sábado, 11 de março de 2023

O Futebol de Várzea e a Indústria em São Paulo

 História original publicada em 06/02/2008 em São Paulo Minha Cidade

 

O futebol de várzea paulistana tornou-se área de concentração de convívio de participação coletiva dentro de um espaço de pouco valor, por ser de várzea com muitos alagados provenientes em tempos das cheias nas margens do principal rio de São Paulo, o Tietê, alimentado por afluentes que tiveram grande importância para a cidade de São Paulo, como os rios Pinheiros e Tamanduateí, usados num primeiro instante como transporte. Em suas margens foram criados os clubes de regatas como o Tietê, Espéria, Ipiranga e tantos outros que tinham o rio como a meta principal das disputas ou como simples navegação de lazer.

Em suas margens muitas pessoas exerciam outras atividades, como a pesca, além da extração de areia, transportada por carroções fechados, atrelados com “pareias” de animais para a construção da cidade.

Nestas mesmas margens de várzea destes rios, nasceu o futebol de várzea em alusão as áreas dos rios, sendo por muito tempo o celeiro de grandes jogadores dos times da capital e muitos representantes de clubes oficiais de futebol iam aos fins de semana observar as disputas animadas e selecionar os que se sobressaíssem nas “pelejas”. Havia o preconceito de quem, nos idos de 40, tivesse relações com o esporte bretão, sendo taxados de vadios, preguiçosos ou vagabundos.

Do outro lado dessa estrutura estava a indústria paulista em franca ascensão, embora esta tardia industrialização não fosse uma “revolução”, pois as máquinas vinham de países interessados em determinadas atividades fabris e o mundo carecia de alta produção industrial e necessitava de mão de obra.

A mão de obra foi formada por antigos chacareiros e plantadores de café vindos da roça empurrados pela queda de produção no interior e deslocavam-se em direção à Capital.

Este proletariado incipiente precisava ser formado para exercer atividades de torneiro mecânico, fresador, retificador, ajustador mecânico, mecânico de manutenção, operador de tear, formados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, SENAI, escolas preparatórias de uma mão de obra urgente para produção. As indústrias mantinham os grêmios esportivos apoiando a atividade nos campos de futebol, apoiados pelo Estado que necessitava de aumento de produção para seu crescimento e gerando os impostos de produtos industrializados e os de circulação de mercadorias, que geravam meios de sustentar o crescimento da cidade, com o operariado incentivado em adquirir terrenos na periferia de São Paulo num raio mínimo de 20 km.

Cresciam os campeonatos de várzea, verdadeiras disputas de casa cheia ao redor do alambrado de madeira frágil onde os ídolos do futebol de várzea proporcionavam verdadeiras disputas esportivas, muitas vezes copiadas, jogadas pelo profissionalismo no moderno Pacaembu construído na década de 40.

O custo para a participação desta atividade esportiva era baixo, pois o prazer estava em discutir lances da peleja num boteco ao lado do campo, jogando conversa fora para esquecer o trabalho árduo das fábricas e oficinas durante a semana, verdadeiro tônico para recomeçar as atividades produtivas da modernidade que tinha que chegar ao Brasil a todo o custo, com muito trabalho, salário-mínimo, e pouca instrução.

O “Clube do Mé”, de 1948, foi exemplo típico, da vontade popular de criar nestas áreas de várzeas, verdadeiras agremiações de festivais de finais de semana, com vários campos usados pelo futebol de várzea, ladeados por uma estrutura invejável de agremiações respeitadas como clubes, sustentadas por sócios que pagavam regularmente suas mensalidades simbólicas como membro de determinado time com nomes pomposos como Marítimo, Canto do Rio, Grêmio Itororó, Flor do Itaim, Marechal, Cruz Vermelha, Vila Olímpia, e tantos que fizeram parte da várzea paulistana de norte ao sul de leste a oeste e hoje perdem estes espaços de confraternização comunitária do esporte amador.

Estes mesmos operários que construíram a moderna de São Paulo foram aos poucos deslocados para outras áreas devido à pujança desta Grande Capital. Deste modo o futebol de várzea não morreu, mudou de lugar pelos interesses do futebol amador assegurando seu próprio ritmo a participação popular, refletindo sua cultura constituindo estes valores de participação esportiva da periferia.

A “identidade nacional”, o futebol, é o único modelo de ascensão de craques dos campos de “peladas”, malnutridos, mal instruídos, mas bons de bola. Não foram construídos nos laboratórios dos clubes modernos, mas desceram dos morros para ser lapidados e vender alegria, embora muitas vezes estes pouquíssimos atletas sejam verdadeiros produtos de grande valor financeiro, mercadorias, que serão copiadas e vendidas na metrópole de São Paulo e tantas outras capitais de expansionismo do futebol moderno.

O “Clube do Mé” tornou-se Parque do Povo, na Cidade Jardim, Marginal Pinheiros, e deve receber um monumento: “Os Trabalhadores”. Conjunto idealizado pelo escultor Galileo Emendabili (1898-1974) que ornamentou São Paulo também com o “Obelisco de 32”, integrado ao Ibirapuera, ou com o grandioso monumento em homenagem a Ramos de Azevedo, na Cidade Universitária, próximo ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas e “As Musas”, no Museu da Casa Brasileira. “Os Trabalhadores” foi obra pedida por Ciccillo Matarazzo, industrial e grande incentivador das artes, que presidia a comissão organizadora do IV Centenário (1954), para ser erguido no Ibirapuera por ocasião de sua inauguração, e que após meio século poderá integrar e representar aqueles heróis anônimos que construíram São Paulo: “Os Trabalhadores”.

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