segunda-feira, 31 de maio de 2021

O Centenário de Santo Amaro e a Guerra Civil Paulista de 1932

UMA CIDADE SITIADA

A "Vila de Santo Amaro" expandia-se, sendo visitada até pelo maior urbanista francês Alfred Agache, respeitado mundialmente e que vinha à São Paulo convidado para reestruturar a cidade.  Seria recebido em Santo Amaro para um plano de remodelação urbana.

Santo Amaro possuía a superfície de 640 quilômetros quadrados, localizada a 713 metros do nível do mar. A Cidade de Santo Amaro era completada por lindas campinas cobertas por espessas matas, sendo o sul e o sudeste quase todo montanhoso, formado pela Serra da Conceição de Itanhaém, representada como a Serra do Mar do Atlântico, do Estado de São Paulo.

O "local é por demais aprazível, possuindo um clima muito salubre" o que lhe dá excelente reputação. Possui diversos rios, sendo os mais importantes o Jurubatuba e o Guarapiranga, que responsáveis, com outros afluentes, pela Represa “Velha” de Santo Amaro, projeto viável para implementação do desenvolvimento hidroelétrico através da companhia canadense "The São Paulo Tramway, Light & Power Company Limited", responsável pelo sistema de energia da Metrópole além da concessão das linhas de elétricos dos bondes da Capital Paulista.

Além do mencionado, a malha viária era ampliada para a comunicação com a capital paulista, consideradas excelentes estradas de rodagem, que através de proposta em 1927, da Auto Estradas Sociedade Anônima, formada por Luis Romero Sanson e seu sócio D.L. Derrom, que se fez representar junto a Câmara local, foi promulgada a Lei nº 61, de 2 de janeiro de 1928, concedendo o direito de exclusividade à exploração por 15 anos de "uma superfície revestida de concreto", ligando-se em 14 quilômetros com a capital até as Represas da Light, onde seria ainda construída uma estação balneária.

Deste modo foi também instituído pela Câmara, a lei número 67, de 7 de janeiro de 1930, criando a Diretoria Municipal de Obras e Viação para controle desta expansão.

Havia ainda a divisão eclesiástica, onde Santo Amaro possuía uma "maravilhosa parochia", sendo constituído, de há muito, por um belo monumento de fé que nos últimos tempos foi dotado de nave central, capela, sacristia e consistório, graças aos esforços do padre Luiz Ignácio Tacques Bittencourt, seguido pelo empreendedorismo dos padres Bento Ibanez e o vigário geral nomeado a partir de setembro de 1917, padre José Maria Fernandes.

A população local estava estimada, no início da década de 1930, em 25 mil habitantes, sendo que o município possui 5358 prédios em sua área urbana. Destes, podiam ser destacados a Sede da Prefeitura, luxuosamente adornado na Praça Floriano Peixoto com projeto civil apresentado pelo então prefeito, senhor Isaias Branco de Araujo que, logo após de seu mandato de 12 anos, foi substituído pelo senhor Paulo Goulart que, em solenidade realizada em 10 de janeiro de 1929, entregou o prédio junto com a representação da edilidade. Os dois andares, amplos e elegantes, preenchendo plenamente seus fins. Na "atualidade" ocupa tão importante cadeira o prefeito Francisco Ferreira Lopes.

Outra estrutura de real importância para o município, desde 1910, sem sombras de dúvidas era o "Grupo Escolar de Santo Amaro", que comportava a frequência de 750 estudantes, onde a direção tinha a responsabilidade do professor Rodrigues Rosa de Abreu.

Um dos prédios de grande valia para a saúde pública local, estava sob a responsabilidade da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro, concluída sua parte estrutural em 15 de dezembro de 1895, sendo seu primeiro benemérito o coronel Carlos da Silva Araujo e no mandato de 1931 a 1934 tinha-se o senhor José Abrantes como provedor.

Por iniciativa de abnegados da sociedade santamarense foi também fundada em 15 de agosto de 1931, a Assistência Social de Santo Amaro, na Rua Herculano de Freitas, nº 24, "phone" 208, destinada a prestar assistência médica cirúrgica, dentária e hospitalar aos menos favorecidos da região assumindo mais tarde a diretoria o senhor Waldemar Teixeira Pinto.

Para que a ordem fosse mantida, instalou-se à Praça Floriano Peixoto, nº 341, a Delegacia de Polícia tendo a frente a responsabilidade do delegado Dr. Pedro O'Reilly Souza, nomeado pela portaria de 13 de outubro de 1931 e auxiliado por um contingente formado por 12 praças, um “anspeçada” e um sargento provindo do 5º Batalhão de Caçadores de Polícia do Estado de São Paulo.

