segunda-feira, 29 de abril de 2013

Fundição de Val d'Osne: Estilo de Qualidade como Ponto de Vista

A MAIOR FUNDIÇÃO ARTÍSTICA EM FERRO FUNDIDO: ESTILO EXPORTADO PELO MUNDO


O ferro fundido moldado, com seus ornamentos muito trabalhados, torna-se um componente maior das paisagens urbanas do século XIX com presença constante na construção. O material faz assim concorrência ao bronze e substitui o ferro forjado, a pedra e a madeira. Dessa forma, a utilização de colunas em ferro fundido (material de alta resistência a compressão) nos prédios públicos permite a construção de espaços internos de elevado pé-direito, muito espaçosos e claros.

Nas proximidades deste mesmo local nasceria um novo conceito em fundição de peças que transformaria de vez as artes francesas e mundial através de um visionário chamado Jean-Pierre Victor André.

Em 1833 André era gerente de forjaria da metalúrgica Brousseval (localizada em duas comunas Cousances-aux-Forges et Thonnance-lès-Joinville) e estava às “turras” com o empresário da referida empresa pois havia ideia de expansão de negócios por parte de André que não eram aceitas.

Para romper com o modelo tradicional, André achou melhor fomentar seu próprio negócio. Endereçou requerimento ao Rei de França, Luís Filipe, em 28 de Outubro de 1834 requerendo homologação para a construção de um forno de fusão para formar uma empresa de exploração no pequeno Vale e constituir desta forma a fundição Val D’Osne[1]!

Todos acreditavam ser algo excêntrico por parte de André,  pois no referido Vale, no local onde pensava instalar a fundição, havia apenas um pequeno ribeirão sem força costumeira dos grandes rios. 

Como iria conseguir bastante potência para movimentar forjas?

Por que ir tão longe dos acessos normais das estradas principais?

Apenas mais tarde, contrário ao senso comum, André conseguiu seu intento no que estava reservado a sua empresa Val d’Osne, pois o vale era rico em minério e areia, matéria prima necessária para moldagem de fundição, que possuia outro conceito, contrário as grandes máquinas propulsoras de forjaria do aço, que necessitava de grandes impactos de força motriz.

Deste modo, foi promulgada a autorização atraves de Edito Real em 5 de abril de 1836 e André se tornou proprietário da Fundição Val d’Osne, iniciando primeiramente a produção de tubos(em ferro gusa), jarros, placas de proteção (firebacks) e outros acessórios. Seu primeiro endereço de Paris foi no  Rue Neuve, 14, Ménilmontant.

Sua ideia maior estava voltada  para a criação de produtos decorativos que seriam produzidos partindo de experimentos com vários elementos em arte geral e esculturas. André morou em Paris por vários anos e presenciou o auge da revolução industrial e além disso pertencia a um círculo de artistas conhecidos e onde poderia encontrar escultores para esboçar peças de portões, balcões, escadarias, gradis, fontes, estátuas, icones religiosos e até peças para armamentos bélicos.A expansão das ferrovias também recebeu atenção da fundição Val d’Osne, onde muitas peças ornamentavam estações ferroviárias. O uso de ferro fundido para ornamentar jardins tornou-se difundido particularmente neste momento, como as possibilidades de sua produção ser em comparação de massa ser uma fração do custo do bronze, tornando o ferro fundido para ornamento estatuário de interiores e exteriores, iluminação figurativa, fontes e vasos. O material era, deste modo, escolhido por agregar valores menos dipendiosos e foi desmonstrado em feiras de arte a beleza das peças fundidas em ferro.

Nínguém ainda tinha concebido o ferro fundido (cinzento) como material para construção de peças artísticas, pois tudo que era beleza na arte era concebido ou pelo mármore ou pelo bronze. Isto aconteceu até o aprecimento de seu criador e  inovador, Jean-Pierre Victor André.

A fundição artística nasceu nos anos 1830. Os primeiros fundidores artísticos franceses foram Jean Pierre Victor André, em Val d'Osne, Haute Marne, Calla em Paris, Ducel em Pocé, Indre. 
ALTO FORNO: PRIMEIRA FUSÃO

Aparentemente, o Le Val d'Osne, aparecia bem cotada no relatório da exposição universal de 1844: "Deve ser lembrado que o senhor André é o criador da moldagem em Champagne. Acreditou-se durante muito tempo que as fundições, geralmente convertidas em ferro, não dispunham das qualidades necessárias para serem usadas em “substituição” ao bronze. Assim, confeccionavam-se apenas grelhas e placas. O senhor André foi o primeiro a tentar utilizar o ferro fundido para outra finalidade". 
FORNO CUBILOT

