada na década de 1880 em várias construções que ocorriam no espaço urbano de São Paulo. Eram madeiras emparelhadas e mourões de escoramento de obras, sendo fornecidas com mais de 9000 toneladas por semana, uma carga de 180 toneladas métricas por semana, acrescida aproximadamente de 2000 toneladas de lenha, por ano, uma média de 40 toneladas dor semana.

Para edificar as estruturas de sustentação e andaimes das muitas construções que ocorriam em São Paulo, foi contratado madeiramento proveniente de serrarias da Vila de Santo Amaro, como as da família Schunk de Parelheiros e da família Reinberg do Ambura (Anbaur=Cultivador), entre outras, pois era necessário madeiras de qualidade, aproximando o mestre de obras alemão Johann Grundt, com as serrarias alemãs de Santo Amaro, que forneciam madeiras em construções pela cidade de São Paulo.

O MESTRE DE OBRAS E CARPINTEIRO ALEMÃO JOHANN GRUNDT E O PALACETE CAMPOS ELÍSEOS 

Johann Grundt, era natural de Hamburgo, Alemanha, e veio para a Provincia de São Paulo, para “construir uma ponte”  sobre o Vale do Anhangabaú. Tinha habilidade em carpintaria e chegando na década de 1880 foi logo contratado  como mestre de obras também para construção em alguns palacetes que estavam expandindo-se na cidade, sendo construídos pela riqueza de fazendeiros do café.

Pouco se sabe da biografia de Johann Grundt, apenas que manteve matrimônio com a senhora Augusta Grundt e que teve com sua esposa as filhas: Lídia e Alice.

Antes de iniciada a obra do Viaduto do Chá, Johann Grundt participou na montagem da parte de madeiramento da contrução iniciada em 1890 do palacete Campos Elíseos[5], que no acabamento teve decoração interna realizada com carvalho francês e o telhado com pinho de Riga e telhas de ardósia importada. As escadas de madeira foram feitas pelo mestre Grundt, que depois de reformas foram substituídas por outra de alvenaria cobertas de mármore.

O Palacete Elias Chaves foi originalmente construído para o político e exportador de café Elias Antônio Pacheco e Chaves, projetado pelo arquiteto Matheus Heüssler[6] e ambientado pelo cenógrafo e decorador italiano Cláudio Rossi. Grande parte de marcenaria e serralheria foi produzida pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, instituição de educação profissional, fundado em 1873.











O VIADUTO DO CHÁ E SEU MENTOR JULES MARTIN

A expansão para o oeste da cidade, foi através da criação do bairro dos Campos Elíseos e Sta. Efigênia, e do loteamento do morro do Chá, que traria enormes consequências para o Vale do Anhangabaú.

A Construção do Viaduto do Chá requeria desapropriação das casas que se localizavam no Vale do Anhangabaú, eram casas de aluguel que pertenciam ao Barão de Itapetininga.

O protagonista da empreitada da construção do Viaduto do Chá ligando a Rua Barão de Itapetininga à Rua Direita a cidade e São Paulo deve-se a iniciativa Jules Victor André Martin (1832-1906), litógrafo francês radicado em São Paulo desde 1870.

Participou ativamente da vida social da cidade como professor do Liceu de Artes e Ofícios e principalmente através das publicações que saíam de sua “Imperial Litografia a Vapor”. Foi um grande empreendedor em São Paulo, apresentando vários projetos para a cidade, remodelando espaços públicos.

Em 1877 foi exposta na vitrine da oficina de Jules Martin uma litografia que ilustrava uma travessia por meio de ligação da Rua Direita com o outro extremo do vale, em nível do Morro do Chá.

Para empreender a construção do viaduto, Martin associou-se ao alemão Victor Nothmann, que alguns anos antes havia loteado com Frederico Glette a chácara do Barão de Limeira e criado o bairro dos Campos Elíseos e que alguns anos depois criaria o bairro de Higienópolis juntamente com Martinho Burchard. Em 1880 a Assembleia Provincial deferiu o pedido de construção do viaduto e em 1888 foram aprovados os estatutos da “Companhia Paulista do Viaduto do Chá”.

Projeto de fundação executado pelo engenheiro italiano Emílio Calcagno para o Viaduto do Chá, construído entre 1888 e 1892.

O bulevar teria 64 metros de largura em sua face superior e as fundações seriam feitas com estruturas em arcos. Os estudos dessa proposta foram feitos pelo engenheiro Eusébio Stevaux. A versão definitiva teve seu projeto executivo assinado pelo engenheiro Emilio Calcagno conforme estudos realizados por Stevaux. Sua extensão total era de 240 metros, incluindo os arranques.

A estrutura metálica foi fabricada na Alemanha por Harkort de Duisburg e possuía 152 metros de comprimento divididos em cinco vãos. Sua largura era de 14.80 metros e a altura até o fundo do vale era próxima de 20 metros. As obras tiveram início em 1888, sendo interrompidas poucos meses depois devido a problemas com a desapropriação do imóvel pertencente ao Barão de Tatuí, localizado na Rua de São José (atual Libero Badaró) no eixo da Rua Direita e cuja demolição era imprescindível para a construção do viaduto.

