“RETÁBULOS PEREGRINOS”
No hodierno os vínculos da História de Santo Amaro com a sua origem caipira, vão, aos poucos, perdendo suas características. A linha 5 do metrô amplia-se pela região sul de São Paulo, expandindo-se para a chácara Klabin, transformando toda a região. A Matriz de Santo Amaro, marco símbolo, tornou-se diocese desmembrada há 20 anos da Arquidiocese de São Paulo, está em recuperação em suas pinturas sacras e na alvenaria e reboco.
Logicamente a amplitude de estudos de uma parte da historiografia adormecida atingiu trabalhos de outros pesquisadores anteriores que registraram retábulos expostos no Museu de Arte Sacra e representados na arte de Miguelzinho Dutra, além da imagem de Cristo crucificado em marfim e algumas peças religiosas em prata, como os ostensórios, auréola, e as imagens sacras, inclusive de São Bento, expostos na Sala Santo Amaro, no Museu de Artes Sacras de São Paulo.
ACERVO DO MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO PAULO
Ao Mosteiro da Luz dos Campos do Guaré, em 1603 foi trazida a imagem de Nossa Senhora da Luz, às margens do Rio Anhembi nos Campos do Guaré, hoje Bairro da Luz.
Em 1918, D. Duarte Leopoldo e Silva, para perpetuar e conservar o acervo reuniu objetos sacros pelo interior de várias paróquias de São Paulo pela sua freguesia e enviou peças sacras ao extinto Museu de Arte Sacra da Cúria Metropolitana, permanecendo no local até 1970.
Este acervo foi sendo formado e ampliado com peças dos séculos 17 e 18, muitas até do interior do Brasil, sendo considerado um dos mais completos museus do país no gênero, compondo de aproximadamente 1.500 unidades, ampliado ainda com doações particulares e de aquisições de provimentos do Conselho Estadual de Cultura.
O Museu de Arte Sacra foi celebrado entre o Governo do Estado e a Mitra Diocesana de São Paulo pelo Decreto de 28 de outubro de 1969 onde foi criado o Museu de Arte Sacra de São Paulo, onde se acolheu o acervo no Mosteiro da Luz (dos Campos do Guaré).
Coube ao Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Agnelo Rossi a empreitada do assentamento de caráter permanente, pois o acervo era apresentado em exposições itinerantes desde os tempos de Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta.
A REFORMA DA MATRIZ DE SANTO AMARO
A antiga Matriz de Santo Amaro, erigida em 1686, aparece em desenho* de Miguelzinho Dutra, feito na década do ano de 1840 representada com a torre do campanário separada do corpo da igreja, comum no primeiro período colonial. (Vide nota: carece de fonte)
“Dois documentos reveladores: Quanto ao processo de “destruição” e reconstrução por que passa(va) a igreja, vemos que em agosto de 1903 é aprovada por unanimidade a proposta de reforma de Alfredo Formigoni. Encontramos, de 1911, um inventário pormenorizado elaborado pelo pároco da igreja, datado de julho, ocasião em que arrola imagens da Paróquia, colocando em primeiro lugar aquela da devoção da cidade, Santo Amaro, entre outras, como a de São Benedito e São Bento, a penúltima mencionada por Mário de Andrade e a última registrada na foto enviada ao IPHAN em 1937.
O curioso é que ao realizar este inventário da igreja há referência direta a “Três altares colados e dois no depósito, sendo os dois da Matriz Velha. Trinta de quatro palmas, sendo vinte e seis de diversas côres e oito pequenas”. Que significará a palavra “colados”? De todos os modos já poderíamos deduzir, através deste recenseamento, que provavelmente os “dois da Matriz Velha” são os que, ora restaurados, nos ocupam nestas reflexões, já se achando em depósito em 1911, e, portanto, não mais no recinto da igreja.
Fato é que o mistério dos dois altares de Santo Amaro talvez tenha sido desvendado ao encontrarmos, no Arquivo da Cúria o “Provimento de Visita” de D. Duarte Leopoldo e Silva, à Paróquia de Santo Amaro em 1909. Nele, depois de introdução à sua visitação, o arcebispo, de maneira contundente e crítica, se refere ao estado da igreja e seus altares e devoções, narrando em seu item 5 que: “ O Altar-mór, todo de estuque ou de tijolos (...), sem estilo, sem arte e sem gosto, exige reforma completa. Será mais conveniente substituí-lo pelo primitivo, todo de talha, que ainda se encontra em todas as suas peças, bem que desarmado...” (Documento enviado ao Arcebispo, 22/04/1910.)”