Outros grandes fundidores, como Muel em Tusey-Vaucouleurs, Meuse, Durenne em Sommevoire, Capitain-Gény em Bussy, Fundições de Saint-Dizier (parceiros exclusivos de Hector Guimard) em Haute-Marne, Denonvilliers em Sermaize-sur-Saulx, Marne, Thiébaut em Paris e Voruz em Nantes, produzirão de modo consequente peças ornamentais que podem ser admiradas até hoje no mundo inteiro. As primeiras estátuas em ferro fundido cinzento foram realizadas a partir de modelos provenientes da oficina de moldagem do museu do Louvre.
CAIXAS DE FUNDIÇÃO
Assim, mais de 200 escultores, dentre os quais Bartholdi, Carpeaux, Carrier-Belleuse, Diélbot, Guimard, Jacquemart, Mathurin Moreau, Pradier, Rouillard e Rude, irão criar, em colaboração com os operários fundidores, modelos destinados a serem moldados em série para ornamentarem não somente praças, chafarizes e jardins públicos como também o interior das residências de uma burguesia em expansão, ávida por presentear-se com moradas que antes eram reservadas aos príncipes. 
VAZAMENTO DO FERRO LÍQUIDO (FUNDIDO)

Os fundidores artísticos expõem desde 1851, em Londres, no famoso Crystal Palace, palácio em ferro e vidro. Não hesitam em exibir objetos monumentais. Em 1862, Val d'Osne expõem novamente em Londres, uma fonte monumental de dez metros de altura, idêntica à peça instalada na Praça Monroe, no Rio.
 Crystal Palace de Londres (1851)

A Val d'Osne iniciou produzindo itens também de alta beleza. Sua pequena fundição era provida de alto forno (forno de primeira fusão formando lingotes provindo do minério de ferro, calcáreo e carvão) um Forno Cubilot[2], mais tarde acrescido de mais dois fornos, empregando 220 fundidores em 1844, fazendo o encontro entre o escultor com o fundidor na fundição artística onde o "industrial tornou-se artista e o artista industrial.

Em apenas 8 anos André havia introduzido no meio artístico um novo conceito de arte, quando ninguém havia tentado nada semelhante, sendo então cercado de todo prestígio e rodeado por industriais e negociadores de ramo, pela alta qualidade de seus produtos. 

A paixão de André estava deste modo completada quando uniu o processo  produtivo da indústria com a arte, criando o que se tornaria conhecida como “Fonte da Arte”. 
PALÁCIO DE BELAS ARTES-1855

A inspiração descoberta por André maravilhava os especialistas, mas pouco viveria para ver a grandeza da Val d'Osne[3] e vencer seu primeiro prêmio na Exposição Universal, realizada em Paris, em 1855, onde sua nova arte se tornaria uma mania pelo mundo, distribuindo trabalho pelos 16 escultores franceses através de 33 países. Ele faleceria  trabalhando na fundição em 1851. (havia nascido em 26 de dezembro de 1790)

Viajantes pelo mundo afora podem ver-se peças da Val d'Osne ou sua influência artística através da Europa, Rússia, particularmente em São Petersburgo, no Soho, igualmente em Londres e Nova York, em Nova Orleans, Los Angeles,  por toda a parte da França, México e no Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, onde foram protegidas de duas grandes guerras mundiais, sendo um museu a céu aberto nas praças públicas daquela cidade.

Unindo os maiores escultores do século 19, André uniu a arte com a indústria, que a fundição do ferro recebendo impulso grande, criando e aprimorando novas técnicas e construindo uma obra  que será a herança cultural para a Haute-Marne. 
Muitos fizeram a fama na arte construída por escultores que colaboraram no século 19 com a Val d'Osne, Henri Marie Alfred Jacquemart; Jean-Jacques Pradier; Alphonse Lerolle; Pierre Loison; Jules Salmson; Henri Frédéric Iselin; Louis Sauvageau; Jean de Bologne, Albert Ernest Carrier-Belleuse; Gabriel Dubray; Pierre Louis Rouillard; August Martin; Provin Serres; Joseph de Nogent; Charles Auguste Lebourg; Guillaume Coustou; Pierre Lepautre; Georges Prosper Clère; Eugéne Louis Leguesne, Isidore Bonheur, Delaplanche, Gautherin, Liénard e outros mais talentosos artistas que tiveram  auspicioso comando do nome mais famoso da Val d'Osne, Mathurin Moreau, criador de fontes, monumentos e esculturas catalogadas nesta época, período em que a obra de Moreau denota um estilo clássico, elegante e refinado nesta arte, além de ter a sensibilidadee delicadeza para expresar de maneira sublime o lado feminino, um avanço de estilo para o que foi denominado de “art-nouveau”. 
Mathurin Moreau compreendia todos os estilos e processos de fundição criando peças que eram apreciadas pelo alto requinte, mas também era um especialista em moldar o gesso, mármore, bronze e a prata, estes dois últimos de grande fluidez, o que faciltava a moldagem. Possuia um interesse  na inovação das técnicas empreendidas, sendo que o local onde estava localizada a fundição no século 19 tornou-se o maior distrito da cidade de Paris em função da criação da Val d'Osne. Moreau faleceu com a idade de 90 anos (1821-1912) sempre produzindo arte, sendo condecorado em muitas exposições ao longo de sua história.