Completando este imobiliário, encontrava-se nas imediações da mesma Praça, nº 216, "phone" 96, o moderno Cine Teatro São Francisco, do ilustre empreendedor Francisco José Salles que buscava entreter através da cultura da arte cinematográfica os seus cidadãos, com espaço reservado para três mil lugares.

Outros prédios de relevância estavam neste entorno, citando-se o Matadouro Municipal, um tendal que abastecia a região com seus produtos distribuídos para várias localidades das cercanias e ainda mantinha relação com o Frigorífico Santo Amaro, o pioneiro de embutidos no país que enchia de orgulho e progresso a cidade de Santo Amaro.

Todo este empreendedorismo era completado por 1128 estabelecimentos devidamente registrados que forneciam uma gama de produtos de diversos ramos de ação. As indústrias estão distribuídas em vários segmentos e voltadas para a produção fabril de banha, arreios, fitas de seda, móveis, serraria, carpintaria, tapetes, capachos, oleados, sendo localizadas no perimetral da cidade e ainda havia uma lavoura em franco desenvolvimento na área rural. Santo Amaro estava ampliando o seu desenvolvimento, pois a cidadezinha de zona rural vastíssima via chegar a seus arrabaldes a prosperidade.

Em 10 de julho ocorreria o Primeiro Centenário da Cidade de Santo Amaro sendo que havia sido liberado um auxílio cinquenta contos de réis para os festejos. Realizar-se-ia imponentes realizações onde seria oficializada a abertura de grande Exposição-Feira organizada por contrato com Pedro Paulo Lanza e que seria apresentada no "Grupo Escolar Santo Amaro", que também receberia o nome de Paulo Eiró, nome requerido através de petição municipal ao governo estadual em 2 de julho. Além disso, haveria desfile cívico, esportivo militar e religioso, muita coisa foi montada para registrar para sempre o primeiro Centenário de Santo Amaro, até ópera seria apresentada por uma companhia lírica no Cine São Francisco, com o espetáculo "O Rigoletto", do compositor italiano Giuseppe Verdi.

ESTOURA A BOMBA: COMEÇA A GUERRA CIVIL!

Enquanto Santo Amaro preparava-se para comemorar seu primeiro centenário em 10 de julho de 1932, São Paulo levantava-se contra o arbítrio federal de governar o país ao seu bel prazer, sem restrições por parte do governante empossado pela revolução de 1930. Já haviam tombado os jovens na Praça da República, a 23 de maio de 1932 em nome da liberdade. Os sucedâneos foram inflamados até 9 de julho deste ano, quando São Paulo declarava guerra contra a ingovernabilidade do país. Alguns acreditam que as elites foram os que idealizaram esse movimento, mas pelas proporções alcançadas tinha iniciado uma guerra civil com participação de vários segmentos.

Em Santo Amaro, em festa, reinava o entusiasmo e a alegria. De repente cessa esse encantamento, sabendo que São Paulo requer o regime da legalidade pela Constituição regente dos destinos da Nação, assume seu compromisso de juntarem-se nas trincheiras e ninguém mais pensou na festa programada há muito.

A Comissão resolve à adesão ao movimento e contata o Governo de Pedro Manuel de Toledo que os encaminha ao coronel Euclydes de Figueiredo, inquirindo o que desejavam. A resposta imediata: "Armas e Munição". Neste momento estava formada a "Companhia Isolada do Exército de Santo Amaro" sob o comando do Tenente Moupir Monteiro e do tenente Luís Martins de Araújo, e o “smoking” de festa foi substituído pela farda de combatente, de 300 homens em efetivo, reportando-se ao comandante da Praça de Santos, o coronel Melo Matos.

Os acontecimentos levaram o governo federal a bombardear São Paulo constantemente com os WACO, os temíveis aviões Vermelhinhos, onde os heróis combatiam no intento de conseguir que fossem reconhecidos direitos contrários a quaisquer ditaduras implantadas. São Paulo não se rendia e combateria sozinho em todas as frentes de norte a sul.

Os soldados de Santo Amaro foram responsáveis pelo litoral de Cananéia a Xiririca, local onde tombou Delmiro Sampaio, única baixa santamarense, adentrando depois pelo Paraná. Após o armistício retornaram as suas bases, em 12 de outubro de 1932. As retaliações foram imediatas e pelo decreto nº 6983, Getúlio Vargas insere um interventor em 1935, Armando de Salles Oliveira, para melhor governar o estado insurgente, sendo logo em seguida promulgada a mais efêmera constituição, de 1934 a 1937, pela qual São Paulo tanto se batera contra a ditadura. Santo Amaro perdia deste modo sua autonomia em 1935 e que tanto orgulhou pelo seu empreendedorismo.

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