(Amaral, 2005)
ALTARES
Outro detalhe importante recolher imagens e fazer a relação das duas cidades, São Paulo e Santo Amaro, que após 1935 passou a integrar o território da Metrópole paulista, são as obras expostas no Museu de Arte Sacra, onde se destacam os dois retábulos de Santo Amaro que embora mantenham semelhanças são originalmente distintos nas talhas, havendo nisso citação de Germain Bazin das obras reunidas pelo arcebispo dom Duarte Leopoldo e Silva:
“A matriz, reconstruída, de Santo Amaro, nos mostra hoje dois altares laterais do estilo João V, fitomorfo, sem uso de rocaille. Mas são apenas fragmentos, mal remontados; um deles foi dotado de um ornamento rococó enquadrando a tribuna, que deve proceder de outro altar; quanto ao outro, foi remontado ao contrário das volutas que coroam os piedroits.” (Bazin, 1956,p.304).
No Catalogo do Museu de Arte Sacra de São Paulo há a citação do retábulo em ficha de tombo número 1282, página 203, com foto em preto e branco na página 253, que no catálogo foi revelada com negativo invertido, descreve:
“Colunas e arcadas de altar, madeira policromada, século XVIII, com as dimensões de 2880 mm de altura por 2230 mm de largura. Trabalho completo de talha barroca, com desenhos esculpidos de anjos, querubins, galos, pelicanos, conchóides, folhagens e flores, além de capitéis esculpidos nas colunas e arcos emoldurados. As peças estão repintadas e o ouro recoberto com tintas de várias cores e purpurina, mas apresentam riquíssimo trabalho de escultura em madeira, com requintados detalhes. Acompanham essas talhas duas mesas de altar, da mesma época, com pintura marmorizada. Procedentes da Matriz de Santo Amaro.”
“Os dois retábulos da matriz de Santo Amaro são encimados por arcos com volutas e folhas de acanto, de inspiração floral e vegetal, com cornija e friso ainda trabalhado com ornatos em estilo maneirista, mesmo sendo eles altares existentes por volta de 1732 (AMARAL, 2005, P.22-27). Quando vistos por Germain Bazin na década de 50, certamente por meio de fotografias de Germano Graeser, ficou ele atento às remontagens que sofrera. Agora restaurados e expostos no MAS-SP pode-se notar a beleza simbólica pelas flores e no colorido que nos foi devolvido pelo trabalho precioso do restaurador Julio Moraes.”(Tirapeli, Retábulos Paulistas, p.278.Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Íbero-Americano)
“Os altares da matriz de Santo Amaro: Sabe-se que havia em Santo Amaro em inícios do século XX, três altares “velhos” ou antigos: o da Capela N.Sra. do Rosário, com tabernáculo, o altar de N.S. do Bom Conselho, e outro “de igual formato” e que “está desarmado”; além de haver um “grande e majestoso altar-mor de madeira” desarmado (e que já fora igualmente mencionado por D. Duarte no relatório de sua visita).
“Matriz, velho e espaçoso templo, reformado na frente com uma bela torre de solidíssima construção, alicerce de pedra de cantaria, e todo mais de tijolos. A igreja possui três altares como atesta o Pe. Luiz Ignácio Tacques Bittencourt (*17-01-1853 / + 03-01-1900) sendo o altar-mór de recente construção, de tijolos e cimento com três degraus. ...
No corpo da Igreja existe a velha capela de Nossa Senhora “do Rosário cuja imagem ocupa o nicho do centro; ao lado do Evangelho a imagem de S.Pedro e ao lado da Epístola a imagem de S. Miguel. O altar é de madeira e tem um tabernáculo antigo. No corpo da Igreja ainda e ao lado da Epístola acha-se o altar de N. Senhora do Bom Conselho. ...Este altar é antigo, mas todo pintado de novo; de igual formato existe na Matriz outro altar que está desarmado. Também desarmado existe um grande majestoso altar-mór de madeira” (Relatório enviado ao Arcebispo, 1909, pp. 56-57).
Logo, farto material para explicar a “remontagem”, ou reconstrução destes dois retábulos ocorrida nem se sabe quando, além dos elementos compositivos de todos estes altares, que foram dispersos ou extraviados. Foram exatamente estas montagens mutiladas que causaram espécie a Germain Bazin.
Assim, talvez peças destes altares e do altar-mór tenham servido para a montagem das composições extravagantes e pouco harmoniosas em especial da parte superior deste segundo retábulo, como dissemos, com a justaposição de fragmentos de talha em ritmos verticais, e não de forma concêntrica como seria de esperar. Reserva que também fazemos agora ao outro retábulo.
O trabalho solicitado pelo Museu de Arte Sacra a Júlio Moraes se configura mais como restauro e “reconstrução sensível” destes retábulos com as peças encontradas do que possibilidade de uma real reconstituição dos altares, já que a esta altura parece impossível devolver a eles sua integridade original.