Depois da morte de André, sua esposa gerenciou a Val d'Osne por alguns anos antes de vendê-la para Gustave Barbezat, um protegido de André que deu continuidade  à expansão da fundição ampliando a produção estabelecendo-se como o maior empregador da França em 1866. Em 1855 a fundição Val d'Osne passou a denominação Société Barbezat & Cie. Em 1867 Barbezat et Cie passou a empresa para Fourment Houillé & Cie. Em seguida, em 1870, a denominação da fundição passou a ser Société Anonyme des Hauts-Forneaux et Fonderies du Val d'Osne, ampliando sua produção. Com a mudança de nome veio a mudança de marca de fundição e endereço: Arte de Fonderies du Val d'Osne, Boulevard Voltaire, 58, em Paris ou simplesmente Val d'Osne.

Após Barbezat, a Val d'Osne continuou sendo a maior do ramo de arte em ferro fundido com o saneamento do planejamento de Charles Hanoteau, dando enfase ao processo eletrolítico contra oxidação do ferro, delegando o continuismo administrativo ao seu filho Henri em 1895. Dos anos de 1870 a 1892 foram anos aúreos para a grandeza da produção artistica, pois somou-se em 1878 o acervo dos modelos artísticos de J.J. Ducel. 

No século 20 as guerras interroperam o ciclo e em 1917 a maior produção daVal d'Osne passou a ser de granadas e obuses, placas estruturais de contenção de combate requisitadas pelo governo de França que proveu recursos para esta finalidade até o final da Primeiro Grande Guerra Mundial. Em 1931 passou a ser controlada pela Societé Durenne, em Sommevoire, Haute Marne que recebeu a denominação Société Anonyme Durenne et du  Val d'Osne, sendo direcionada para a fabricação decorativa e suprimindo a fundição artística sendo esta substituída pela fabricação de peças mecânicas. Com o advento da 2ª Guerra Mundial, sendo a França invadida por tropas alemãs as dificuldades se avolumaram, mas assim mesmo manteve suas atividades até encerrar suas atividades em 1986, pois os tempos eram outros e novos modelos de planejamento e produtividade fora alterados.

A histórica empresa Val d'Osne tem ainda seu reflexo continuado de produção decorativa de fontes, candelabros, estátuas, chafarizes e peças mecanicas industriais seguidas pela Societé Générale D’ Hydraulique et de Mécanique, GMH, comuna de Sommevoire, no Haute Marne, que ainda possui modelos do século 19 e que ainda são atuais como peças artísticas. Depois de Jean-Pierre Victor André, Barbezat & Cie, Fourment, Houille & Cie, J.J.Ducel criadores das indústrias reponsáveis pela Fonte da Arte os conceitos artisticos ganharam novos conceitos e nova ótica.

Referências:

Luz, Jan de. The French Touch. Utah: Ed. Gibbs Smith, 2004 (Discovering Passion, p.70)

Fontes d’Art. Album nº 2. Société Anonyme des Hauts-Forneaux et Fonderies du Val d'Osne.

Junqueira, Eulalia; Cruz, Pedro Oswaldo e outros. Arte Francesa no Ferro no Rio de Janeiro-Memória Brasil. J. Sholna Reproduções Gráficas, UTE Norte Fluminense. ISBN 85-98227-02-1(Lei de Incentivo a Cultura)

Exposition universelle de 1855 http://fr.wikipedia.org/wiki/Exposition_universelle_de_1855

Benedict, Otis Jr. Tradução Francisco J. Buecken. Manual Prático de Fundição. São Paulo: Companhia Melhoramentos. 1947.

