Berço do pioneirismo Automobilístico
brasileiro
A cidade de São Paulo possuía
em 1908 uma população de 400 mil
habitantes e crescia vertiginosamente. A época o Secretário da Justiça e
Segurança Publica, Washington Luis, adepto do “novo” sistema de transporte o
automóvel, descobria trajetos passeando de um lugar a outro chegando a Santo
Amaro seguindo depois para Itapecerica, (que ganharia o nome Serra em 1944) e
depois M’ Boy (Embu das Artes) atingindo A Vila de Pinheiros, na capital. Entra
em contato com o prefeito Barão Raimundo Duprat que autoriza restauro de
algumas vias e caminhos de São Paulo, pois esses caminhos antes eram de difícil
acesso e pela precariedade dessas estradas que vez ou outra os veículos eram
rebocados por juntas de bois para saírem dos atolamentos. Deste modo, por
insistência de Washington Luís implantou-se o Circuito de Itapecerica com apoio
do secretário da agricultura Candido Rodrigues e do engenheiro Clóvis Glicério
que possuía conhecimentos adquiridos nos Estados Unidos em manutenção de
sistemas rodoviários, sendo que a cidade de São Paulo ganhava ao mesmo tempo, também,
novos calçamentos.
Palacete Matinico Prado-início do século 20
Palacete Matinico Prado-início do século 20
Palacete Matinico Prado-início do século 21
Em 1908 reúne-se em uma
das salas da casa de Martinico Prado, no antigo Largo do Rosário, atualmente
Praça Antonio Prado, os senhores Antonio Prado Junior, Silvio Álvares Penteado,
José Paulino Nogueira Filho, Numa de Oliveira, e Clóvis Glicério para ouvirem Washington
Luís, para inserirem um sonho de implantar uma corrida de automóveis em São
Paulo.
Em 11 de junho de 1908
é fundado Automóvel Clube de São Paulo,
para reunir o comitê para organizar a primeira corrida automotiva da América do
Sul. Faziam parte do grupo neste dia os senhores Antonio Prado Junior, Silvio
Álvares Penteado e Clóvis Glicério, com o intuito de ser marcada a data 14 de
julho, em homenagem a data comemorativa da Festa da Federação de França, pátria
mãe do automobilismo.
Elaborou-se o
regulamento da prova onde constava:
1-Inscrições: Feitas na
sede provisória do Automóvel Clube de São Paulo, casa de Martinico Prado, sala
nº 7.
2-A inscrição será
feita pela soma de 50$000 para motocicletas e 100$000 para todas as categorias
de automóveis.
3- Categorias:
A
- Motocicletas;
B
– Voiturettes[1],
veículos leves de 8 a 9 cavalos;
C
– Automóveis com alésage (diâmetro dos
cilindros) de 119 mm que compreende motores de 20 a 30 cavalos de potência;
D
- Automóveis com alésage de 120 a 125 milímetros que compreende motores de 40
cavalos de potência;
E
- Automóveis cujo alésage excede 125 milímetros com motores de 45 cavalos de
potência;
As inscrições por cada
veículo foi de 25$000(réis) e por motocicleta apenas 10$. No Parque Antártica
havia uma numerosíssima platéia que pagava 2$000(réis) para assistirem a
largada do evento. Havia ainda na antiga Galeria
Cruzeiro e Galeria de Cristal venda de “poules” de apostas acumuladas.
A
GRANDE CORRIDA: 26 de julho de 1908
Todos confluíam para o
mesmo ponto, os bondes elétricos estão apinhados de passageiros, da Lapa, Perdizes
e Barra Funda os moradores resolvem irem a pé ou de bicicletas. Os mais
abastados usam seus veículos motorizados de marcas variadas, francesas, alemãs,
italianas, inglesas e americanas. Entre eles dois motorizados chamam a atenção
dos transeuntes: um é o “touring tour” da Light and Power, o único automóvel
elétrico de São Paulo, com potência de 15 cavalos; o outro é o Dumont, o único
veículo do mundo que leva na marca o nome do ilustre brasileiro, lançado pela
Columbus Motor Vehicle Co. de Columbia, Ohio. Pertence à empresa Ferreira &
Saraiva, de São Paulo, é um “phaeton” de 24 cavalos de potência. Muitos não
possuem condições para ver a largada da prova assim eles se deslocam ao longo
do circuito, principalmente pela Avenida Paulista e Municipal, atual Doutor Arnaldo, e na Rua Cerqueira Cesar, hoje a Rua Teodoro
Sampaio, em direção a Pinheiros, na saída da cidade de São Paulo. Tudo isso é
controlado por um contingente elevado de 450 homens do 1º Batalhão da Força
Pública no percurso da cidade, auxiliados pelos corneteiros que ficam em locais
de maior influência de populares que tocam anunciando a passagem de cada
corredor da prova.