Cabe pontuar que os financiadores do viaduto, Nothmann e Glette entre outros, figuram sendo os que mais se beneficiaram com a valorização fundiária decorrente dessa construção, assim como seu mentor Jules Martin, que com ações na justiça beneficiou-se de muitas petições imobiliárias a seu favor, reivindicadas nos tribunais.




 O primeiro Viaduto de São Paulo foi inaugurado em 6 de novembro de 1892 

O VIADUTO SANTA EFIGÊNIA

A construção do Viaduto Santa Ifigênia iniciou-se em 1910 e foi concluída em setembro de 1913, no mandato do prefeito Raymundo Duprat.

O viaduto foi construído com 1.100 toneladas de Aço e ferro fundido vindos da “Société Anonyme des Aciéries d’Angleur”, da cidade de Tilleur, na Bélgica, e desembarcada no porto de Santos e chegaram na cidade de São Paulo pela estrada de ferro São Paulo Railway.

 A prefeitura da cidade de São Paulo solicitou um financiamento de 750 mil libras à Inglaterra[7] (algo próximo de 5500 kg de ouro) para construir o viaduto, sendo o primeiro endividamento externo realizado pela Prefeitura de São Paulo, considerado o projeto mais caro da época, inclusive alvo de muitas polêmicas.

Foto: Guilherme Gaensly

O Viaduto Santa Ifigênia atrasou no prazo previsto, devido às desapropriações e indenizações, falta de mão-de-obra qualificada e orçamento comprometido.

 

A MONTAGEM DO VIADUTO POR “LIDGERWOOD MANUFACTURING”

A montagem de toda estrutura metálica ficou a cargo da empresa vencedora da licitação, a Lidgerwood Manufacturing Company Limited, sob a direção do engenheiro Giuseppe Chiappori, sócio de Giulio Micheli e Mário Tibiriçá, enquanto a execução das fundações ficou a cargo do mestre de obras e carpinteiro alemão Johann Grundt, que coordenou a execução e supervisão das fundações.

Com a obra aprovada, cinco empresas entraram na concorrência pública e tiveram seus projetos aprovados, a saber:

 

Giulio Micheli que representava a Lidgerwood Manufacturing Company Limited, Bromberg Hacker & Cia[8], que possuía as relações de comercio em Hamburgo Alemanha, Schmidt & Trost, outra empresa alemã da cidade de Bremen, Cia Mecânica Importadora, empresa setor de bens de capital paulista (empresas de máquinas, oficinas mecânicas e fundições), temos o caso da maior empresa nas décadas iniciais do século XX, criada em 1890, a Cia. Mecânica e Importadora de São Paulo, com a Diretoria em 1891 eram: Augusto de Souza Queiroz, Elias Antonio Pacheco e Chaves, Candido Franco de Lacerda, Candido Paes de Barros e Alexandre Siciliano (DOESP, 30 março 1892) e a Lion & Cia. Venceu a disputada concorrência a empresa de Giulio Micheli, a Lidgerwood Manufacturing & Co.

 

Desde a fundação da Lidgerwood Manufacturing, em Nova York, Estados Unidos, por John Lidgerwood, sucedendo à Speedwell Iron Works, em 1801, a firma havia-se instalado em Coatbridge (Escócia) em 1860, em Java em 1868. No Brasil a empresa foi implantada em 1862, no Rio de Janeiro, na Rua da Misericórdia, nº 52,  por William Van Vleck Lidgerwood. Do armazém aberto em 1862, William, fixou a empresa no ano de 1868, em Campinas, a mais promissora cidade em fazendas cafeeiras do Estado de São Paulo, abrindo um depósito de instrumentos agrícolas, aproveitando o momento favorável pelo que atravessava o café do oeste paulista.

A empresa Lidgerwood Manufacturing Company Limited tinha grande conhecimento em equipamentos industriais[9] o que lhe dava respaldo suficiente para o projeto de montagem de toda a estrutura.  

Desde esse início transformador de São Paulo, passando do século 19 para o século 20, com as primeiras construções importantes da cidade, foi o impulso da expansão constante em busca de sua posição como a maior cidade da América do Sul do século 21.



FOTOS DOS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO DO VIADUTO DE SANTA EFIGÊNIA

Álbum de fotografias originais

Construção do Viaduto de Santa Efigênia, 1910 (Fotografo Frédéric Manuel) 











BARRIS DE CIMENTO (FOTO ACIMA)








BIBLIOGRAFIA:

A Provincia de São Paulo, 8 de dezembro de 1883

O Estado de São Paulo, 14 de novembro de 1952, p.8

https://www.saopaulo.sp.gov.br/eventos/especial-palacio-dos-campos-eliseos-um-marco-na-arquitetura-brasileira/

Madeira do Viaduto do Chá Era de Santo Amaro: O Estado de São Paulo, 20 de outubro de 1967

https://saopauloantiga.com.br/a-construcao-do-viaduto-santa-ifigenia/

Todas as imagens foram realizadas durante os anos de 1910 e 1911 pelo fotógrafo F.Manuel.