Lima e Silva, Waldemar de. Fabricação do Ferro Fundido. Rio de Janeiro: F. Briguiet & Cia. 1944

Doe, Edwin W. Foundry Work. U.S.A.: THE AMERICAN FOUNDRYMEN'S SOCIETY. 1951

[1] No Vale Haute Marne, em Champagne-Ardenne, a leste de Paris foi produzido ferro por longos 25 séculos para fabricação de espadas e ferraduras para as cavalgaduras usando o minério de boa qualidade de Marne, além de nas proximidades da mineradora haver um grande quantidade de madeira para combustível dos fornos, além da potência provinda das rodas d’água alimentada pela força dos rios que acionavam máquinas propulsoras das forjas alimentando uma dúzia de algumas metalúrgicas que produziam tubulações para as fontes de praças e para o aquecimento (firebacks) em Versalhes do século 17.
O MINÉRIO DE FERRO
O ferro nativo, de origem plutoniana ou meteórica, e os minerais carbonatados são relativamente raros na França. Em compensação, os minérios oxidados, hematita vermelha, magnetita negra, limonita parda e minérios oolíticos são abundantes naquele país.
Na Haute-Marne, trata-se de minério de ferro hidratado, granuloso ou minério em grãos, denominado minério neocomiano ou minério portland. Caso o tratado de fundição redigido em 1847 por Guettier tenha credibilidade, esse tipo de minério tem a reputação de fornecer as mais belas peças moldadas em ferro fundido e de ser menos vulnerável ao ataque do contato com o ar.
Com teor médio de ferro de 50%, este minério também contém, em proporções reduzidas, outros elementos que irão influir nas características do metal. Deste modo por longos 200 anos o Marne continuou a ser o maior fornecedor de minério da França para a produção industrial da região.

[2] O forno Cubilot foi inventado no século 19 pelo pesquisador de  metalurgia, o francês Réaumur, sendo o principal meio de fusão destinado a gerar ferro fundido cinzento, material utilizado desde então para a confecção de peças artísticas e industriais em ferro fundido.
[3] Nada foi a popularidade e o uso do ferro fundido ornamento maior do que em França, onde na segunda metade do século XIX duas fundições em particular dominavam a produção para o mercado interno e para exportação. A mais importante foi oficialmente denominada Société Anonyme des Hauts-Fourneaux et Fonderies du Val-D'Osne, (conhecida após 1870 como simplesmente Val-D'Osne) maisons Anciennes J.P.V. André et J.J. Ducel et Fils. Menor do que a Val D'Osne, a empresa de A. A. Durenne, foi fundada em 1847 no Sommevoire e investia também neste importante ramo da fabricação de ferro fundido. Val D'Osne e Durenne freqüentemente receberam medalhas para seus trabalhos em muitas exposições internacionais da segunda metade do século XIX.

A Fundição de Val d'Osne e a Aurora de Santo Amaro, SP

A arte degradada na Praça Coronel Lisboa, Santo Amaro, São Paulo

A invenção do gás de iluminação e, mais tarde, o nascimento da eletricidade orientaram a inspiração artística para as tochas e candelabros. Tais peças assinadas por Mathurin Moreau, um dos maiores artistas da fundição da França são admiráveis:  Aurora e Crepúsculo



Fontes d’Art. Album nº 2. Société Anonyme des Hauts-Forneaux et Fonderies du Val d'Osne.

Os corpos de ambas são de estilo belíssimo, ligeiramente encobertos por um véu, o braço erguido valorizando o busto perfeito. Há poucos exemplares, talvez meia dúzia de peças encontradas em diferentes lugares, são obras-primas de graça, representando a delicadeza feminina.
Um destes lugares, onde há uma dessas peças, Aurora, é na Praça Coronel Lisboa, Santo Amaro, São Paulo, mas que se encontra em estado deplorável! 

O ferro fundido é de grande acabamento e a figura representa a suavidade da "pele" muito lisa, um grau difícil de extrair em peças fundidas, que geralmente apresentam um grau elevado de aspereza. Na década de 1990, as obras Aurora e Crepúsculo, de Mathurin Moreau, foram adquiridas por 250 mil Francos, anterior ao euro, algo próximo nos dias atuais de 150 mil dólares.
Talvez não fosse uma grande soma, talvez valessem um pouco mais considerando a valorização monetária, mas em se tratando de uma peça em ferro fundido “que vale somente a massa do quanto pesa” é algo extraordinário!
As "tocheiras" com a coloração de um tom cinza enegrecido da própria peça de como ela sai do molde de fundição, representam outra forma de exibir a magnificência da mulher e atender ao gosto e apreciação pública. O exotismo colonial estava em voga no início do século 20, e as tocheiras representavam o fulgor da iluminação da Aurora.
Em Santo Amaro, São Paulo, existe uma peça representando a "Aurora" da famosa Fundição de Val d'Osne; França, obra esta que analisada seu estado de conservação,  pode-se crer que  não vale nada, está destruída e prenchida de concreto nos glúteos, e o braço que ostentava a graça de alguma tocha ou condelabro, foi arrancado!!!
Ornamentar custa para manter a manutenção, mas vale muito seu valor representativo de um momento histórico!

Descaso custa muito mais!!!
Arte, ora arte!!!