No trajeto estão
postados auxiliares da prova com bandeiras de emergência sendo a amarela para
sinalizar eventuais perigos eminentes onde cada piloto deve diminuir a marcha,
e não se pode tentar a ultrapassagem, as bandeiras vermelhas é sinal de parada
imediata e as bandeiras verdes sinaliza campo aberto sem perigo algum, copiando
o primeiro “rally” de Targa Florio, na Itália, em 1906.
O abastecimento seria feito
antes da largada e os tanques teriam combustível suficiente para o percurso
idealizado, mas mesmo assim haveria latas de gasolina das companhias de
petróleo francesas e americanas com o custo aproximado de 450 réis o litro.
O circuito era
apresentado como um itinerário fechado, sendo o ponto principal na capital
paulista, e que tem como principais pontos de passagem a cidade satélite de
Santo Amaro, a de Itapecerica, o Convento-Igreja do Embu, e o prospero bairro
de Pinheiros. O trajeto de pouco mais de 70 quilômetros e os melhoramentos implantados
serão para os inscritos do evento “um passeio predileto para os automobilistas e
motociclistas”.
Em 26 de junho de 1908
seria preparado o primeiro rally de automóvel competitivo em São Paulo, corrida
esta idealizada pelo Automóvel Clube de São Paulo, e seria o grande fato de
comentários das rodas sociais. A aglomeração estava concentrada nas avenidas
Paulista, Rua Taylor e Avenida Antarctica.
Tudo preparado para a
1º prova automobilística da America do Sul, os juízes Plínio da Silva Prado,
Luís Fonseca e Francisco Gama Junior estavam a postos além dos cronometristas
Edgard Conceição, Mário Cardim, Guilherme Rubião e Antonio Pederneiras estavam
com seus tempos acertados para o início
da prova, e a largada será dada pelo presidente do Automóvel Club de São Paulo,
Antonio da Silva Prado e que será iniciada as 12 horas e 55 minutos por George
Haentjens, com o seu Lorraine Detrich, de 60 cavalos,o único carro inscrito na categoria
E, com mais de 45 cavalos. Às 13:00 horas partiu Gastão de Almeida com outro
Lorraine Detrich, categoria D, de 40 cavalos. Deste modo parte um a um com uma
defasagem de 5 a 8 minutos, dependendo da categoria, tempo suficiente para
assentar a poeira levantada por cada veiculo que partia na disputa. Quando o último voiturette se prepara para
partir, estando no volante Ferrucio Olivieri, no Lion Pegeuot, categoria B,
ouve-se o barulho do motor do carro de 60 cavalos, o Lorraine Detrich de George Haentjens, que
entra no Parque Antártica, terminado a prova as 14 hora, 26 minutos e 56
segundos, fazendo o percurso em 1 hora, 31’ e 55”, percorrendo 75
quilômetros com um velocidade média de
48 Km e 900 metros.
Por ultimo saem as
motocicletas Griffon de Eduardo Nielsen e Procópio Ferraz. Havia uma terceira
de João Rosas, mas que resolve não correr. Assim todos saíram para a
competição.São 14 horas e 34 minutos.
Das peripécias de
nossos pilotos ainda tiveram que enfrentar dificuldades não previstas como o
furto de um pneumático do senhor Alípio Borba. O senhor Oswaldo Sampaio teve
dificuldades com seus pneumáticos, mas completou o circuito do Itapecerica em 2
horas, 41 minutos e 54 segundos!
O senhor Ricardo Vilela
teve complicações com sua bomba d’água e na cidade de Itapecerica da Serra
interrompe4u sua participação por aquecimento excessivo dos cilindros.