Desta forma, além da tentativa de análise estilística, com os dados da reforma de meados do século XIX, daquela “lastimável” de 1903 e anos seguintes, assim como com os relatórios da visita de D. Duarte em 1909, da descrição do vigário de 1909 igualmente, e com o inventário de imagens e noticias de retábulos, de 1911, podemos ter ideia dos bens patrimoniais em talha existentes na Paróquia de Santo Amaro (assim como de seu acervo em imaginária, e de telas, cujo paradeiro ignoramos) - nesta tentativa de contribuir para desvendar um pouco este intrincado quebra-cabeças.” (Amaral, 2005)
OBSERVAÇÕES:
RETÁBULO: É uma peça entalhada de pedra ou madeira(TALHA) que fica atrás da tribuna, do altar, da mesa; parte posterior do altar, onde se colocam as imagens dos santos. O retábulo passou a ser usado no Renascimento em forma de mármore e pedra, na Itália, e madeira, na Espanha. No Brasil, foram feitos retábulos de pedra, mas com a vinda dos jesuítas começou-se a construir de madeira, com um nicho central e mais tarde foram produzidos com vários nichos à medida que as imagens aumentavam nas igrejas. A arte sacra brasileira possui o conceito jesuítico ou renascentista do final do século 16 e início do século 17. Quatro modelos podem ser apresentados:
1) Estrutura linear – forma de painel – e os seus ornamentos têm características maneiristas, ou seja, com motivos geométricos. Possui relevo baixo e acanhado porque ainda não se tem muita técnica.
2) É comum à utilização de elementos fitomorfos, como folhas de acanto, e proporcionará o início do uso de elementos da natureza brasileira. Suas linhas de composição são inspiradas nos túmulos romanos do século 15.
3) No topo, apresenta um painel ladeado por caprichosas volutas. Suas colunas são decoradas, sendo 2/3 do fuste em caneluras e o terço restante decorado com elementos fitomorfos, encimados por capitel (coríntio) e base com as mesmas características da decoração.
4) Tem função plateresca, ou seja: possuem aspectos que lembram trabalhos em prata, feitos em baixo-relevo.
TIPOS DE RETÁBULOS: Lúcio Costa:
a) PROTOBARROCO: Lembra um grande móvel. Possui uma fachada arquitetônica retangular e um entalhamento entre frontão e colunas, fuste, capitel e canelura. As formas são côncavas e convexas, com pinturas (painel) substituídas por esculturas. Pode-se encontrar exemplos desse tipo na Catedral da Sé em Salvador, juntos também com os de “transição”.
b) BARROCO FRANCISCANO: Colunas torsas (parafuso) revertidas de folhas de acanto, cachos de uvas, cabeças de anjos e cantoneiras. Suas colunas servem de suporte para os arcos. Entre uma coluna e outra há um pilar lembrando portadas românicas. Possui camarim, onde ficam as imagens. Verifica-se, também, a azulejaria.
c) BARROCO DIVERSO: Colunas torsas. Entre uma coluna e outra se pode notar o nicho com dossel, esculturas e anjos. É mais escultórico e trabalhado, com policromia e atlantes na cantoneira.
d) ROCOCÓ: Possui dois momentos: o primeiro, com colunas torsas; e um segundo com caneluras ou com guirlandas. Fundo branco ou azul, tons pastéis. Esculturas ainda arqueadas e com maior leveza. Desaparecem os elementos zoomorfos, ficando apenas os antropomorfos.
e) NEOCLÁSSICO: Pouco escultórico, mais suavizado e com retilineidade. Técnicas escariolli que significa a imitação do mármore a partir da madeira.
*Este desenho feito por Miguelzinho Dutra carece de estudo mais detalhado para abalizar como fato real, pois mesmo sabendo da existência de campanários nas igrejas antigas, não temos essa confirmação na historiografia da Matriz de Santo Amaro, ou seja, da existência desta arquitetura anterior a construção atual e se a mesma representação artística pertenceu à Vila de Santo Amaro.
Bibliografia:
AMARAL, Aracy. Limites de um processo de restauro-Os dois retábulos da Matriz de Santo Amaro. In Altares Paulistas-Resgate de um Barroco. São Paulo, Museu de Arte Sacra de São Paulo, 2005.
BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983.
TIRAPELI, Percival(org.). Arte Sacra Colonial- Barroco Memória Viva. São Paulo:Ed. UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 2001.
TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo:Ed. UNESP/Imprensa Oficial do Estado, 2003.
Tirapeli, Percival. Retábulos Paulistas. Atas do IV Congresso Internacional do Barroco Ibero-Americano.
MUSEU DE ARTE SACRA DE SÃO PAULO: Avenida Tiradentes, 676 - 01102-000 - Luz
(Metrô Tiradentes) São Paulo - SP