História original publicada em 06/02/2008 em São Paulo Minha Cidade
O futebol de várzea paulistana tornou-se área de concentração de convívio de participação
coletiva dentro de um espaço de pouco valor, por ser de várzea com muitos
alagados provenientes em tempos das cheias nas margens do principal rio de São
Paulo, o Tietê, alimentado por afluentes que tiveram grande importância para a
cidade de São Paulo, como os rios Pinheiros e Tamanduateí, usados num primeiro
instante como transporte. Em suas margens foram criados os clubes de regatas
como o Tietê, Espéria, Ipiranga e tantos outros que tinham o rio como a meta
principal das disputas ou como simples navegação de lazer.
Em
suas margens muitas pessoas exerciam outras atividades, como a pesca, além da
extração de areia, transportada por carroções fechados, atrelados com “pareias”
de animais para a construção da cidade.
Nestas
mesmas margens de várzea destes rios, nasceu o futebol de várzea em alusão as áreas
dos rios, sendo por muito tempo o celeiro de grandes jogadores dos times da
capital e muitos representantes de clubes oficiais de futebol iam aos fins de
semana observar as disputas animadas e selecionar os que se sobressaíssem nas
“pelejas”. Havia o preconceito de quem, nos idos de 40, tivesse relações com o
esporte bretão, sendo taxados de vadios, preguiçosos ou vagabundos.
Do
outro lado dessa estrutura estava a indústria paulista em franca ascensão,
embora esta tardia industrialização não fosse uma “revolução”, pois as máquinas
vinham de países interessados em determinadas atividades fabris e o mundo
carecia de alta produção industrial e necessitava de mão de obra.
A
mão de obra foi formada por antigos chacareiros e plantadores de café vindos da
roça empurrados pela queda de produção no interior e deslocavam-se em direção à
Capital.
Este
proletariado incipiente precisava ser formado para exercer atividades de
torneiro mecânico, fresador, retificador, ajustador mecânico, mecânico de
manutenção, operador de tear, formados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, SENAI, escolas preparatórias de uma mão de obra urgente para
produção. As indústrias mantinham os grêmios esportivos apoiando a atividade
nos campos de futebol, apoiados pelo Estado que necessitava de aumento de
produção para seu crescimento e gerando os impostos de produtos
industrializados e os de circulação de mercadorias, que geravam meios de
sustentar o crescimento da cidade, com o operariado incentivado em adquirir
terrenos na periferia de São Paulo num raio mínimo de 20 km.
Cresciam
os campeonatos de várzea, verdadeiras disputas de casa cheia ao redor do
alambrado de madeira frágil onde os ídolos do futebol de várzea proporcionavam
verdadeiras disputas esportivas, muitas vezes copiadas, jogadas pelo
profissionalismo no moderno Pacaembu construído na década de 40.
O
custo para a participação desta atividade esportiva era baixo, pois o prazer
estava em discutir lances da peleja num boteco ao lado do campo, jogando
conversa fora para esquecer o trabalho árduo das fábricas e oficinas durante a
semana, verdadeiro tônico para recomeçar as atividades produtivas da
modernidade que tinha que chegar ao Brasil a todo o custo, com muito trabalho, salário-mínimo,
e pouca instrução.
O
“Clube do Mé”, de 1948, foi exemplo típico, da vontade popular de criar nestas
áreas de várzeas, verdadeiras agremiações de festivais de finais de semana, com
vários campos usados pelo futebol de várzea, ladeados por uma estrutura
invejável de agremiações respeitadas como clubes, sustentadas por sócios que
pagavam regularmente suas mensalidades simbólicas como membro de determinado
time com nomes pomposos como Marítimo, Canto do Rio, Grêmio Itororó, Flor do
Itaim, Marechal, Cruz Vermelha, Vila Olímpia, e tantos que fizeram parte da
várzea paulistana de norte ao sul de leste a oeste e hoje perdem estes espaços
de confraternização comunitária do esporte amador.
Estes
mesmos operários que construíram a moderna de São Paulo foram aos poucos
deslocados para outras áreas devido à pujança desta Grande Capital. Deste modo
o futebol de várzea não morreu, mudou de lugar pelos interesses do futebol
amador assegurando seu próprio ritmo a participação popular, refletindo sua
cultura constituindo estes valores de participação esportiva da periferia.
A
“identidade nacional”, o futebol, é o único modelo de ascensão de craques dos
campos de “peladas”, malnutridos, mal instruídos, mas bons de bola. Não foram
construídos nos laboratórios dos clubes modernos, mas desceram dos morros para
ser lapidados e vender alegria, embora muitas vezes estes pouquíssimos atletas
sejam verdadeiros produtos de grande valor financeiro, mercadorias, que serão
copiadas e vendidas na metrópole de São Paulo e tantas outras capitais de
expansionismo do futebol moderno.
O
“Clube do Mé” tornou-se Parque do Povo, na Cidade Jardim, Marginal Pinheiros, e
deve receber um monumento: “Os Trabalhadores”. Conjunto idealizado pelo
escultor Galileo Emendabili (1898-1974) que ornamentou São Paulo também com o
“Obelisco de 32”, integrado ao Ibirapuera, ou com o grandioso monumento em
homenagem a Ramos de Azevedo, na Cidade Universitária, próximo ao Instituto de
Pesquisas Tecnológicas e “As Musas”, no Museu da Casa Brasileira. “Os
Trabalhadores” foi obra pedida por Ciccillo Matarazzo, industrial e grande
incentivador das artes, que presidia a comissão organizadora do IV Centenário
(1954), para ser erguido no Ibirapuera por ocasião de sua inauguração, e que
após meio século poderá integrar e representar aqueles heróis anônimos que construíram
São Paulo: “Os Trabalhadores”.
Sem comentários:
Enviar um comentário