Todo o circuito para
evitar surpresas desagradáveis foi percorrido pelos responsáveis da prova
supervisionados pelo coronel Bento Canavarro por ordem da diretoria do
Automóvel Clube de São Paulo que através de congratulações ofertou banquete
ofertado aos membros do Automóvel Club do Brasil, em estima aos concorrentes fluminenses.
Tal recepção foi presidida pelos senhores Ramos de Azevedo, representando o
Automóvel Clube de São Paulo, do qual é vice-presidente, sendo ladeado pelos
senhores Washington Luis e Aarão Reis, acompanhado pelo prefeito municipal
interino Barão Raymundo Duprat, sentida a ausência do dr Antonio Candido
Rodrigues, e uma comitiva representativa seguidos dos senhores Hernani Pinto,
Joaquim Prates, Luiz Fonseca, Antonio Prado Junior, Luiz Prado, Gastão de Almeida,
Numa de Oliveira, Aarão Reis Filho, Oswaldo Sampaio, Sá Rocha, representante do
“Correio Paulistano”, Rocha Gomes, do “Diário do Comercio”, do Rio: dr Eduardo
Faria e A. Bommer. A esquerda do dr. Washington Luis, estiveram a cerimônia os
senhores S. Moraes, José Paulino
Nogueira Filho, Sylvio Penteado, dr Clóvis Glicério, dr. Paulo Prado, Alípio
Borba, Alexandre Mendonça, G. C. Alexanderson, Plínio Prado, Procópio Ferraz,
Mario Cardim, José Prates, E. Nielsen, F. Olivieri e F. Otte. Seguia a este
banquete orquestra com peças muito bem escolhidas.
O senhor Rocha Gomes,
em nome da imprensa do Rio e São Paulo brindou a prosperidade dos dois clubes e
que foi seguido de um blinde a São Paulo na pessoa do Dr. Washington Luis e ao
Barão Raymundo Duprat . Seguiu-se depois brilhante comitiva a via férrea da
Light para assentar-se em carro de luxo, o mais importante carro da estrada de
ferro, partido às 9:30 horas da estação.
O presidente de São
Paulo, Antonio Prado, estando em viagem a Europa, enviou congratulações ao
evento da corrida para o Automóvel Club de São Paulo
.
Quadro dos concorrentes
à primeira corrida de automóveis-Circuito de Itapecerica
Nº1 George Haentjens,
auto Lorraine Detrich, categoria E, mais de 45 cavalos.
Nº2 Gastão de Almeida, auto Lorraine Detrich,
categoria D (Rio de Janeiro)
Nº4 Sylvio Penteado,
auto Fiat, categoria D-
Nº5 Osvaldo Sampaio, auto Fiat, categoria D
Nº6 Alípio Borba, auto Diato Clement, categoria C
Nº7 Jordano laport, auto
Renault, categoria C (Rio de Janeiro)
Nº8 Paulo Prado, auto
Berliet, categoria C
Nº9 Luís Moraes, auto
Bayard Clement, categoria C (Rio de Janeiro)
Nº18 B. Fúlvio, auto
Diato Clement, categoria C
Nº19 Frederico Otto, auto
N.A.G., categoria C (Rio de Janeiro)
Nº11 Antonio PRADO
Júnior, auto Delage, categoria B
Nº12 José Prates, auto
Lion Pegeuot, categoria B
Nº14 Ferrucio Olivieri,
auto Lion Pegeuot, categoria B
Nº15 Procópio Ferraz, motocicleta
francesa Griffon, categoria A
Nº12 Eduardo. Nielsen, motocicleta
francesa Griffon, categoria A
Todos estavam equipados
com pneumáticos Pirelli.
Depois de um trajeto
pelo leito empoeirado com rampas e curvas o Sr Prado Junior completava todo o
circuito em “apenas” 2 horas e 10 minutos, numa “voiturette” (barata) da marca
francesa “Delage”.
