Vila Nova
Conceição, antiga periferia de São Paulo
VILA NOVA CONCEIÇÃO: LOCAL DA ESCOLA IMPLANTADA EM 1944(AO FUNDO IGREJA SÃO DIMAS NA RUA DOMINGUES FERNANDES) - Foto: Oswaldo Valente
O movimento das cidades
obriga o deslocamento (constante) de antigos moradores, que formaram o núcleo dos
nascedouros de vários bairros periféricos de São Paulo, e que foram responsáveis
pelo desenvolvimento local criando o primeiro contorno das relações sociais
entre grupos étnicos diferentes, mas semelhantes nas necessidades.
Há todo um decretar dos
gabinetes do poder do Estado, que determinam onde e quando se deve expandir
determinada área física da cidade e “fabricar condições” que obriguem a
"identidade enraizada" por longo tempo de “pertencimento” local a se deslocar de onde já
existia certo vínculo de relação de comprometimento entre os seus habitantes originais,
e que de certa maneira cooperavam entre si nas moradias, poços d’água, roçados,
caminhos que originaram depois as ruas oficiais, e outras necessidades
pertinentes, contornando deste modo as carências locais.
CHÁCARA NA RUA JACQUES FELIX NA VILA NOVA CONCEIÇÃO/SP
CHÁCARA "HOJE"
Este ciclo de
deslocamento de grupos de um local a outro demanda(va) algumas décadas para
serem considerados regularizados, fomentando "contratos de compra e venda" de sustentação cartorial de registro com
uma estrutura criada por “terreiristas”
que não registravam estes loteamentos, dificultando as escrituras definitivas. Por outro lado isto fornecia um cenário que
fortalecia o interesse por parte do poder de apoderar-se das áreas de
interesse do desenvolvimento “urbano” ampliando seus tentáculos nos espaços “suburbanos”,
determinando qual o modelo que compete seguir para ampliação da cidade. Resulta
nesse modelo viciado, uma série de
medidas administrativas impostas de valorização que redigida através das
câmaras administrativas, elaboram os decretos leis necessários para o
empreendimento que se quer implantar. A periferia não tem, dentro do plano
diretor da cidade, um planejamento de ocupação do espaço geográfico.
Vamos exemplificar
observando todo este processo de deslocamento da cidade naquilo que anteriormente
eram chácaras e sítios de subsistência e de abastecimento do núcleo da cidade de
São Paulo e que seus antigos proprietários ou arrendadores são obrigados a se deslocarem para outras áreas físicas buscando outro espaço para as
suas necessidades de subsistência, pois agem sobre estes as políticas públicas e financeiras em detrimento do social, este último sempre à
margem da Metrópole. Tomemos um exemplo prático, de bairros avizinhados da
capital paulista:
Em 1944 no bairro da
Vila Nova Conceição, na época periferia de São Paulo, hoje área urbana “gentrificada”, enobrecida por uma
série de transformações, moravam muitos operários que davam suporte de
mão de obra, de pouca qualificação, ao desenvolvimento da cidade e ali residiam, pedreiros, padeiros,
feirantes, carroceiros, jardineiros, cozinheiras, e uma gama de outros ofícios
que por sua vez alimentavam com seus serviços as regiões dos Jardins, e outros
assemelhados bairros planejados por grupos de expansão imobiliária com
conhecimento de arquitetura proveniente da Europa, tendo como exemplo deste
modelo a Cia City[1],
que depois ampliou sua participação para, por exemplo, Santo Amaro (Campo Grande, próximos a
Interlagos) local tipicamente ocupado por imigrantes que se organizaram e se miscigenaram
com a estrutura anterior de caboclos da região.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: CASAS DE MADEIRA E CRIAÇÃO DE PEQUENOS ANIMAIS
Na Vila Nova Conceição,
separada do Itaim Bibi, pela Avenida Santo Amaro, havia a necessidade mínima em
se manter estes servidores braçais e para isso foi determinado por decreto-lei
a construção de uma escola infantil, para toda “prole” deste proletariado, mão
de obra usada na expansão de São Paulo. Assim em 1944 se determinava a prefeitura
de São Paulo:
IGREJA SÃO DIMAS: HOJE
Decreto
nº 532, de 21 de agosto de 1944
Declara
de utilidade publica áreas de terreno necessárias à construção e instalações
destinadas à educação infantil.
O
prefeito do município de São Paulo, usando de suas atribuições na conformidade
do disposto no artigo 6º do decreto-lei federal nº 3.365, de 21 de junho de
1941,
Decreta:
Art.
1º - Ficam declaradas de utilidade pública, para o fim de serem desapropriados
judicialmente ou mediante acordo, os imóveis situados na quadra compreendida
entre as ruas Braz Cardoso, Jacques Felix, Domingos Fernandes e Domingos Leme,
figuradas na planta anexa, devidamente rubricada pelo Prefeito, e necessárias à
construção e instalações destinadas à educação infantil.
Art.
2º - É de natureza urgente a desapropriação de que trata o presente decreto, de
acordo com o disposto no artigo 15 do citado decreto-lei nº 3.365, de 21 de
junho de 1941.
Art.