https://docvirt.com/docreader.net/DocReader.aspx?bib=fotos&pagfis=609

https://pt.wikipedia.org/wiki/Viaduto_Santa_Ifig%C3%AAnia

Álbuns de fotografias originais, 1862-1919\Álbum Comparativo da Cidade de São Paulo (1862-1910-16), Washington Luiz, v.1

O Estado de São Paulo, 27 de janeiro de 1954, p. 16

MACHADO, Janete Da Rocha. Empreendedorismo Teuto-Rio-Grandense: O Caso das Empresas Bromberg & Cia. (1860 – 1932) Porto Alegre. 2019

https://www.ipatrimonio.org/campinas-antiga-fabrica-lidgerwood/#!/map=38329&loc=-22.85608742375436,-46.93058967590332,12

 

Gustavo Pereira da Silva. Imigrantes e fazendeiros no alvorecer da indústria paulista: a formação da Cia. Mecânica e Importadora de São Paulo (1882-1892). Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações, 2020

 




[1] Manfred Meyer esteve envolvido também, no empreendimento dos Campos Elíseos, juntamente com Jules Martin, que participava de diversos outros empreendimentos imobiliários e de implantação de serviços públicos na cidade, como a construção do Viaduto do Chá. Além da simples venda de lotes, a proposta envolvia o projeto e construção de casas e chalés, oferecendo boa parte do material, produzido na Olaria do Bom Retiro, e projeto realizado por distinto engenheiro arquiteto A prática de comercializar, além dos materiais, projetos e a própria construção, já era prática estabelecida pela Olaria, conforme vemos em artigo publicado no mesmo periódico em 1878

 

[2] WILLEMS, Emílio. Assimilação e Populações Marginais no Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.p. 28

 

[3] “Companhia Carris de Ferro São Paulo Santo Amaro”: Fundadores da empresa: Antônio da Costa Chaves, Gottfried Joppert e Alberto Kuhlmann

 

[4] Sérgio Reis e inúmeros outros intérpretes da música sertaneja, fizeram sucesso com a letra de Serafim Colombo e Luiz Bonan, “Poeira”, que diz na sua primeira estrofe: “O carro de boi lá vai gemendo lá no estradão, suas grandes rodas fazendo profundas marcas no chão, vai levantando poeira, poeira vermelha, poeira. Poeira do meu sertão”.

 

[5] Entre 1921 e 1965, tornou-se sede do poder administrativo, passando a ser, além de residência oficial de diversos governantes. Foi reformado com alterações arquitetônicas, sendo que a realizada em 1935, conservando a maior parte da decoração original.

 

[6] A construção ficou a cargo do alemão Matheus Haussler, que já trabalhava no Brasil  desde 1882  e já tinha projetado outras obras da elite na cidade, baseando-se no ecletismo europeu. Haussler trouxe consigo diversos elementos de decoração  e acabamento, para dar um toque ainda mais europeu no palácio de Elias.

 

 

[7] Depois de muitas amortizações do financiamento, a dívida foi quitada em 1987, ou seja, 76 anos após o início das obras.

[8] Os dois estabelecimentos no Estado de São Paulo giram sob a firma Bromberg, Hacker & Cia. Seus proprietários são a firma Bromberg & Co., em Hamburgo, e os Srs. Engenheiro Hans Hacker e Dr. Erwin Bromberg. As casas no Rio de Janeiro, na  Bahia e em Bello Horizonte giram sob a razão de Bromberg & Cia., sendo seus proprietários a firma Bromberg & Co., em Hamburgo, e o Sr. Dr. Otto Bromberg. A

gerencia da casa de São Paulo está nas mãos dos Srs. Hans Hacker e Dr. Erwin Bromberg; a do Rio de Janeiro nas mãos dos Srs. Dr. Otto Bromberg e engenheiro  H. Hacker (BROMBERG & Co., 1913, p. 72)

 

[9] Em 1888,  no estado do Rio de Janeiro, a firma investiu definitivamente na produção e beneficiamento agrícola, fabricando descascadores, ventiladores, separadores, despolpadores, catadores, brunidores, moinhos, vapores locomóveis e fixos, carneiros hidráulicos, bombas simples e de pressão, polias, eixos, mancais, argolas, luvas, arados e grades de diversos sistemas, arame farpado, guinchos, correntes, caldeiras multitubulares para queimar bagaço e casca de café, engenhos de serra, moendas para cana, alambiques evaporadores, correias de sola, borracha e lona, graxas, óleo para máquinas a vapor, maquinas, etc., estopa, canos de ferro galvanizado e simples para água e vapor, macacos e tornos mecânicos, forjas portáteis, etc. engenhos centrais de açúcar, importadores de máquinas e aparelhos para lavoura e indústria, fábricas de tecidos de algodão, além de trabalhar na importação de máquinas pesadas usadas, em sua grande parte, na malha ferroviária, como giradores, locomotivas, vagões, etc., ela atuava como importadora, como representante e agenciadora de outras empresas.

 

 

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