Era um verdadeiro
frenesi quando Sylvio Penteado passava com velocidade impressionante para a
época de mais de 50 Km/h, de volta do circuito e se aproximava do cruzamento da
Avenida Paulista co a Rua da Consolação, em direção ao Hospital de Isolamento
(Emilio Ribas denominação desde 1932 e fundado em 1880) em direção a Rua
Taylor. Era seguido por George Haentjens e Gastão de Almeida ases da melhor
estirpe do momento, desciam o vale em fantástica velocidade e aonde o senhor Gastão
de Almeida vinha com chances de vencer, pois em Santo Amaro mantinha uma
diferença de 5 minutos em relação ao segundo colocado Sylvio Penteado. Seu
carro vinha com problemas no deposito de óleo do Lorraine Detrich e por este
motivo foi obrigado a parar. Superou o problema e completou o percurso com o
tempo 1h 57min 45seg, chegando às 14 h 57min 45seg
Outro exemplar Delage Voiturette
Fiat do Conde Sylvio Penteado no Circuito de Itapecerica em 1908
Outro exemplar Delage Voiturette
Fiat do Conde Sylvio Penteado no Circuito de Itapecerica em 1908
Na corrida, que teve início
no Parque Antártica, tomaram parte somente amadores, cujos prêmios eram objetos
de arte e medalhas. Coube ao Fiat do Conde Sylvio Penteado, na classe D, a
categoria de maior força, lograr o mérito de ganhar a prova com o tempo de 1h 30min
05 segundos.
Houve toda a estrutura
compatível a um grande evento sendo a competição assessorada por um serviço
médico chefiado pelo doutor Arnaldo Vieira de Carvalho.
Resultado
da prova:
Categoria A (motocicletas)
1) Eduardo Nielsen (SP) - Griffon 1:54':48"
Categoria B (voiturettes
de 8-9hp)
1) Antonio Prado Júnior (SP) Delage 2:05':15"
2) Ferrucio Olivieri (SP) Lion-Peugeot 2:05':15"
3) José Prates (SP) Lion-Peugeot 2:30':33"
4) Alípio Borba (SP) Diatto-Clément 2:05':53"
5) Frederico Otto (RJ) NAG 2:18':55"
Categoria C (20-30hp)
1) Jordano Laport (RJ) Renault 1:45':04"
2) Paulo Prado (SP) Berliet 1:51': 28"
3) Alípio Borba (SP) Diatto-Clément 2:05': 53"
4) Frederico Otto (RJ) NAG 2:18':55"
5) Luís Moraes (RJ) Bayard-Clément 2:49':23"
Categoria D (40hp)
1) Sylvio Alvares Penteado (SP) Fiat 1:30':05"
2) Gastão de Almeida (RJ) Lorraine-Dietrich 1:57':45"
3) Oswaldo Sampaio (SP) Fiat 2:41':54"
Categoria E (mais de 45hp-ÚNICO COPETIDOR DESTA
CATEGORIA)
1) Jorge Haentjens (RJ) Lorraine-Dietrich 60hp (walk-over)
1:31':55"
Bibliografia:
CIRCUITO DE ITAPECERICA
- A GRANDE CORRIDA O Estado de São Paulo de 28 de julho de 1908
CIRCUITO DE ITAPECERICA
- O Estado de São Paulo de 28 de novembro de 1952
O Estado de São Paulo de
27 de julho de 1908 (TABELA)
Vergniaud Calazans Gonçalves,
"A Primeira Corrida na América do Sul", Ed. Empresa das Artes, 1988,
São Paulo.
Dois cineastas fizeram imagens
deste evento, um deles era G. Sarracino e o outro Antonio Leal. Atualmente as
reproduções (fotogramas) são usadas para ilustração deste momento histórico.
[1] Os voiturettes eram veículos leves
dotados de motor de baixa potência, geralmente para duas pessoas e usado em
caminhos difíceis, que foram usados em competições de rua, sendo mais barato do
que os carros maiores. Os fabricantes construiam chassi
mais leve, dando aos voiturettes capacidade para instalção de maiores motores
de competição, embora os mesmos ainda possuiam baixa potência. Anterior ao
Circuito de Itapecerica houve quatro eventos de voiturette em 1908, dois na
Itália (ganho por Lion-Peugeot do Guippone e duas na França, o Grand Prix des Voiturettes, vencido por Delage do Guyot e o
Coupe de L'Auto, que admitia desde então
carros de quatro cilindros, restringindo o seu tamanho de pistão em 65 mm e
novamente impôs limites de peso máximo até 650 kg.
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