3º - As despesas com a execução do presente decreto ocorrerão por conta de verba
própria (n. 99-8392) do orçamento vigente.
Art.
4º - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário.
Prefeitura
do Município de São Paulo, 21 de junho de 1941,, 391º da fundação de São Paulo.
O
Prefeito
Francisco
Prestes Maia
O
Diretor Subst. do Departamento do Expediente e do Pessoal
Paulo
Teixeira Nogueira
O
Diretor do Departamento de Obras Públicas
João
Florence de Ulhôa Cintra
Pelo
Diretor do Departamento Jurídico
J.
Avila D. Junqueira
Com o tempo a cidade
foi se transformando e expandindo, necessitando de novas áreas para que o setor
imobiliário ampliasse a demanda de procura e oferta por moradia ou escritórios de
serviços. A cidade ainda não requeria grandes edificações e a maioria das
residências eram térreas ou assobradadas, numa conformidade horizontal.
Estes decretos leis são
aplicados como instrumentos administrativos que possibilitam dar legitimidade
no que deve tramitar dentro dos interesses da cidade. Assim uma área considerada
de interesse público, mas que deve ser vista mais como de interesse
imobiliário, ganha conotação de prioritário e as demandas do Estado são por
consenso através de acordo ou por ação judicial.
O documento acima (Decreto nº 532, de 21 de agosto de 1944) originou
a “Escola Estadual Martim Francisco”, onde muitos jovens estudaram e eram
filhos dos trabalhadores que viviam na “periferia” paulistana de Vila Nova Conceição.
Há poucas décadas
existiam espaços vazios no referido bairro, onde proliferavam campos de
futebol, o lazer mais comum das áreas onde se concentravam o maior número de
operários, mas depois houve uma demanda grande de áreas pelo setor imobiliário que
resultou na ocupação destas áreas de várzea, havendo deslocamento de um
contingente de artífices para Santo Amaro, e que foi usado como força de
trabalho nas indústrias locais, em franca expansão, resultando numa gama grande
de novos bairros oriundo deste deslocamento, dessa massa de “exército de reserva
de mão de obra” que residiam na região do Itaim Bibi e Vila Nova Conceição. Não
havia implantação de infra-estrutura básica nestes novos bairros implantados na
região de Santo Amaro, como água canalizada, energia elétrica, esgoto além de escolas secundárias, hospitais, áreas lúdicas,
transporte, obrigando a população a se organizar em Sociedades Amigos de
Bairros, mas também controlada pelo poder público, que dava apenas o mínimo de
sustentabilidade local nestes loteamentos, com por exemplo "arruamentos", sendo que estes locais tornavam-se também “curral político”, fomentado pela
barganha do voto.
Assim se formaram muitos
dos bairros operários que em poucas décadas foram transformados em espaços
de interesse dos grandes investimentos imobiliários, onde residirão (ou residem) um
contingente que não possui vinculo algum com o local, apenas adquiriram um bem
patrimonial para valorização futura, não possuindo história com o novo habitat.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: FREI JUSTINO APOIO SOCIAL - Foto: Oswaldo Valente
Voltemos ao documento
que originou a escola estadual na Vila Nova
Conceição, implantada em um terreno municipal (veja acima
o decreto-lei de 1944). Esta escola tornou-se “vilã do progresso”, pois
fora implantada em terreno atualmente super valorizado
de 10 mil metros quadrados onde apartamentos, não mais casas, mas uma
verticalização constante, são vendidos
na região por até R$ 5,5 milhões.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: ÁREA VALORIZADA DE INTERESSE IMOBILIÁRIO
Esta área está avaliada em mais de R$ 30 milhões, são a cobiça financeira de empreendedores
imobiliários de certos grupos empresariais que queriam barganhar esta área valorizada
financeiramente por outra área próxima da periferia da cidade, até em outro
município vizinho, em acerto com o governo estadual e municipal, onde se
construiriam conjuntos habitacionais para pessoas de baixa renda, quem sabe,
hipoteticamente, filhos, ou netos dos antigos operários da antiga periferia de
São Paulo, a Vila Nova Conceição.
VILA NOVA HOJE: O CAPITALISMO VIVE DE SUA PRÓPRIA DESTRUIÇÃO
As sutilezas do Estado para
que haja ocupação de área física pelos investidores imobiliários, criou-se na atualidade as
parcerias entre ambos originando a CEPAC,
Certificados de Potencial Adicional de Construção, criada
para investimentos públicos em áreas de interesse de mercado, ou seja, onde
esta sendo implantado o investimento imobiliário, valorizando mais ainda estas áreas,
estes títulos são “leiloados” pela Bovespa, e serão aplicados em áreas de
interesse do investidor, jamais estes recursos serão aplicados para melhorias
da periferia de São Paulo[2].
[1] A City of São Paulo Improvements and Freehold Land
Company Limited foi fundada
em 1912, e ficou conhecida com o nome de Companhia City, urbanizando vários
bairros de São Paulo, adquirindo áreas da “Freguesia da Consolação” sendo
responsável também pela implantação de muitos projetos nas várzeas paulistana.
[2] UMA
PONTE PARA A ESPECULAÇÃO- ou a arte da renda na montagem de uma “cidade global”-Mariana
Fix, arquiteta e urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP